Um dos grandes pilares de um país é a JUSTIÇA. Essa Justiça não pode ser usada de forma indevida, não pode ser "privatizada", não pode ser oxigenada quando dá jeito aos actores políticos e subalternizada pela mesma razão. Em Angola, a Justiça sempre esteve demasiado próxima do poder, de forma conivente participou em momentos que não lhe conferiram qualquer glória e demasiadas vezes ultrapassou os limites da decência, da separação inequívoca de poderes e da lei. Na Justiça, assenta a segurança da nossa vida, dos nossos direitos, da nossa protecção. Assenta a salvaguarda do interesse público. Assenta, em última instância, na garantia de que o Poder Político não seja refém de nenhuma quadrilha. Uma Justiça que se alinhe com o poder apenas para proteger os interesses do poder é contrária aos interesses da Nação.
O retrato deprimente dos Tribunais Supremo e de Contas é um triste exemplo da podridão, da impunidade, do compadrio, da troca de favores, de uma mão lava a outra e as duas lavam a cara, acreditando os seus responsáveis que jamais seriam incomodados tendo em conta a serventia dos favores que possam ter prestado e que lhes garantia segurança nas suas acções por mais desajeitadas e ilegais que fossem. Quando a pirâmide da mentira e da conivência ganha vida própria, torna-se incontrolável e cada um no seu quintal vira rei. O exemplo para o País destes dois casos vai para além da vergonha institucional. É um retrato da podridão das entranhas da administração na generalidade que, apesar de conhecida, não tem sido alvo de nenhum rigor, porque, felizmente, não tem parado a engrenagem, causando o colapso, mas por osmose vai minando todas as instituições públicas, incluindo o próprio tecido social.
Outro grande pilar é a comunicação social pública, e aqui o cancro está metastizado. De igual modo, temos um serviço público de comunicação que é um desastre, por se ter tornado a voz da propaganda institucional. Esse grande poder que devia servir os interesses nacionais serve apenas os interesses da governação. As contradições, as meias-verdades, a falta de ética no tratamento da notícia, a ausência de credibilidade, o ataque para denegrir quem não é alinhado são uma vergonha. A qualidade dos analistas e comentadores ajuramentados é deprimente. Um serviço público que não agrega valor à investigação, ao debate plural, que privilegia temas periféricos para não ferir "susceptibilidades", não tem serventia nenhuma. Falta o contraditório, falta olhar para o País com sentimento de pertença, falta fazer jornalismo.
Infelizmente, o primeiro mandato presidencial perdeu-se nos corredores da intriga, da vingança, do atropelo da conduta elementar e do respeito escrupuloso da Lei. Infelizmente, o primeiro mandato presidencial não teve a lucidez de escolher os melhores pares, as melhores práticas, nem ouviu os melhores conselhos. Infelizmente, o primeiro mandato presidencial foi incapaz de inovar, de tirar de circulação os políticos, gestores e magistrados "carvão" que se não queimam, sujam. O primeiro mandato presidencial fortaleceu suspeitos, deu poder a pessoas que já tinham provado serem incapazes de fazer nascer sequer uma ideia lúcida e patriótica. O primeiro mandato presidencial não foi capaz de cumprir o que prometeu quando declarou guerra à impunidade, à corrupção, à bajulação, à protecção dos mais pobres, à elevação moral da governação e à expectativa de fortalecimento da democracia e da separação de poderes, para não falar de outras bandeiras a exemplo das eleições autárquicas.
Angola não merece ser governada desta forma. O povo já pagou uma factura suficientemente elevada e inesquecível pela luta pelo poder entre os movimentos de libertação. 48 anos depois de sermos donos do País, estamos a naufragar sem qualquer plano B, acreditando alguns dirigentes que é possível pegar a bosta de um boi pela parte mais limpa e, com isso, demonstrar eficiência para a solução do problema. Essa ferida já não se cura com uma curita. A longevidade do MPLA no poder, sempre a remediar políticas e a desviar o olhar das coisas que estão mal, desestruturou a sociedade, as famílias, a educação, a economia e os valores morais. Infelizmente, essa longevidade tem contado com a cumplicidade do Tribunal Constitucional que em tempo eleitoral provou sempre quão alinhado tem estado da Cidade Alta e que um dia (quando o vento mudar) também será alvo de um criterioso escrutínio sobre a sua conduta.
Quando a corrupção atinge os tribunais superiores, o poder político está ameaçado, pois, na troca de galhardetes, as verdades ocultas incómodas serão certamente reveladas, o que irá criar o desnorte do salve-se quem puder. Por outro lado, há um perigo para quem contaminou a Justiça, caso um dia precise dela para se defender, ter de lidar com um sistema cruel e sem regras, à semelhança do que aconteceu com o falecido Presidente. Há exemplos que deviam servir para recordar a todos quão precário é o papel daquele que não defende a defesa intransigente da lei. O preço é demasiado elevado para o servidor público que não se coloca no papel de arguido futuro, achando que esse é um destino apenas para os outros.
Hoje, por culpa de todos os atropelos e por toda a ausência de patriotismo, somos uma Nação adiada, um fato mal remendado, sem um poder político que promova um caminho inclusivo, um País para todos, uma administração decente e ética. O engrandecimento e o fortalecimento do universo que se estende para além da ilegalidade são o grande promotor da desumanidade da governação. O egoísmo dos dirigentes que primeiro olham para o seu luxo e para o fortalecimento do seu poder em detrimento do estômago da maioria do povo tem de ser combatido de forma exemplar.
Um servidor público tem a obrigação de todos os dias melhorar o caminho que garanta a felicidade colectiva e, para isso, foi eleito ou nomeado nos termos da lei que jurou defender. Só quando tivermos dirigentes que "agem de tal forma que a sua acção se possa tornar numa lei universal", como defendeu Kant, teremos a Angola que merecemos. Felizmente, temos muitos juízes sérios e comprometidos com a lei que hoje se mostram indignados pela degradação da reputação da Justiça. Ponho toda a esperança nesses e noutros angolanos que todos os dias acordam para ajudar a construir uma nova Angola onde ninguém fica para trás, onde todos devemos fazer a diferença pela positiva, para que um dia o País volte a humanizar-se e a ser governado de forma decente e coerente.