Vem isto a propósito do debate em torno da qualidade do ensino em Angola nos vários níveis de ensino, que é de muito fraca qualidade, basta ver o exemplo que citei no artigo anterior. Porquanto, se um aluno da 2.ª classe não consegue escrever o seu próprio nome, significa que a criança não aprendeu o básico do alfabeto da língua base.
Com frequência pergunto a tabuada aos alunos, membros da minha família e a jovens amigos frequentando classes avançadas do primeiro e segundo ciclos do ensino geral, e, geralmente, não me conseguem mentalmente responder a tabuada dos 2 e dos 5, que são as mais simples, diga-se. Creio não ser novidade que as famílias angolanas confiam muito pouco na qualidade do ensino do País, pelo que as famílias com o mínimo de posses financeiras fazem tudo para enviar os seus filhos, em tenra idade, para estudarem em outros países. Portugal, Brasil, Namíbia e África do Sul são os destinos preferidos, sacrificando a educação dessas crianças. Conheço histórias de adolescentes que se perderam em Portugal e em outros lugares, pois não tinham ainda a maturidade para se cuidarem por si mesmos. As distracções do meio que os acolheu acabaram por trair o sonho dos pais, em vez de estudarem, perderam-se em discotecas, bebidas e outros vícios, pois ainda não tinham amadurecido para viverem fora do convívio familiar.
Vale dizer, como uma vez escrevi, que o foco na avaliação da qualidade do ensino em Angola, em meu entender, tem muito a ver com o paradigma adoptado ao longo dos anos, em que não se estuda para se aprender ou para se acumular conhecimento, antes, para obter-se um diploma ou certificado. Pois, os graus académicos, ou a "doutormania" associada à lealdade política, passaram a ser o passaporte para ascensão na carreira. Não é o mérito, o saber fazer, a competência, o factor determinante para a ascensão na carreira, antes o grau académico, associado à lealdade política ou de outra natureza. Ao longo do tempo que procurei oportunidades de trabalho em Ontário, no Canadá, nunca me perguntaram quais eram as minhas habilitações, antes, a pergunta foi sempre "o que sabia fazer"!
O meu contacto com os estudantes ao longo destes últimos 12 anos permite-me confirmar as mentes brilhantes com que tenho interagido nas salas de aula das faculdades onde trabalhei, muitos hoje exercem cargos de relevo nas instituições públicas e privadas do País. As debilidades que por vezes se evidenciam são, na minha perspectiva, estruturais do sistema, pois quando expostos a outras realidades até conseguem afirmar-se, ou seja, quando postos no ambiente com um outro tipo de condições até brilham. Porém, como a motivação não é o de absorver conhecimento e aprender, a ambição é obter o título, os estudantes usam todos os meios possíveis para os obter. A consequência é o que assistimos no mosaico nacional, em que as pessoas ostentam títulos que não correspondem às competências que espelham nos ambientes profissionais. Ainda hoje os jovens colegas que me reportam se sentem intimidados em trazer minutas ou cartas para a assinatura ou revisão, pois resulta sempre em correcções.
O câncer dos títulos académicos entranhou tanto que as pessoas não estudam para saber, antes para ostentar os títulos, a ponto de haver uma apetência muito grande na compra de títulos académicos, ou de diplomas. Nos dias que correm, o conhecimento tornou-se perecível, estamos na era da inteligência artificial e da biotecnologia, o que era uma coisa ontem, amanhã será outra! O conhecimento tem de ser permanentemente actualizado. Alvin Toffler refere que o analfabeto do século XXI não é quem não sabe ler ou escrever, mas, sim, quem não desaprende o que aprendeu para aprender novas coisas. Estamos na era da actualização permanente de conhecimentos, do contrário somos deixados para trás ou simplesmente ultrapassados.
O facto de o paradigma ser o de apadrinhamento da mediocridade, através dos títulos, permitiu a existência, na academia e em outros sectores da vida social e económica do País, de mestres e doutores (Ph.D.) que nem a si mesmos conseguem ajudar. O intelectual distingue-se pela forma como se exprime, organiza e expõe as suas ideias, a sua voluntariedade em contribuir com o seu saber, sem arrogar-se ser o dono do conhecimento, para citar apenas alguns atributos. O nível de doutoramento é o expoente máximo da graduação académica, embora hoje se fale muito do pós-doutoramento. Esses deveriam promover um ambiente de debate permanente sobre os problemas que nos apoquentam na economia, na sociedade, no ambiente, na qualidade das infra-estruturas. Refiro-me à investigação científica aplicada, contando com o número de mestres e doutores existentes em Angola, o que, a meu ver, deveria traduzir-se no volume de publicações de índole científica. Os rankings mundiais colocam-nos na cauda da lista com pouquíssimas publicações.
Muito por influência do paradigma vigente, hoje virou moda a frequência de cursos de mestrado e doutoramento, mesmo trabalhando ou estando vinculado a sectores que não sejam associados à academia, investigação científica e investigação e desenvolvimento. Na academia, a progressão na carreira está directamente dependente da progressão académica e da produção científica, o que obriga os académicos a progredir academicamente. Embora na realidade angolana nem sempre se procedesse assim, o que foi decerto uma anomalia. Entretanto, se exerce a actividade como engenheiro civil no sector de construção e obras, deve trabalhar para obter a carteira profissional de engenheiro civil, através da Ordem de Engenheiros, ou fazer um curso especializado, os chamados mestrados executivos, que se baseiam em casos práticos (case studies). O doutoramento neste caso teria muito pouca relevância, a menos que a pessoa tivesse pretensão de um dia abraçar a carreira docente.

A mudança de paradigma de ostentação de títulos, ou a doutormania, impõe-se, pois não agrega nenhum benefício, quer na perspectiva pessoal, quer colectiva. Deve-se estudar para se saber fazer, para, com o conhecimento que se obtém, melhorar a própria condição de vida, pelas potencialidades de empregabilidade que se ganha ou pela criatividade que se obtém. De outra forma, vamos continuar a procurar a qualidade de ensino no lugar errado e não a alcançaremos tão cedo. O capital humano é o factor de produção mais importante que um individuo, uma família, uma empresa ou mesmo uma nação podem dispor, para transformar ou influenciar a sua condição de vida, tal só é possível instruindo e educando este capital humano com seriedade. Os títulos são importantes, mas, em si mesmos, não resolvem os problemas da qualidade do ensino...