Manifestações que, sem eco nos media públicos nem respaldo de forças políticas, serviram para provar que é "desinteligente" manter a captura dos media nacionais em plena era do digital, onde as redes sociais ocupam lugar cimeiro na necessidade e desejo de informar e estar informado.
Ao repetirem a narrativa de Tchizé dos Santos, segundo a qual a morte do seu pai fora precipitada por uma espécie de eixo do mal que inclui o Presidente João Lourenço, os manifestantes demonstraram que essa captura não atinge os objectivos pretendidos: a manipulação e a absorção acrítica da narrativa única do Poder pela opinião pública nacional.
Se, na capital, Luanda, onde reside mais de 30 por cento da população, centenas de pessoas se manifestaram em diferentes locais, num País em que se reprime violenta ou mesmo mortalmente qualquer manifestação antipoder, então esses protestos têm um importante significado político.
Essas manifestações acabaram por dar suporte e legitimidade política às filhas de José Eduardo dos Santos (Tchizé e Isabel) nas suas exigências, no âmbito das negociações sobre o local e as condições dos funerais do falecido Presidente.
Apesar da lição dada pelos populares que se manifestaram espontaneamente, o Poder em Angola, numa atitude típica do início do século passado, persiste em boicotar o acesso aos media públicos de Tchizé e os seus irmãos que se opõem à trasladação (para já) do corpo de JES, contribuindo, desta forma, para o extremar de posições.
A tribo política de Lourenço não consegue ler os sinais transmitidos pelos angolanos que denunciaram, nas redes sociais e órgãos de comunicação social portugueses, o comportamento dos media nacionais que, quando o estado de saúde do presidente emérito do MPLA se agravou de forma irreversível, se remeteram ao silêncio.
Estando em desvantagem, porque tem de se sujeitar a negociar com as suas "inimigas", João Lourenço, em vez de se concentrar no essencial que era procurar formas para rapidamente levar o corpo de Barcelona para Luanda, entrou por um atalho infantil, preocupando-se com uma questão secundária, que era ser o primeiro a dar notícia, antes mesmo de as próprias filhas saberem, como revelou Tchizé dos Santos.
Com isso, o Chefe de Estado angolano mostrou que teve dificuldades em perceber que por Barcelona passa também o seu futuro (sobrevivência) político, consequentemente o futuro do MPLA e, naturalmente, de Angola.
O ainda Presidente que Tchizé e Isabel dos Santos, que pouco ou nada terão a perder, estão a negociar politicamente não só a sua liberdade e relação com o País político, mas também a narrativa sobre o legado do seu pai.
Sendo desde já impossível obter qualquer vitória com a morte e os restos mortais de José Eduardo dos Santos, ao actual Chefe de Estado angolano e aos que o rodeiam resta apenas encontrar uma saída com menos desgaste e com menores custos políticos, ou seja, escolher um mal menor para si e sua entourage.
Para tal, são necessários sinais de distensão, de "boa muxima", porque, como tem demonstrado de várias formas, precisa desesperadamente do corpo de José Eduardo dos Santos para apagar a imagem de político incapaz que este processo trouxe.
Sinais simples, como, por exemplo, acabar com a diabolização que os capturados media, TPA, TV Zimbo, RNA fazem dos filhos de José Eduardo dos Santos e autorizar que esses órgãos transmitam as posições desses filhos (a maioria) que se recusam a enviar o corpo para Luanda para que João Lourenço realize o funeral.
Outra medida no sentido da distensão e humanista seria permitir ao Zenu dos Santos juntar-se à sua família em Barcelona (antes tarde do que nunca!), libertando-o da condição de refém que pode ser usado como moeda de troca ou para eventual chantagem.
Para isso, só precisava de pensar que o seu lugar na História pode estar indexado ao cadáver de JES. Que ironia!
A existência e o arrastar dessas negociações com processos judiciais de permeio, atingindo Ana Paula dos Santos e o médico João Afonso, apostas de João Lourenço, expõe, sobretudo internacionalmente, um Presidente impotente e inábil politicamente, nada conciliador, que usa mal o excesso de poderes que a Constituição lhe atribui.
Mostra também que as engenharias do MPLA para os absolutismos transforma o seu chefe num gigante com pés de barro que, neste momento, para continuar a liderar o País, tem de ceder às exigências de duas mulheres que perseguiu ao longo do seu mandato, em nome do pseudocombate à corrupção.
Nesta senda, todos os cenários possíveis para se ultrapassar o impasse criado têm custos onerosos para a reputação, carreira e legado político do Presidente Lourenço.
Se conseguir sequestrar, hipótese menos provável, o corpo contra a vontade da maioria dos filhos, mas com a ajuda de Ana Paula dos Santos e com isso realizar funerais de Estado antes das eleições, sem a presença desses filhos, cavará ainda mais o fosso entre a sua liderança e a poderosa ala eduardista do MPLA, aliada à parte da sociedade angolana.
E surgiria na campanha como um político desrespeitador de leis e de normas e práticas costumeiras, para quem vale tudo para atingir os seus fins, além de criar outros conflitos judiciais internacionais que, a médio-prazo, lhe custariam o poder.
Se aceitar as condições propostas por Isabel dos Santos, que defende o envio do corpo para Angola só depois das eleições, a longa permanência do cadáver de JES em Espanha seria uma assombração nas suas acções políticas e a campanha eleitoral correria o risco de se transformar em monotemática: a morte de José Eduardo dos Santos.
Neste cenário, nenhuma outra mensagem passaria e o local onde a política e o futuro do País se decide continuaria a ser Barcelona, e Isabel e Tchizé dos Santos teriam nas mãos muito poder político, inclusive sobre o próprio desfecho eleitoral.
Se JES ficar sepultado em Barcelona até João Lourenço sair do poder, como defende publicamente Tchizé dos Santos (pior dos cenários), Lourenço não sobrevive, terá de enfrentar uma rebelião no seu partido com consequências fáceis de adivinhar: o seu afastamento ou enfraquecimento político e/ou a sua transformação em vegetal político.
Em qualquer dos cenários, João Lourenço terá de fazer concessões às mais mediáticas filhas do defunto que, certamente, passariam pelo fim da perseguição política e jurídica e, provavelmente, por uma amnistia que apressadamente Tchizé recusou.
Restando, neste caso, anular todos os processos contra os filhos de JES e reconhecer que foi tudo uma falha ou engano, ridicularizando e descredibilizando por completo o Presidente e todo o seu mandato que esteve centrado no combate à herança de José Eduardo dos Santos e filhos.
Neste contexto difícil, ao "despachar" o procurador-geral da República para negociar com Isabel dos Santos a amnistia em troca da cedência do corpo do pai, João Lourenço deu a machadada final à farsa por si montada do combate à corrupção como eixo principal da sua governação.
E deu razão ao Tribunal Constitucional Espanhol que, em acórdão do ano passado, sentenciou que " a Procuradoria-Geral da República (de Angola) recebe instruções directas do Presidente da República, não no âmbito da representação do Estado pelo procurador-geral da República, ou seja, no exercício da acção penal".
Perante isso, como antevia, na semana passada, em editorial, o director deste jornal, Armindo Laureano, é tempo de perguntar: "E Agora, João?"
Vai manter essa aberração de fazer velório, óbito ou outras cerimónias fúnebres sem o corpo de José Eduardo dos Santos e sem a participação da sua família?
Tem condições para uma campanha eleitoral monotemática, centrada na morte e na ausência do corpo do homem que liderou o País durante 38 anos?
Com o MPLA em guerra civil e sem força anímica, com o fantasma de JES a pairar em todo o lado e com os olhos postos em Barcelona, a nova e provisória capital política de Angola que campanha fará?
Conseguirá evitar que a morte de Zé Du o transforme num cadáver político?