Esta aproximação, elogiada pelo embaixador da Rússia em Angola, Vladimir Tararov, foi anunciada em Luanda a 12 de Junho, Dia Nacional da Rússia, em cerimónia oficial de comemoração da efeméride, na presença de deputados da UNITA.
Segundo a agência portuguesa de notícias Lusa, no momento da celebração, Vladimir Tararov realçou que "a UNITA se transformou muito, é uma UNITA com outra visão, que se chama de oposição construtiva".
Considerando que existe no País "sinal de uma verdadeira reconciliação nacional", o diplomata russo questionou: "Se Angola pensa que esse movimento ou esse partido na oposição pode contribuir para o desenvolvimento num quadro de reconciliação nacional, porque temos de rejeitar isso?
Em seguida, adiantou que, no relacionamento com o continente africano, o seu país adoptou "um formato completamente novo, oferecendo cooperação mutuamente vantajosa, baseada em princípios".
Não sendo a primeira vez que o Galo Negro participa em comemorações do género, como sublinham os seus dirigentes, contudo, é o primeiro elogio público e reconhecimento por Moscovo do papel "construtivo" que a UNITA desempenha na cena política angolana.
Sobre a questão, Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA, explicou à RFI que, nos últimos anos, "esteve mais do que uma vez na Embaixada" russa, acrescentando que "a Rússia em Angola tem um papel histórico".
Na óptica de Costa Júnior, "seria uma ilusão" excluir um actor com o protagonismo e a influência que tem a Rússia, "um país detentor de material nuclear, atómico, tecnológico e com relações institucionais com uma boa parte (do Mundo), membro dos BRICS".
No mesmo sentido, Arlete Chimbinda, vice-presidente da UNITA e segunda-vice-presidente da Assembleia Nacional, que liderou a delegação do seu partido à Festa Nacional russa, justificou a aproximação do Galo Negro à Rússia da seguinte forma: "Novos ventos sopram pelo mundo, e a convivência entre os que lutaram ontem, desavindos, afinal é possível, porque uma nova era começa".
A Rússia, herdeira da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), foi um dos principais aliados do MPLA desde os finais dos anos 50 do século passado.
A URSS apoiou militar, financeira e politicamente o MPLA, durante a Luta de Libertação Nacional, bem como na construção e reconstrução do País no pós-Independência e ainda na luta em defesa da soberania angolana contra as forças do regime do Apartheid e na guerra civil.
Esta aproximação da UNITA à Rússia dá-se depois da cambalhota do Governo do MPLA em matéria de política externa, colocando-se mais próximo de Washington que de Moscovo.
É nesse quadro que, em Outubro de 2022, o Governo de Angola votou a favor da resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas que condena a anexação de quatro regiões da Ucrânia pela Rússia, diferentemente dos outros países africanos aliados tradicionais de Moscovo que se abstiveram.
Com esta nova aliança do Executivo de João Lourenço, pela primeira vez na História de Angola as duas principais formações políticas nacionais, dois eternos adversários (MPLA e UNITA), passaram a ter o mesmo "tutor", Washington.
Note-se que a UNITA, desde a guerra civil angolana, tem sido apoiada política, militar e financeiramente pelos Estados Unidos, tal como foi por Pretória durante o regime do Apartheid na África do Sul.
O distanciamento entre Luanda e Moscovo acontece com a chegada de João Lourenço ao poder. Em 2019, o Presidente angolano teve dificuldades em disfarçar o incómodo sentido com a participação de Isabel dos Santos, filha do seu antecessor na Cimeira de Sochi Rússia-África, a convite das autoridades russas.
Desde então, o Chefe de Estado angolano não voltou a participar em qualquer Cimeira com a Rússia. Para a última Cimeira Rússia-Africa de S. Petersburgo (Julho/2023), João Lourenço "despachou" o seu ministro das Relações Exteriores, Téte António.
Em Agosto de 2023, apesar de convidado na qualidade de Presidente da SADC, o Presidente de Angola faltou à Cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Joanesburgo, em que o país de Vladimir Putin era um participante de destaque.
Os BRICS, uma espécie de concorrência ao G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), representam mais de 40% da população mundial e um quarto do PIB global.
A publicitação e a oficialização do novo relacionamento entre Moscovo e o Galo Negro surgem no momento em que na imprensa mundial se debate uma alegada instalação de bases militares americanas no Soyo, Norte de Angola, que, certamente, deixa Moscovo em alerta.
Sobre estas alegações, negadas por Washington e que merecem de Angola um estranho silêncio, Paulo Wache, investigador moçambicano, considera que "os dirigentes angolanos, com certeza, sabem que estabelecer uma base americana não significa mais segurança, significa que têm de ser mais subservientes para manter a aparente segurança."
A nova aliança estratégica entre Moscovo e a UNITA enterra confrontos recentes entre as duas partes, expressos no início da agressão da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro de 2022, quando o Galo Negro apresentou no Parlamento angolano um voto de protesto contra a invasão russa.
No documento, a UNITA pedia à Assembleia Nacional para "condenar a guerra como forma de resolução de divergências políticas, ideológicas e culturais, condenar a invasão à República da Ucrânia, Estado soberano e independente pelas Forças Armadas da federação russa em violação à integridade territorial, ao direito à autodeterminação e livre escolha de alianças".
Intenção chumbada pela maioria do MPLA, cujo Governo (ainda) se abstinha nas condenações internacionais à Rússia, posição que só mudou depois das eleições gerais de Agosto de 2022.
Na sequência da apresentação desse voto de protesto, o diplomata Vladimir Tararov disse que a posição da UNITA era "ridícula". Acusou ainda o partido de Adalberto Costa Júnior de "querer fazer chantagem", em vésperas das eleições gerais angolanas, realizadas em Agosto do mesmo ano.
Estará a Rússia a lançar a âncora para futuras relações estratégicas com uma Angola em que o MPLA esteja na oposição?
Quando Tararov assegura que "a Rússia e Angola têm tudo para ser parceiros para a vida", mostra um novo olhar de Moscovo para lá do relacionamento histórico com o MPLA e uma vontade de ter um parceiro importante em Angola, neste caso, a UNITA, que cresce a cada eleição e que ocupa cerca de 44% dos assentos parlamentares.
Ou estará Moscovo, certamente detentora de informação sobre dossiers sensíveis do MPLA, apenas a usar a UNITA para assustar o antigo aliado natural e estratégico ou ainda a equacionar um futuro político próximo do País diferente do actual?
O embaixador deixa perceber que a Rússia já não se limita a privilegiar o MPLA como parceiro natural, mas que os "dois países serão parceiros para a vida", independentemente de quem ascenda ao poder em Angola.
Se Moscovo mostra todo o interesse em publicitar a aproximação à UNITA, esta vai falando "entredentes" sobre a essa nova aliança. O Galo Negro não especifica os termos dessa aproximação, nem esclarece se deixou de defender uma condenação da Rússia na arena internacional pela agressão à Ucrânia.
A UNITA omite ainda se essa aliança significa mudança de posicionamento em relação à guerra da Ucrânia ou se no âmbito da "nova era" do relacionamento com Moscovo põe fim à solidariedade com Kiev, colocando-se ao lado da Rússia.
Sem embargo do evidente enterrar de "machados de guerra" no relacionamento entre a UNITA e Moscovo e seus desenvolvimentos, o Galo Negro mostra receio em publicitar essa nova era, contrariamente a encontros ou reuniõezinhas com representantes ocidentais publicitados até à exaustão.
Costa Júnior, que "nos últimos anos esteve mais de uma vez na Embaixada russa", não especifica quantas, nem em que contexto, nem sequer o que pretende a UNITA de Moscovo nessa "nova era" de relacionamento bilateral.
Pelo que se constata, a dissonância entre o MPLA e Moscovo ultrapassa questões internacionais, abrangendo também assuntos da política doméstica angolana.
Ou seja, onde Moscovo, objectivamente olhando para o futuro, vê hoje uma "oposição construtiva", o seu antigo aliado estratégico angolano encontra "um partido irresponsável que quer ascender ao poder sem legitimação".