É que, além das dificuldades acrescidas à recuperação económica após a pandemia, estes países africanos acabam condenados a este tipo de confinamento, uma rude e atroz limitação à sua liberdade de circulação e mobilidade. É uma medida sem nexo, precipitada, oportunista, sem fundamento ou base científica. Este vírus não tem fronteiras e circula por todo o lado. O surgimento de novas variantes é já uma constante, e a solução não passa pelo isolamento de certos países. Curioso será dizer que foi a própria África do Sul que revelou a descoberta da variante Ômicron do vírus da Covid-19, que já circulava noutras partes do mundo antes, incluindo no próprio continente europeu. Será que África está a ser "penalizada" por isso? Pela "ousadia e atrevimento" em estar a fazer descobertas científicas sem aprovação e orientação ocidental? É que, ao invés de reforçar o apoio aos países pobres e aos países em desenvolvimento no combate à Covid-19, ao invés de mostrar mais solidariedade e reforçar o seu compromisso no combate à pobreza e apoio no desenvolvimento económico, esses países decidiram vergonhosamente adoptar aquilo que António Guterres muito bem chama de "Apartheid de viagens".

Esta pandemia vem revelar aquilo que grande parte de nós já sabia, mas que insistia permanentemente em ignorar: África continua a ser o continente esquecido! África é o continente ignorado e que salta para as primeiras linhas e ecrãs do interesse mediático mundial, sempre pelas piores razões. Nas contas ocidentais da pandemia, é um continente colocado à parte. Os discursos, as promessas de apoio e os espectáculos mediáticos de entregas de doses de vacinas não passam de uma acção ilusória e pura cosmética de um Ocidente que anda cada vez mais preocupado em olhar para os seus e o seu umbigo. É que, se antes havia já uma desigualdade de tratamento em termos de distribuição de doses de vacinas, onde menos de 10% da população em África recebeu uma dose, agora a situação agudiza-se com este encerramento de fronteiras. Muitas decisões ocidentais sobre África e os africanos são tomadas com base no preconceito e na ignorância. Acham que, com este tipo de decisões e posturas, podem alterar realidades e moldar comportamentos. Mas essas atitudes podem ser lições relevantes para África e os africanos, pois nos ajudam a perceber qual é o nosso valor para o Ocidente, o que valemos em termos de interesse mediático (somos apenas destaque e notícia pelas piores razões) e que tipo de parcerias e/ou relações devemos, doravante, estabelecer.

Também revela uma África pouco coordenada em termos de acções e defesa dos seus interesses como tal. A posição de Angola em fechar fronteiras com os países vizinhos e irmãos da África Austral, países com quem partilha interesses políticos, económicos e estratégicos no âmbito de relações bilaterais e multilaterais, revela bem a fraca visão da nossa diplomacia. Angola tomou uma decisão política sem estar apoiada em bases

científicas, uma decisão precipitada e tomada precisamente horas depois de pronunciamentos no seu território do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, cujo país havia já encerrado fronteiras com os países da África Austral. Angola, numa certa "alienação" ocidental, não repudiou a acção de países como o Reino Unido, que lhe colocaram numa lista negra e numa de "Maria-vai-com-as-outras", preferindo cortar unilateralmente com os seus vizinhos e parceiros. É uma decisão que, ainda que se fundamente com base na necessidade de evitar a inclusão de Angola na lista do "Apartheid de viagens" e manter a nossa circulação em determinados territórios, terá também várias leituras e consequências.

A posição de Angola não foi bem acolhida pela maior parte dos países visados na sua medida. O próprio Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, já criticou energicamente as posições de Angola e do Rwanda. Internamente também já existe alguma insatisfação em torno desta posição do Executivo de João Lourenço, sendo que os voos de repatriamento de cidadãos na África do Sul já estão a revelar a nossa incapacidade e desorganização organizada. A oposição anda "adormecida" ou quase distraída e nem reage, a comunidade científica e académica não é tida nem achada, não é consultada previamente antes dessas decisões políticas. Agora vamos ver como reagem às críticas da ONU e da UA. No fundo, foi mau e revelador de uma precipitação, de amadorismo político e diplomático, de falta de solidariedade e visão estratégica de Angola ao aderir a este "Apartheid de viagens". Algo muito estranho e inédito para um país que sempre se posicionou na linha da frente no combate a todo e qualquer tipo de Apartheids. É muito estranho!