Embora ainda não exista uma data acordada entre as duas diplomacias para a visita do chefe do Governo português a Angola, esta deverá, segundo Augusto Santos Silva, ocorrer logo após a Primavera, estação do ano que na Europa termina a 21 de Junho, o que não contraria a expressão de Carlos Fonseca, que admite que a deslocação tenha lugar "muito brevemente".

Esta visita assume especial importância para os dois países porque foi a suspensão da vinda de António Costa a Angola, inicialmente prevista para meados de 2017, altura que estava já a ser negociada a nível ministerial, com a deslocação do MNE português a Luanda, no início desse ano, para o efeito, que consolidou o início de uma das mais graves crises bilaterais entre Luanda e Lisboa.

Crise essa que foi espoletada, ainda era Presidente José Eduardo dos Santos, pela acusação ao ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, pelo Ministério Público português, de corrupção no âmbito da denominada operação "Fizz", por um alegado pagamento a um ex-vice-Procurador a troco de favores profissionais.

Inicialmente, e logo após a visita de Augusto Santos Silva a Luanda, foi a anulação da visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnem, a Luanda a primeira consequência da posição de força decidida por Angola, mas minimizada por ambas as partes, ficando apenas claro que as coisas estavam a descarrilar no eixo diplomático Luanda-Lisboa quando a visita de António Costa foi suspensa sine die.

Agora, com a confirmação da deslocação oficial do chefe do Executivo português a Luanda, Angola e Portugal deixam de ter, como lhe chamou Augusto Santos Silva, o "irritante" a prejudicar o curso normal das relações bilaterais, quase sempre consideradas de excelência, embora com fragilidades, como ficou claro com esta prolongada crise, que, no entanto, teve, da parte angolana, a solução definida desde o início.

Isto, porque o Presidente da República, João Lourenço, nos primeiros dias deste ano, deixou claro que o retomar das boas relações com Portugal estava dependente do desfecho do caso Manuel Vicente, que Angola queria ver transferido da justiça portuguesa para os tribunais angolanos ao abrigo dos acordos existentes de âmbito bilateral e multilateral, como é o caso dos que vigoram na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que acabou por acontecer já este mês.

No entanto, apesar do "irritante" ter sido afastado, o embaixador angolano em Portugal, que entrou em funções há alguns dias, apesar de se mostrar optimista, não deixou de dizer, citado pela Lusa na quarta-feira, por ocasião da VIII Reunião de Embaixadores do Ministério das Relações Exteriores, que "há muitos desafios" pela frente para as suas funções em Lisboa.

Carlos Fonseca especificou: "Com certeza que irei fazer o meu melhor para que os resultados sejam melhores ainda. Há muitos desafios".

Presidente João Lourenço escolheu a França para primeira deslocação europeia

Para já, e provavelmente por causa da crise diplomática que agora chega ao fim com Portugal, fica o facto de João Lourenço, depois de ter realizado visitas oficiais à África do Sul, a primeira do seu mandato, esteve na Zâmbia e na Namíbia, o primeiro país onde vai estar com carácter oficial é a França, onde vai iniciar uma deslocação já a 28 de Maio próximo.

Essa visita a França foi confirmada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, no início deste mês, quando esteve em Luanda e foi recebido pelo Presidente João Lourenço, na Cidade Alta, em Luanda.

A partida de João Lourenço para França coincide no tempo histórico com a retoma das actividades da Agência Francesa para o Desenvolvimento em Angola, e com a multinacional petrolífera gaulesa, Total, a ser uma das poucas com investimentos de monta no sector produtivo de crude no país.

É exemplo disso o multimilionário investimento de 3 mil milhões USD feito no projecto Kaombo, no Bloco 32, onde se estima estarem 660 milhões de barris e com potencial de produção diária superior a 230 mil barris, essenciais para contrariar a tendência decrescente da produção nacional, que, como adverte a Agência Internacional de Energia, até 2023 vai passar dos actuais 1,6 milhões para 1,29 milhões de barris por dia.

Para além disso, como recorda a Angop, a carta em que o Presidente francês endereça o convite ao seu homólogo angolano, é proposta uma discussão e análise conjunta aos problemas que afectam a região dos Grandes Lagos, com destaque para a República Democrática do Congo e a República Centro-Africana.

Angola conta ainda com a França para o desígnio que é a diversificação da economia nacional, ainda fortemente dependente das exportações de crude, aproveitando a larga experiência das instituições francesas vocacionadas para a cooperação com África nas áreas da agricultura e agro-indústria.

Apesar de um certo arrefecimento do interesse dos países europeus por Angola, alimentado pela transição política que ocorreu no último ano, onde José Eduardo dos Santos saiu e João Lourenço chegou à Cidade Alta, e pela queda abrupta do valor do petróleo nos mercados internacionais, agora, com a estabilização governativa e com o barril de crude novamente a aproximar-se dos 100 USD, Luanda estã de novo a caminho de se transformar no "el dorado" para as empresas europeias, e, em especial, para as portuguesas.

No entanto, como admitiu ao Novo Jornal Online um empresário português com décadas de presença em Angola, esta crise provocou, ou deverá provocar, uma mudança de postura de Portugal face a Angola, porque o país atravessa "claramente uma nova realidade política e porque as autoridades de Luanda querem, efectivamente, que a cooperação com Portugal se traduza clara mais valia para os seus objectivos mais importantes, como é o caso da libertação da dependência do petróleo".

"Isso significa - no entender deste empresário português - que as empresas, e o próprio Governo português vão ter mesmo de começar a olhar para Angola mais como um local para investir e não para exportar os seus produtos com lucros avultados mas com escassa participação no esforço de diversificação da economia angolana".