Uma "nuvem negra" paira no ar sobre o congresso extraordinário anunciado pelo MPLA, para Dezembro próximo, para balanço dos 50 anos da Independência, cujos temas fracturantes de discussão são ainda um grande "segredo". Um segredo que dificulta uma análise profunda, conforme disse o antigo primeiro-ministro de Angola e secretário-geral do MPLA, Marcolino Moco. "Não tenho opinião nenhuma, porque não sei o que foi discutido. Há especulações, porque tudo indica que houve segredo, não direi segredo de Estado, mas do partido MPLA sobre os aspectos abordados", censura.
O artigo 74°, nº 4, dos estatutos do MPLA, dispõe que o congresso extraordinário só pode ser convocado de modo excepcional para deliberar sobre assuntos urgentes e inadiáveis, como, por exemplo, a eleição de um novo presidente do partido por renúncia deste ou por impedimento de força maior, ou para deliberar sobre assunto constante da agenda de trabalho.
Um dos assuntos inadiáveis, de acordo com interlocutores do NJ, deverá ser o processo de escolha da figura que substituirá o Presidente João Lourenço na liderança do partido e candidato à Presidência República, numa altura em que o tempo para a projecção e afirmação da sua imagem começa a escassear, tendo em vista as eleições de 2027, dado os problemas de governação do seu sucessor.
Para as nossas fontes, o momento é crítico para o MPLA e o seu líder, que enfrentam grandes desafios na governação e da necessidade de darem uma resposta às promessas da campanha eleitoral no contexto de uma grave crise económica e social.
Sobre a eventual escolha do sucessor de João Lourenço, António Venâncio, com quase 50 anos de militância no MPLA e almeja o cadeirão máximo do partido dos "camaradas", alerta que é anti-estatutária a indicação de candidato único ao cargo de presidente do MPLA.
"Não existe candidato do partido quando se trata do cargo para o órgão singular Presidente do partido. Isto se ocorrer, será uma violação grosseira aos estatutos", adverte.
António Venâncio vai mais longe ao afirmar que a direcção do partido não tem competências estatutárias para indicar qualquer candidato que seja, por ser uma prerrogativa individual do militante concorrente depois de apurado pela comissão de candidaturas do partido.
"Os estatutos do MPLA são de feição democrática e estão agora alinhados aos preceitos constitucionais de liberdade e da democracia interna. O MPLA considera que aos candidatos apurados se deverá conceder um tratamento igual para desenvolver as suas campanhas, livremente, nas bases e por todo País de acordo com o artigo 114° dos estatutos", explica.
Embora não se saibam ainda os assuntos que serão submetidos ao congresso, António Venâncio vaticina que o conclave se debruçará sobre a democracia interna do partido, que pela primeira vez poderá ter disputa eleitoral interna inédita com múltiplas candidaturas.
"Acredito que haverá, finalmente, e pela primeira vez na história do nosso partido na pós-independência, múltiplas candidaturas e listas para a disputa do cargo de presidente do MPLA", diz confiante.
Graça Campos afirma que MPLA não tem solução inovadora
Por sua vez, o jornalista Graça Campos entende que o MPLA não tem nenhuma solução inovadora para o País.
Para Graça Campos, o anúncio do congresso visa, somente, retirar o foco sobre o Presidente da República, que na sua óptica, está associado aos escândalos dos autocarros e do muro de vedação do caminho-de-ferro.
"Enquanto a comunicação social se entreter com o congresso, aqueles dois assuntos tendem a ser esquecidos. É somente isso que vejo na convocação do congresso", admite.
Lacónico e irónico, Graça Campos sustenta que o MPLA não é a solução para Angola, mas o principal problema do País.
"Temos que aceitar uma coisa: o MPLA já não é solução para Angola. É o principal problema de Angola", garante.
Enquanto isso, o MPLA colocou já em marcha, visando o congresso extraordinário e ordinário, em todo o País, o processo de assembleias de balanço e renovação de mandatos, que diz ter um significado estratégico e profundo, porque vai servir para partilhar as principais acções e linhas orientadoras que conduzirão o partido a vencer os desafios político-eleitorais.
Moco diz que é cultura no MPLA sacrificar os porta - vozes
O antigo secretário-geral do MPLA, Marcolino Moco, diz ser cultura naquele partido "sacrificar" e "banalizar" os seus porta-vozes.
Conta que, em 2009, o então secretário do Bureau Político para a Informação e Propaganda do MPLA, Norberto dos Santos (Kwata-Kanawa), vivenciou situação semelhante a do actual porta - voz, Esteves Hilário, ao comunicar, na altura, que nunca haveria uma Constituição que alterasse o modelo de eleição do Presidente da República.
Volvidos alguns dias, recorda Marcolino Moco, Kwata-Kanawa foi contrariado pelo antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que numa visita a Portugal anunciara a eleição do Presidente da República à "boleia" de cabeça-de-lista de partidos políticos, colocando, assim, fim a eleição separada do PR e dos deputados à Assembleia Nacional.
"Por pouco, Norberto dos Santos não perdeu a cabeça", confidencia, acrescentando que "é tradição no MPLA seguir-se certo ou errado tudo o que o Presidente diz".
"Acho que é uma tradição que vem de Agostinho Neto, desde 1962, quando foi alcandorada a presidência do MPLA pelos Pintos de Andrade, Viriato da Cruz, etc", recorda.
Marcolino Moco que se mostrou "muito preocupado" com a postura de como o MPLA trata os seus porta-vozes, espera que Esteves Hilário não tenha o mesmo fim que o seu antecessor Rui Falcão Pinto de Andrade.
"Não sei se vai, também, acabar por acontecer o mesmo que aconteceu com Rui Falcão, afastado por ter esgrimido a tese correcta de que não haveria um terceiro mandato para João Lourenço", refere.
Para Marcolino Moco, a forma como os porta-vozes são "desmentidos" denota a existência de uma estrutura paralela à direcção do MPLA, nomeadamente o Bureau Político e Comité Central.
Segundo o também académico, é esta estrutura que toma as decisões, alegadamente, atribuídas à direcção do MPLA.
No mesmo diapasão alinha José Gama. O jornalista entende que o "dito pelo não dito" de Esteves Hilário, 20 dias depois de ter assegurado que não constava da agenda do MPLA a realização, este ano, de um congresso extraordinário, é revelador que líder dos "camaradas tem uma estrutura restrita paralela e à margem do BP do MPLA que toma decisões por este organismo partidário.
"O Presidente José Eduardo dos Santos também operava assim, chegava às reuniões do BP com posições já acertadas, mas que eram validadas em nome do partido. Esteves Hilário está no MPLA, mas não dentro da estratégia do líder do MPLA", afirma.

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