Na última cimeira da NATO, na Lituânia, o Ocidente reafirmou o seu apoio à Ucrânia, mas não se deu a entrada deste país na organização. Era expectável que assim acontecesse?
A cimeira da NATO em Vilnius, que decorreu nos dias 11 e 12 de Julho, despertou elevadas expectativas, tendo dado lugar a especulações sobre a abertura das portas da organização à Ucrânia. Tendo em conta o esforço que esse país tem vindo a realizar durante quase 17 meses de conflito com a Federação Russa, as autoridades ucranianas não se pouparam em declarações sobre o legítimo anseio de que, pelo menos, seria anunciado na cimeira o compromisso da Aliança Atlântica em receber a Ucrânia no seu seio, com a consequente abertura do processo de adesão. No mínimo, seria expectável que a declaração final da cimeira desse uma indicação sobre a data em que a Ucrânia passasse a ser membro de pleno direito da NATO, até porque, segundo declarações do próprio Presidente Zelensky, os ucranianos estão a combater pelo Ocidente.
A declaração do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, de que "o convite para a Ucrânia aderir à NATO será enviado quando os aliados concordarem e estiverem reunidas as condições", foi recebida com desagrado por Zelensky, tendo-o expressado num Tweet em que exigiu respeito pelo seu país. As imagens registadas nos eventos sociais que acompanham a cimeira mostram um Presidente da Ucrânia agastado e isolado entre os líderes dos 31 países-membros da Aliança Atlântica que participaram no evento e da Suécia que parece ter visto ultrapassados os constrangimentos colocados pela Turquia.
É pertinente colocar-se a questão se existe algum fundamento para a desilusão ucraniana e se o cenário que foi desenhado ao longo dos últimos meses não apontava noutro sentido. Quais as circunstâncias que levaram os países do ocidente alargado, liderados pelos EUA, a manter a ambiguidade sobre o assunto, passando a ideia de que estava ao alcance da Ucrânia derrotar o exército da Federação Russa, para agora o Presidente Biden vir finalmente assumir o óbvio - que neste momento a entrada daquele país na NATO implicaria automaticamente a activação do Art.º 5º, colocando-a em conflito com a Federação Russa.
A verificar-se este cenário, a questão que, de imediato, se coloca é quantos países da NATO estariam disponíveis para mandar soldados combater e morrer pela Ucrânia. Existe a percepção de que a serem muitos ou alguns a negarem-se implicaria a descredibilização da NATO e, consequentemente, o fim da sua relevância como aliança militar.
A ambiguidade gerada em torno deste assunto não será inocente, sendo decorrente da expectativa gerada em torno da contra-ofensiva ucraniana da Primavera, com o objectivo declarado de quebrar a contiguidade territorial entre a Península da Crimeia e o Donbass e, na melhor das hipóteses, chegar ao mar de Azov e à própria Crimeia. O falhanço da acção militar ucraniana tem consequências nos planos estratégico e político, sendo a questão da adesão à NATO um efeito emergente dessa realidade.
A resposta da Federação Russa à contra-ofensiva ucraniana contrariou a convicção por parte de ucranianos e ocidentais de que se iriam repetir as circunstâncias da ofensiva do Verão do 2022, que levaram à saída precipitada dos russos do Oblast de Kharkiv e da posterior retirada de Kerson. A percepção errada de que a ofensiva ucraniana seria capaz de impor a paralisia das chefias políticas e militares russas e espalhar o pânico nas suas tropas, causando uma debandada do exército russo, demonstra não só uma incorrecta avaliação das circunstâncias da manobra militar em 2022 como, ainda mais grave, a incapacidade de compreender as alterações, entretanto, realizadas pelos russos nas suas forças e capacidades.
Zelensky chegou ao encontro pressionando o Ocidente para a entrada da Ucrânia na organização e não foi bem-sucedido. Saiu da cimeira com uma mão cheia de nada?
Zelensky tem, certamente, a percepção do esforço exigido à Ucrânia para a concretização de um objectivo em que foi induzido a acreditar, com a promessa de que o Ocidente se mobilizaria em seu apoio "durante o tempo que for necessário". Todos os líderes da constelação de países mobilizados pelos EUA têm repetido essa garantia até à exaustão.
A entrada da Ucrânia na NATO apresentava-se, assim, para a liderança política ucraniana não só como um legítimo anseio, mas também como uma garantia de que o apoio prometido não era apenas promessa. No mínimo, seria expectável que a Ucrânia recebesse garantias de adesão mais concretas do que as plasmadas na declaração da cimeira de Bucareste de 2008, em que esse país e a Geórgia foram convidados a integrar a Aliança Atlântica.
Zelensky regressou, efectivamente, a Kiev sem quaisquer resultados objectivos, saldando-se a cimeira e Vilnius numa imensa frustração para a Ucrânia. Não só não recebeu qualquer garantia de segurança como, inclusive, a indignação que expressou foi objecto de manifestações de desagrado por parte dos seus pares ocidentais que o criticaram por não demonstrar gratidão suficiente.
Talvez Zelensky não tenha ainda percebido que o conflito no qual ele é apenas responsável por uma linha de operação - a dimensão militar do conflito, não está a decorrer bem neste campo, estando a contra-ofensiva ucraniana muito aquém das expectativas. Mas não está, igualmente, a correr nada bem noutras dimensões do conflito, nomeadamente no plano económico com o fracasso das sanções ocidentais impostas à Federação Russa e no plano político-diplomático com a incapacidade de isolamento desse país, que tem visto alargada a sua influência nos vários quadrantes de uma mova ordem internacional multipolar, nomeadamente em África, na Ásia e na América Latina.
Parece que, de uma vez por todas, o Ocidente alargado compreendeu que a Ucrânia é uma questão vital para a Rússia, pela qual os russos estão dispostos a lutar e a morrer. Em contrapartida, os interesses dos EUA e da sua constelação de aliados não são da mesma índole, pelo que Zelensky não obteve nem a entrada para a NATO, nem tão pouco garantias de segurança por parte dos países do G7 que se reuniram no dia 12 de Julho. Apenas promessas de mais material militar para que esta guerra possa continuar até ao último ucraniano.
Mas a cimeira trouxe um facto novo: a entrada da Suécia na NATO. De que forma poderá esta entrada alterar o actual cenário geopolítico e estratégico na região? Como é que Moscovo irá reagir num cenário em que grande parte do Mar Báltico passa a estar com a NATO?
Ao contrário do que é frequentemente referido nos areópagos ocidentais, a Suécia não faz grande diferença no balanço geoestratégico do continente europeu. Tem forças armadas pouco relevantes, com uns escassos 14.600 militares, sendo o efectivo do exército de 6.850 militares, dos quais uma parte é composta por pessoal em serviço militar obrigatório de quatro meses.
O país não tem fronteiras com a Federação Russa e a sua posição geográfica não traz para a NATO nenhuma vantagem que a Dinamarca e a Noruega não assegurem já. Trata-se de um país da União Europeia, perfeitamente entrosado na política e estratégia ocidentais, sendo um aliado de longa data dos EUA, com o qual mantém uma estreita cooperação nos planos da segurança e no campo da Intelligence. Acresce que não é membro da NATO de jure embora de facto já tenha uma relação com a Aliança Atlântica desde há algum tempo a esta parte.
Tal como o seu vizinho a Leste (a Finlândia), a Suécia entendeu abandonar a política de neutralidade que tantos benefícios lhe trouxe no ecossistema de segurança da ONU, onde os dois países granjearam de um protagonismo muito acima da sua relevância em termos militares e estratégicos.
Também não é um país inserido na designada doutrina Primakov sobre os objectivos da política externa da Federação Russa, que estabelece o espaço da antiga União Soviética como a área geográfica de interesse estratégico permanente.
A Turquia de Erdogan facilitou a entrada da Suécia na NATO em troca da sua entrada na União Europeia. Como é que olha para esta posição do Governo turco? A União Europeia está preparada para acolher a Turquia de Erdogan?
A Turquia de Erdogan está numa encruzilhada, sendo constrangida a posicionar-se numa ordem internacional em acelerada mudança. É patente que o nível de ambição do país é superior à sua capacidade estratégica. A Turquia detém o controlo dos estreitos de acesso ao Mar Negro, tem uma posição estratégica importante na confluência entre os continentes europeu e asiático. Durante séculos, influenciou os acontecimentos no espaço geográfico que vai dos Balcãs à Ásia Central e ao Médio Oriente.
Debate-se, presentemente, com uma situação económica difícil, tendo sido, recentemente, flagelada por um terramoto que devastou vastas áreas do país, a par com a instabilidade nas fronteiras Sul e Leste, decorrente da insurgência que o levou a intervir militarmente no Norte da Síria e do Iraque. Mantém uma relação difícil com outro membro da NATO - a Grécia, relativamente a questões de fronteiras, a que acresce a cumplicidade na questão do Chipre que se arrasta desde 1974.
Erdogan debate-se com a necessidade de manter um jogo de equilíbrios entre a NATO de que o país é membro e a Rússia de quem procura recolher dividendos, nomeadamente para manter uma postura de proximidade a organizações como os BRICS e à Organização de Cooperação de Xangai, que são o embrião da nova ordem internacional multipolar e policêntrica.
Erdogan é um negociador exímio e pragmático, procurando capitalizar vantagens com a questão da Suécia, elevando a fasquia nas exigências para a aprovação da adesão deste país à NATO. Desde a questão do desbloqueamento do fornecimento dos aviões F-16 pelos EUA, ao alegado apoio desse país para um empréstimo de 11 biliões de dólares pelo FMI, até às exigências para com a União Europeia que vão de um acordo aduaneiro à liberalização dos vistos de entrada, até ao retomar do processo de adesão da Turquia à UE, representam exigências que são tudo menos modestas.
A adesão da Turquia à União Europeia é um dossier que se arrasta há décadas e que parecia estar votado ao esquecimento, tendo sido agora ressuscitado por Erdogan. Perspectiva-se que possa vir a constituir um irritante com impacto na coesão da UE, suscitando legítimas dúvidas sobre a sua viabilidade, tanto em virtude das reservas que gregos e cipriotas irão, certamente, colocar, como pelo impacto que um país de mais de 80 milhões de habitantes poderia ter no equilíbrio de poderes da União. Caso venha a concretizar-se, atestará a impressão de que o caminho mais seguro para entrar na União Europeia passa por Washington.
Esta decisão de Erdogan já está a ter consequências. Putin já anunciou a retirada da Rússia do acordo dos cereais. Que cenários teremos no futuro?
A retirada da Federação Russa do acordo dos cereais prende-se, essencialmente, com o facto de as contrapartidas que foram dadas a esse país, aquando da assinatura do acordo, nomeadamente no que concerne à exportação dos fertilizantes e de cerais russos e à garantia de acesso de bancos russos ao mecanismo de transacções internacionais SWIFT, não terem sido acauteladas pelo ocidente, mercê dos diversos pacotes de sanções que foram sendo implementados e que não tomaram em consideração este acordo.
Por outro lado, os russos acusam a parte ucraniana de utilizar o corredor de navegação implementado pelo acordo para lançarem ataques contra a Crimeia e mesmo a utilização de navios para fazer chegar material militar à Ucrânia. A destruição por parte do Exército Ucraniano de troços do pipeline que transporta fertilizantes e o recente ataque à ponte de Kerch, que liga a Rússia continental à província da Crimeia, precisamente na data em que expirou o acordo, parecem atestar que o assunto também não estará nas primeiras prioridades das autoridades ucranianas.
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