Na Cimeira sobre o Terrorismo e as Mudanças Inconstitucionais de Governo em África, onde discursou perante dezenas de chefes de Estado, João Lourenço apelou, antes de regressar a Angola, a "um consenso claro e objectivo", sem "ambiguidades e hesitações na hora de agir", depois de mostrar preocupação com o crescimento do terrorismo em África, "que passou de um fenómeno com pouca expressão e localizado, há umas décadas", para um problema que se vem expandindo por quase todas as regiões do continente, "e com níveis de violência crescentes".
Pediu igualmente "firmeza e nenhum tipo de vacilação, não só na condenação, mas também na tomada de medidas que desencorajem e inviabilizem o funcionamento de Governos que se constituíram com recurso à força militar".
Comportamentos e actos que se enquadram, disse João Lourenço, "na definição de terrorismo e golpe de Estado", e "que vêm ocorrendo com inadmissível frequência perante alguma passividade, indiferença e inacção dos organismos regionais e continental".
O Presidente angolano insistiu na necessidade de evitar "ambiguidades e hesitações na hora de agir, que afectam em muitos casos a coesão e a firmeza necessárias, ao combate e neutralização destes flagelos".
"É importante que coloquemos uma atenção muito particular sobre essa questão de mudanças anti-constitucionais de Governos em África, para que perante a indiferença, o silêncio e a passividade, esses acontecimentos não adquiram um carácter de normalidade que podem contagiar, estimular e generalizar esta prática no nosso continente", afirmou.
Para João Lourenço, é também necessário cuidar mais eficientemente do controlo das fronteiras, para evitar a circulação e movimentação dos grupos extremistas e reflectir sobre as razões internas "que, em muitos casos, levam ao desencadeamento do terrorismo, da instabilidade, da insegurança e da desorientação das populações que se tornam vulneráveis e aceitam facilmente mensagens e ideias que são, no fundo, contrárias aos seus próprios interesses", destacou.
Neste âmbito, "é importante que as organizações regionais competentes e a União Africana se reúnam de emergência e tomem medidas extraordinárias que obriguem ao regresso imediato da ordem constitucional no país em causa", quando sucedem situações desta natureza.
No seu discurso, os grandes problemas de África, que continuam a ser a fome, a miséria, a pobreza, as doenças endémicas, o desemprego, a falta de infra-estruturas, a fraca electrificação e industrialização, a falta de auto-estradas e caminhos-de-ferro..., que resultam no fraco desenvolvimento económico e social de cada um dos países do continente... estiveram também presentes, defendendo João Lourenço que é preciso garantir a paz e segurança para encontrar soluções duradouras para ultrapassar estas dificuldades.
Mas João Lourenço não esqueceu, no seu discurso, o que se está a passar na Europa, usando a guerra da Ucrânia para defender uma estratégia de defesa comum própria em matéria de segurança, sem prejuízo da cooperação internacional face ao exemplo que vem do actual conflito que confirmou também "as profundas desigualdades no tratamento dos países e povos perante guerras, pandemias e calamidades naturais".
"Veio tornar mais visível a forma discriminatória como se tratam os refugiados e deslocados dos vários conflitos armados no planeta, muitos deles em curso no nosso continente e no Médio Oriente", afirmou, acrescentando que esta situação "injusta e vergonhosa" levanta mais uma vez a necessidade da reformulação do Conselho de Segurança das Nações Unidas que não se circunscreva apenas às grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, mas que contemple a entrada de países representantes de África, da América Latina e da península hindu, como membros permanentes com a plenitude de poderes.
África foi palco em 2021 e 2022 de cinco golpes de Estado - dois no Mali e um na Guiné-Conacri, Sudão e Burkina Faso -, e uma tentativa de golpe fracassada na Guiné-Bissau.
Durante a cimeira, o Conselho de Paz e Segurança da UA apresentará propostas de políticas baseadas na sua deliberação de 19 de maio sobre as causas que contribuíram para a frequência de golpes no continente.
Este órgão da UA irá também propor a supervisão civil obrigatória das Forças Armadas e a necessidade de descrever as circunstâncias em que os exércitos são destacados para gerir os desafios de segurança interna.
No final da Cimeira, que aconteceu de 25 a 28 de Maio, de acordo com a declaração final, os chefes de Estado reforçaram a condenação de todas as manifestações de terrorismo e o extremismo violento no continente, comprometendo-se a preservar a indivisibilidade dos Estados, dentro do espírito da solução da segurança africana.
Comprometeram-se, igualmente, a impulsionar a implementação de todos os instrumentos e decisões pertinentes da UA, em particular a Convenção de 1999 sobre a Prevenção e a Declaração Solene do 50º Aniversário da OUA/UA, bem como a plena operatividade da Força Africana, sem mais demora, e melhorar a coordenação sobre a sua utilização e acelerar a finalização do Memorando de Entendimento entre a UA e os órgãos de segurança.
A União Africana reafirmou, igualmente, a retirada imediata, incondicional e total dos combatentes terroristas estrangeiros e mercenários do continente, além de apelar à Comissão para acelerar a conclusão da revisão da Convenção da Organização de Unidade Africana (OUA) sobre os Mercenários.
Entre outras medidas, a União Africana manifestou-se contra a interferência estrangeira nos assuntos internos do continente, exigindo o fim do apoio a grupos terroristas, tendo reafirmado um financiamento adequado, sustentável dos esforços na luta contra este mal e a colocação imediata do Fundo Especial da UA para a Prevenção e Luta Contra o Terrorismo e Extremismo Violento, conforme a decisão da Assembleia de Julho de 2016 sobre o Estabelecimento deste mecanismo de suporte.
Os chefes de Estado reunidos na Guiné Equatorial pediram a solidariedade das Nações Unidas, em particular o Conselho de Segurança, para que se utilizem as contribuições para as Operações de Apoio à Paz, com mandato da União Africana, para fortalecer os esforços de luta contra o terrorismo e melhorar a estabilização em África, assim como o fortalecimento dos mecanismos nacionais, regionais e continentais, bem como a interconexão entre os órgãos de segurança, com o propósito de facilitar a consolidação da boa governação, sobretudo o constitucionalismo e o Estado de Direito, através de um compromisso multinível.
Por último, o documento final estabelece o 31 de Janeiro como o "Dia de África para a Paz e a Reconciliação", com vista a fomentar a construção da paz e coesão social a nível nacional, regional e continental.
Tigray, Somália e Quénia, Burkina Faso, Mali, Burundi, Região do Sahel, Golfo da Guiné, Cabo Delgado e RDC fazem parte das preocupações do continente africano que estiveram em debate nesta cimeira marcada por iniciativa de João Lourenço.
Angola tem desempenhado um papel relevante na mediação de conflitos e na facilitação de entendimentos, não só na Região dos Grandes Lagos, onde detém a presidência da Conferência, como também no Golfo da Guiné, e o papel de João Lourenço é agora "premiado com este título de "Campeão para a Paz e Reconciliação em África".
O primeiro mandato de João Lourenço, nesta matéria, ficou ainda marcado pelo seu empenho claro na resolução da crise no Lesoto, em 2018, com o envio de uma força militar que se revelou decisiva no fim da crise político-militar deste pequeno Estado austral, ou ainda na assinatura em Luanda de um memorando de entendimento que juntou os Presidente do Ruanda, Paul Kagame, e do Uganda, Yoweri Musevini, em 2019, que permitiu que estes dois países dos Grandes Lagos restabelecessem os contactos diplomáticos e serenassem as hostilidades fronteiriças de longos anos.
Com este curriculum, o "mapa" da acção pacificadora de João Lourenço abrange da África Austral à África Central, com os seus planos a alargarem-se agora ao oriente e ao norte do continente... Mas isso dependerá do resultado das eleições gerais em Angola previstas para o próximo mês de Agosto.