Se João Lourenço, e a máquina que montou a estratégia para este mês de intensa campanha eleitoral do MPLA, não teve dúvidas em vincar a importância que o antigo Presidente José Eduardo dos Santos teve para o País, como que alicerçando a capacidade de fazer mais no futuro num passado sólido e assente na memória do "arquitecto da paz", Adalberto Costa Júnior, como se esperava, apostou na construção da ideia de que Angola vive "a hora da mudança" e procurou dar um golpe duro no seu adversário ao desafiá-lo para um debate que sabe que nunca se irá realizar, perguntando: "de que tem medo, senhor Presidente?".

Numa campanha eleitoral que começou de forma atípica, com dois grandes comícios dos dois maiores partidos nacionais, o MPLA, em Luanda, e a UNITA, em Benguela, um dia antes do seu arranque oficial, foi João Lourenço que, ainda na manhã de Sábado, subiu ao palco para, num longo discurso onde passou em revista os feitos da sua governação, apostou forte, logo nas primeiras palavras, no "trunfo" incontornável que é a memória de José Eduardo dos Santos, falecido a 08 de Julho, praticamente cinco anos depois de deixar a liderança do País que governou durante 37 anos, defendendo que a melhor forma de o homenagear é com uma vitória a 24 de Agosto.

O presidente do MPLA e cabeça de lista do partido que governa Angola desde 1975, candidato a um segundo e último mandato, como determina a Constituição, não poupou elogios ao seu antecessor, considerando que a ele se deve a construção da paz, o alicerce para assentar o desenvolvimento do País e, por isso, pediu que se lhe conceda a melhor homenagem, que é uma vitória do "seu" MPLA porque "a maior alegria dele será `ver" o seu MPLA a ganhar as 5ºs eleições gerais em Angola".

"A vida continua e essa será a melhor forma de honrar a memória do Presidente José Eduardo dos Santos", atirou João Lourenço, obtendo forte aplauso dos milhares de pessoas que assistiam ao seu discurso, como que procurando com o ruído das palmas obliterar a polémica que envolve o Presidente da República e uma parte da família dos Santos em torno da organização do seu funeral de Estado e do transporte do corpo para Luanda desde Barcelona, onde faleceu, de acordo com as primeiras informações oficiais, sem suspeita de crime, mas cujas circunstâncias ainda estão a ser apuradas na justiça espanhola a pedido dos filhos

Se no comício de Sábado, que levou largas dezenas de milhares de apoiantes de João Lourenço ao município da Camama, em Luanda, o candidato do MPLA passou em revista os feitos do seu mandato que agora termina, no tempo de antena, este Domingo, o líder do único partido que conhece o sabor do poder político em Angola aproveitou, depois de insistir na glorificação dos feitos do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, com imagens históricas ao som de "Nzumbi dia papa", de Carlos Burity, para acrescentar que não foi feito tudo o que era possível fazer porque foram muitos os entraves inesperados, desde logo a pandemia da Covid-19, que se impos "quase durante metade do mandato".

Mas nos próximos cinco anos esses constrangimentos não vão ocorrer e "vai ser possível fazer muito mais", disse João Lourenço, num tempo de antena onde se nota claramente a mão de uma equipa de profissionais da comunicação política, com frases simples mas eficazes sobre os principais sectores, desde a saúde à educação, passando pelo flagelo da seca no sul do País e, entre outros, pela habitação.

Insistiu na ideia de que o MPLA e a sua candidatura não se vão desviar um milímetro da ideia de que "ninguém vai ser deixado para trás", porque a "missão permanece a mesma: criar oportunidades para todos" durante o próximo mandato de cinco anos.

ACJ, o homem tranquilo...

Do lado da UNITA, que também escolheu o Sábado, mas da parte da tarde, para fazer o seu comício de arranque da campanha eleitoral, em Benguela, no púlpito apareceu um Adalberto Costa Júnior menos efusivo no discurso, procurando dar uma imagem de maior serenidade, o que viria a confirmar-se de forma clara e inequívoca no tempo de antena deste Domingo, onde, longe do seu estilo desafiador do passado, se apresenta como "um homem com uma missão" que sabe que "a hora é agora" para cumprir a democracia em Angola com a alternância no poder ao fim de 47 anos de independência.

E neste tom de voz trabalhado claramente pela sua máquina de campanha, onde, tal como no MPLA, é perceptível a aposta numa comunicação política elaborada por profissionais, Adalberto Costa Júnior desfraldou aquilo que parece ser um trunfo de campanha que vai ter continuidade nos próximos comícios, a ideia de que é a UNITA que vai, "finalmente", cumprir o "sonho que os país da Nação", que nomeou de seguida com maior efusividade, Jonas Savimbi, Agostinho Neto e Holden Roberto, tinham para Angola e não puderam cumprir.

Com esta retórica de união assente na memória dos lideres dos movimentos que lutaram pela independência, Costa Júnior procura abrir caminho para aquele que é o seu "Ás" de trunfo, que foi a criação da Frente Patriótica Unida (FPU), cuja tradução mais palpável e o encaixar nas listas da UNITA de Abel Chivukuvuku, antigo dirigente do "Galo Negro", ex-líder da CASA-CE e promotor do projecto PRA-JA Servir Angola, que é candidato a vice-Presidente, e ainda o Bloco Democrático, com os seus dirigentes a integrar igualmente as candidaturas do segundo partido actualmente com mais deputados na Assembleia Nacional.

O "soundtrack" deste tempo de antena e do comício, o que se adivinha que venha a ser uma presença permanente, é de Bonga, onde o músico canta as qualidades do líder da UNITA para "mudar" e dar lugar à alternância, criticando o MPLA, o músico pede ao povo que "abra o olho" porque esse novo tempo "está a chegar"

Mas o momento transformador da imagem de Costa Júnior, que começou a desenhar-se logo nas intervenções políticas de campanha no Sábado, só foi totalmente percepcionado no Domingo, com o primeiro tempo de antena da UNITA, onde o seu candidato à Presidência da República aparece no papel de um homem com uma missão, preparando-se em casa para a ir cumprir, abotoando a camisa, enquanto, na voz off, o próprio se apresenta como a cara da "hora da mudança".

Mudança que diz ser para todos, insistindo particularmente nos jovens que precisam de mais e melhores oportunidades, sabendo que é nesta camada da população angolana que reside a sua força e onde é mais popular, e que é igualmente a larga maioria dos eleitores num País que tem uma idade média dos seus habitantes bastante inferior a 20 anos.

Foi igualmente para essa camada da população que foi desenhado o segundo momento do tempo de antena, onde Adalberto Costa Júnior lança o desafio a João Lourenço para um debate televisivo - que não está previsto - onde deverão ser discutidos os problemas do País e as soluções preconizadas por um e por outro.

A maka dos "media" públicos

O comício do MPLA e de João Lourenço, na manhã de Sábado, foi transmitido em directo pela TPA e TPA1 e pela TV Zimbo, o da UNITA e de Adalberto da Costa Júnior, não foi transmitido em directo e apenas mereceu breves minutos nos noticiários dos maiores canais de televisão do País.

Nas redes sociais explodiram críticas a esta continuação da opção editorial destes canais em privilegiar o MPLA em detrimento dos restantes partidos, violando claramente a Constituição.

Reginaldo Silva, jornalista e membro da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), foi, entre aqueles com cargos de responsabilidade ligados aos media e à regulação da sua actividade, que mais optou por se posicionar nas redes sociais, criticando a discrepância do tempo dedicado pelos órgãos de comunicação social públicos aos distintos partidos e candidaturas.

E, num texto especialmente crítico, lamentou que a ERCA se mostre alheada da análise deste problema.

"A minha grande preocupação, enquanto membro da ERCA, tem a ver com o facto desta Entidade não ter até esta altura qualquer plano de trabalho para fazer o acompanhamento deste período altamente sensível do processo eleitoral que se avizinha e que em grande parte vai passar pelos médias e pelo próprio trabalho dos Jornalistas", escreveu Reginaldo Silva na sua página do Facebook.

O jornalista acrescentou ainda que "a ERCA tem por força da lei a obrigação de realizar uma reunião plenária semanal do seu Conselho Directivo, que é a única instância que tem competência para tomar decisões em nome da organização", explicando que o órgão regulador do sector está neste momento "paralisada por decisão estratégica do seu Presidente que é o único membro da ERCA que tem a competência de convocar as reuniões plenárias do seu "board"."

Além dos tempos de cobertura noticiosa dedicados às distintas candidaturas, o jornalista e membro da ERCA criticou ainda a estratégia dos media públicos para os espaços de comentário político, onde não encontra equilíbrio nem respeito pelo princípio do contraditório.