Nas primeiras duas semanas de campanha, com as máquinas partidárias a aquecer os motores e a estudar os adversários, pouco ou nada de relevante saiu de cima dos palcos ou mesmo de trás dos panos, mas assim que a terceira semana entrou em cena, o candidato da UNITA, Adalberto Costa Júnior, subiu o volume para relançar a acusação de fraude eleitoral em preparação pelas estruturas do Estado "controladas pelo MPLA", insistindo com redobrado vigor na questão dos cadernos eleitorais por publicar, dos mortos que neles habitam há anos, na alegada manipulação de dados em preparação, sempre com o dedo apontado à empresa espanhola que vai lidar com a sua recepção, a INDRA... sem esquecer a parcial cobertura mediática dos media do Estado ou sob tutela do Estado.
Estava a terceira semana de campanha a começar quando o líder do partido do "Galo Negro", no dia 06 de Agosto, aproveitando a passeata organizada em Luanda pela sua campanha, atirou com estrondo o tema dos erros "estratégicos" da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) que visam levar o MPLA ao colo até à vitória, exigindo, com urgência, a correcção dos erros cometidos até agora para que o processo eleitoral seja "credível e transparente".
Adalberto Costa Júnior, depois de insistir que as eleições gerais de 24 de Agosto estão a decorrer com fortes discrepâncias de oportunidades entre os distintos concorrentes, com vantagem para o MPLA, nomeadamente no acesso aos meios de comunicação social do Estado, voltou a insistir na questão dos Cadernos Eleitorais, exigindo à CNE que os divulgue rapidamente, porque se não o fizer, "isso é (a prova da) fraude" em curso.
À acusação de "fraude", João Lourenço responde com o trunfo do alegado financiamento da campanha da UNITA pelo "marimbondos", que é como quem diz, os filhos do antigo Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, Isabel, Tchizé e Filomeno dos Santos, que mais tarde no fio dos acontecimentos desta contenda eleitoral que tende a sobreaquecer à medida que o tempo passa, teria uma resposta de Adalberto Costa Júnior.
E o candidato do MPLA não foi meigo no esgrimir deste "trunfo" de campanha, questionando mesmo como é que "aqueles que dizem que nada se fez no País para combater a corrupção se vão aliar aos marimbondos, a quem fugiu de Angola depois de esvaziar os cofres do Estado", usando o velho truque da comunicação política mais agressiva de insinuar, de forma a que todos percebam, mas sem mencionar o nome dos alvos da insinuação, claramente a UNITA e o seu candidato, para não lhes dar palco, deixando-os apenas com os "ferimentos" do combate sem despojos da batalha.
A ironia política dos "mortos-vivos"
Naturalmente que, face à acusação por parte do seu rival, Adalberto Costa Júnior não tardou a responder, negando de forma resoluta qualquer apoio financeiro dos "marimbondos", sublinhando mesmo que a UNITA está a realizar a sua campanha no limite das suas capacidades financeiras e muito aquém do montante necessário para poder, também nesse capítulo, olhar o MPLA olhos nos olhos.
O líder da UNITA reafirmou que o seu partido não tem dinheiro e o pouco que tem e o que recebeu do Estado foi totalmente empregue na "mobilização e na defesa do voto dos angolanos nas urnas".
Mas não deixou que o tema saísse de cena sem colar outra etiqueta a João Lourenço: as suas "lágrimas de crocodilo" a propósito da morte de José Eduardo dos Santos, que, curiosamente, a campanha do MPLA enfatizou nos primeiros dias, recordando os feitos do "arquitecto da paz" mas que, depois, foi deixando sair do palco.
"Nós avisámos o actual Presidente para não perseguir o seu antecessor e outros colaboradores. Hoje, o outro morreu e notamos lagrimas de crocodilo. Nós não somos hipócritas", acrescentou, apontando notas de desentendimento no seio do MPLA a este propósito.
Mas João Lourenço também tinha de lidar com uma acusação grave que lhe foi feita por Costa Júnior, que é o tema recorrente e pesado da alegada existência de milhares de mortos a habitar os cadernos eleitorais, um tema incómodo até porque as redes sociais, ainda decorria a segunda semana da campanha, encheram-se de imagens, publicadas por familiares de cidadãos que já morreram há vários anos e mantêm a sua "capacidade" de voto.
O candidato à Presidência da República pelo MPLA optou pela ironia política para ver se se livra deste melindroso tema, perguntando aos milhares de apoiantes que o escutavam no Lubango, Huíla, este Sábado, 13, se essa presença de falecidos nos cadernos pode levar à fraude quando o acto de votar ocorre na presença de delegados de listas indicados pelos partidos políticos concorrentes.
Mas já tinha tratado deste assunto de outra forma, ironizando: "Como é que alguém pode estar com medo que os mostos se levantem dos cemitérios para irem votar?", respondendo o próprio com um pedido aos seus adversários para se acalmarem porque "os mortos não vão ressuscitar no dia 24!".
Aproveitando esta maré, Lourenço lembrou que a campanha está a correr bem, sem episódios de violência sérios, com uma tranquilidade democrática num país cada vez mais habituado à democracia, o que serviu de mote para apelar a que assim continue até ao anúncio dos resultados, que quer que sejam aceites por todos porque é isso que impõe o Estado Democrático e de Direito que vigora em Angola
Não fora a questão do multiculturalismo introduzida por Adalberto também neste Sábado, 13, e os temas preponderantes desta campanha, fora o circo das promessas eleitorais, que são o conduto da luta eleitoral, seriam os "mortos" que a UNITA diz que habitam nos cadernos eleitorais para acabarem como votos no MPLA, e os "marimbondos" que passaram a "viver" com a UNITA, segundo aponta o MPLA, para garantir que o "Galo Negro" voa mais alto que aquilo quer lhe permitiriam as suas asas sem esse impulso extra.
Sobre o multiculturalismo, Adalberto Costa Júnior opõe-no à "ficção" criada pelo MPLA de "um só povo, uma só Nação", defendendo que em Angola existem muitos povos e muitas culturas, tendo escolhido a Lunda Sul, na cidade de Saurimo, para o afirmar, o que explica com o facto de existirem "os limites geográficos" definidos mas não estão definidas as certezas de que "exista uma Nação angolana de todos".
"Nós não somos um só povo. Esta pode vir a ser uma Nação, mas que tem no seu seio muitas outras nações e povos, com as suas culturas, com a sua riqueza, com a sua tradição, com a sua história, que deve ser valorizada", afirmou Adalberto Costa Júnior (ACJ), para depois especificar a riqueza do povo do Nordeste de Angola e da cultura e tradições tchokwe.
Dificilmente esta afirmação, que é um tema pouco aproveitado nas campanhas eleitorais, pode ser dissociada da história dos principais partidos que estiveram na linha da frente do combate contra o colonialismo, onde a UNITA tinha, claramente, uma maior implantação entre o povo Ovimbundo, cuja geografia de origem se expande mais no sudeste de Angola, enquanto o MPLA sobressaía de forma mais enfática entre o povo Quimbundo, mais a oeste. Procura Costa Júnior atrair a consciência étnica para o voto no partido do "Galo Negro"? É uma possibilidade, mas não parece ter muito caminho para andar porque circunscreveria os limites do crescimento do seu partido.
As autárquicas... e os media do MPLA
Há um tema que parece enlaçar os dois gigantes da política angolana, a realização das eleições autárquicas em 2023.
Se nos últimos cinco anos a questão do poder local esteve no centro do combate político parlamentar, tendo mesmo sido um dos temas de maior ênfase política, com o MPLA, claramente a protelar um desfecho para o primeiro mandato de João Lourenço, considerando que contou com uma maioria qualificada na Assembleia Nacional e não precisaria, por isso, dos votos da oposição para aprovar a derradeira lei, das oito que compõem o pacote legislativo autárquico, para os primeiros 12 meses do mandato que sair das eleições de 24 de Agosto, tanto MPLA como a UNITA comprometem-se a realizar as eleições locais.
Um dos temas preferidos da UNITA quando o assunto é atacar politicamente os governos do MPLA é a forma como os meios de comunicação social, os do Estado - TPA, RNA Jornal de Angola e Angop - ou aqueles que estão na esfera do Estado depois de recuperados enquanto activos adquiridos com verbas estatais de forma ilegal, como a TV Zimbo, a Rádio Mais ou o jornal O País, se posicionam de forma parcial a favor do partido que governa desde 1975.
Alias, Costa Júnior tem anunciado que foram feitas queixas oficiais nos tribunais a propósito desta postura dos media sob tutela do Executivo do MPLA.
A esta questão, João Lourenço nunca reagiu ao longo da campanha, mas outras fontes ligadas ao partido do Governo têm dado garantias de que não existem orientações superiores para qualquer abordagem diferenciada dos media a favorecer o MPLA, enfatizando que a existir qualquer situação merecedora de análise é resultado de opções editorais das direcções editoriais.
E o que nos espera para os últimos sete dias de campanha?
O pulso eleitoral vai acelerar, as batidas cardíacas das máquinas de campanha vão ouvir-se sem recurso a estetoscópio, porque em causa está muito, quase tudo, tanto para o candidato do MPLA como para o da UNITA, visto que os restantes concorrentes não têm, numa análise sóbria e fria, qualquer hipótese de eleger o próximo Presidente da República, embora as aspirações sejam igualmente legítimas na construção de um grupo parlamentar alargado que possa, na eventual inexistência de uma maioria absoluta, poder exercer um papel preponderante na formação do próximo Executivo.
Se Adalberto Costa Júnior ficar abaixo do resultado de 2017, onde, dos 220 eleitos, a UNITA elegeu 51 deputados, o MPLA 150 e a CASA-CE 16, dois do PRS e um da FNLA, dificilmente poderá manter-se no cargo, até porque apostou no tudo ou nado ao integrar nas listas do partido elementos do projecto PRA-JA Servir Angola, de Abel Chivukuvuku, que é candidato a vice-Presidente, e do Bloco Democrático.
Mas se o líder do partido do "Galo Negro" conseguir aumentar de forma significativa o número de eleitos no Parlamento, retirando a maioria qualificada de 2/3 ao MPLA, então, com a sua motivada habilidade política, facilmente será o candidato desta força política daqui a cinco anos, ainda mais fácil será esse caminho se conseguir que o MPLA não chegue sequer à maioria absoluta, 50% dos deputados mais um, obrigando a um inédito mandato em que este partido seria obrigado a permanentes negociações, o que seria, para vários analistas, o melhor que poderia suceder ao País.
Mas se o MLPA não conseguir o seu objectivo maior, que é repetir a maioria qualificada que lhe permite, de per si, avançar para uma revisão constitucional que, no limite, poderá permitir criar condições legais para que João Lourenço almeje um 3º mandato, ficando-se pela maioria absoluta, então a única certeza que existirá é que o MPLA vai ter mesmo de escolher um substituto para o seu actual líder quando chegarem as eleições de 2027.
Em caso de derrota do MPLA, então estar-se-á perante um momento histórico, não só para Angola mas como para todo o continente africano, sendo o foco integralmente colocado no processo de transição.
A possibilidade de violência pós-eleitoral
O Presidente do MPLA e da República, João Lourenço, num dos momentos mais relevantes dos seus comícios realizados até aqui, no dia 11 de Agosto, em Ndalatando, Kwanza Norte, lançou um veemente apelo a que todos os concorrentes às eleições de 24 de Agosto aceitem com naturalidade os resultados provisórios e definitivos que vierem a ser divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral, "em nome da paz e da estabilidade".
João Lourenço escolheu a cidade de Ndalatando para lembrar que a paz e a estabilidade são condições essenciais do Estado de Direito e esse "deve ser o compromisso de todos os concorrentes nestas eleições".
"Alguém tem medo dos resultados eleitorais? Ninguém no MPLA receia o anúncio dos resultados pela CNE", afirmou o cabeça de lista do MPLA, deixando no ar a ideia de que "alguns" poderão não estar tão à-vontade.
Sem explicar qual a razão para fazer este apelo à manutenção da paz e da estabilidade, João Lourenço disse que esse "é o compromisso do MPLA" e que espera que "esse seja também o compromisso de todos os outros concorrentes", embora sem pronunciar qualquer um dos restantes sete adversários, é claramente um recado à UNITA de Adalberto da Costa Júnior, que tem vincado com persistência a possibilidade de a fraude alterar a vontade do eleitorado.
"Nós abraçamos essa ideia, mas defendemos que a estabilidade não deve ser exigida nesses períodos apenas. A paz e a estabilidade são algo pelo qual devemos lutar permanentemente, havendo ou não havendo eleições. Devemos lutar pela manutenção e aprofundamento da paz e da estabilidade no nosso país sempre", acrescentou o líder do MPLA.
Embora este apelo de Lourenço tenha surgido antes, esta última semana de campanha começou com um alerta vindo da África do Sul, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), da África do Sul, que aconselha à criação de uma mediação pós eleitoral para evitar a ocorrência de violência, com uma vitória do MPLA ou com uma vitória da UNITA.
A tese deste estudo do ISS Africa, que se anuncia como o mais importante organismo independente em África na pesquisa e investigação na segurança humana, com sede em Pretória, abordando ainda temas como análises e assistência técnica nas áreas da segurança, incluindo crime transnacional, migrações, conflitos sociais e prevenção de crimes de múltiplas origens, dividida em dois pontos, é que, vencendo o MPLA, isso pode levar a uma revolta popular, devido, avança a Lusa, a "suspeições de manipulação das instituições eleitorais e de justiça e beneficiando-se da parcialidade", e, em caso de vitória da UNITA, isso poderá levar "alguns grupos conservadores no seio do MPLA a recusarem transferir o poder".
Ouvidos pelo Novo Jornal, os analistas políticos Ntoni-a-Nzinga, reverendo ligado à Igreja Evangélica Baptista de Angola (IEBA), e Luís Jimbo, director executivo do Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais (IASED), a ênfase na análise a esta campanha, como pode ler aqui, vai para o comportamento exemplar dos cidadãos.
Mas têm igualmente críticas. Os dois analistas sustentam a tese de que a CNE devia estar em campo muito antes da convocação das eleições e consideram que a instituição apenas marcou posição para determinar os tempos de antenas dos partidos concorrentes às eleições de 24 de Agosto, deixando muitas questões sobre o processo sem esclarecimento.
Luís Jimbo e Ntoni-a-Nzinga, como o Novo Jornal avança aqui, criticam a condução do processo eleitoral por parte da CNE neste período, e entendem que não informaram com clareza sobre os porquês de existirem na base de dados nomes de cidadãos já falecidos e o motivo da não afixação das listas nas assembleias de votos.
Mas a generalidade dos analistas, ouvidos por todos os media, nacionais e internacionais, convergem em duas certezas: Estas são as eleições mais renhidas desde que foi assinada a paz em Angola, há 20 anos e que o perfil do eleitor que se vai dirigir às urnas de voto no próximo dia 24 de Agosto é totalmente diferente daquele que o fez em 2008, mas primeiras eleições em tempo de paz... é mais novo, tem uma ideia distante do conflito armado, e está mais centrado nas questões políticas e económicas, com destaque para as oportunidades de emprego, o ensino e a saúde, que ideológicas.
Com o cacimbo mais frio de que há memória em Angola a acabar no calendário das estações, é o calendário eleitoral que se segue. Se vai ser mais frio ou mais quente que em 2008, 2012 e 2017... saber-se-á antes de Agosto chegar ao fim.
Estão autorizados a concorrer às eleições gerais de 24 de Agosto os partidos MPLA, UNITA, PRS, FNLA, APN, PHA e P-NJANGO e a coligação CASA-CE.Do total de 14,399 milhões de eleitores esperados nas urnas, 22.560 são da diáspora, distribuídos por 25 cidades de 12 países de África, Europa e América.
A votação no exterior terá lugar em países como a África do Sul (Pretória, Cidade do Cabo e Joanesburgo), a Namíbia (Windhoek, Oshakati e Rundu) e a República Democrática do Congo (Kinshasa, Lubumbashi e Matadi).
Ainda no continente africano, poderão votar os angolanos residentes no Congo (Brazzaville, Dolisie e Ponta Negra) e na Zâmbia (Lusaka, Mongu, Solwezi).
A Comissão Nacional Eleitoral criou 13.238 assembleias de voto, constituídas por 26.443 mesas, no território nacional, enquanto que para a votação dos eleitores inscritos no estrangeiro foram criadas 26 assembleias de voto com 45 mesas de voto. Para este total de mesas de voto foram recrutados 105.952 membros.