João Lourenço e Denis Sessou-Nguesso vão conversar em Brazzaville sobre o contexto em que Ali Bongo foi "destronado" ao fim de 14 anos de poder no Gabão e depois de a sua família manter o poder com mão-de-ferro desde 1967, quando o seu pai, Omar Bongo, chegou à Presidência, onde esteve até morrer, em 2009.
Em cima da mesa, numa agenda que não foi divulgada oficialmente ao pormenor pela Presidência angolana, estará certamente a questão da sucessão de golpes de Estado de cariz militar na África Ocidental e Oriental, desde logo no Mali, Burquina Faso, Guiné-Conacry, Sudão e, mais recentemente, no Níger, estando agora o Gabão a colorir este mapa de instabilidade político-militar.
As preocupações de João Lourenço ficaram bem expressas no dia golpe em Libreville, na quarta-feira, quando, na tomada de posse da directora-geral-adjunta do o Serviço de Inteligência Externa (SIE), Teresa Manuel Bento da Silva, no Palácio da Cidade Alta, pediu a este departamento para estar "de olhos bem abertos" para a instabilidade que graça em muitos países africanos, dando como exemplo o que acabara de suceder a Ali Bongo, no Gabão.
Admitindo que foi com "surpresa" que viu chegar esta "instabilidade" ao "país irmão", João Lourenço disse que, face a este cenário, "os Serviços de Inteligência Externa têm que estar de olhos bem abertos a tudo o que se passa no mundo, sobretudo em termos de segurança, em termos de estabilidade dos países".
Esta conversa presencial de João Lourenço com Denis Sessou-Nguesso pode ainda ter como azimute a possibilidade de os dois Chefes de Estado pretenderem analisar uma eventual resposta mais musculada, ou meramente político-diplomática, no âmbito da organização sub-regional a que ambos pertencem, a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), que tem sede em precisamente na capital gabonesa.
Tal como, na África Ocidental, a CEDEAO, tem em cima da mesa uma possibilidade efectiva de uma intervenção militar para repor a ordem constitucional no Níger, onde a 26 de Julho também os militares depuseram o presidente Mohammed Bazoum, a CEEAC poderá, embora essa seja uma hipótese remota devida à complexidade do xadrez de países que a compõem, que são Angola, Burundi, Camarões, RCA,, Chade, Congo, RDC, Guiné Equatorial Gabão, Ruanda e São Tome e Príncipe.
Este golpe no Gabão coloca ainda sob os holofotes das organizações e países africanos a circunstância de todos os países limítrofes deste pequeno Estado, rico em petróleo e com apenas 2,3 milhões de habitantes, terem como Presidentes alguns dos dinossauros africanos mais conhecidos: Denis Sessou-Nguesso, de 79 anos, Presidente do Congo-Brazzaville, um dos mais antigos Presidentes em exercício no continente, primeiro entre 1979 e 1992, e depois, de novo em 1997 até aos dias de hoje, na Guiné Equatorial, reina Teodoro Obiang, de 81 anos, desde 1979, sendo actualmente o mais antigo Chefe de Estado no cargo ininterruptamente em todo o mundo, e nos Camarões, impõe-se o também longevo Paul Biya (90 anos).
Tendo já sido motivo de análise em diversos fóruns e media, África debate-se presentemente com o receio, embora com justificação real, porque assim o demonstra o que está a suceder na África Ocidental, de este tipo de golpes poder alastrar como uma praga de gafanhotos, imparável e sem antidoto.
Uma das consequências que já se conhecem ocorreu nos Camarões, onde o regime de Paul Biya procedeu a profundas alterações das estruturas de comanda das Forças Armadas, assim como no Ruanda, que, também logo após o golpe no Gabão, nomeou dezenas de novos generais para comandar regiões militares e unidades estratégicas para o regime de Paul Kagame.
Para já, apesar das distintas geografias, o golpe do Gabão e os da África Ocidental que vêm a suceder desde 2020, têm em comum o facto de estarem a acontecer apenas em países francófonos e onde subsiste entre as populações, mesmo que no espaço do poder seja diferente, uma forte e crescente reacção crítica à antiga potência colonial, a França.
Tal como noutras latitudes, também no Gabão o estado de saúde do Presidente Bongo foi uma das razões sublinhadas pelos líderes do golpe militar, a par da situação de crise severa tanto económica como social, e ainda a imposição de alterações à constituição para forçar um terceiro mandato - que foi o caso de Ali Bongo - quando legal e constitucionalmente o limite seriam apenas dois mandatos.
Como era de esperar e sempre sucede nestas circunstâncias, o golpe militar liderado pelo general Brice Oligui Nguema, que era, desde 2019, o comandante da guarda presidencial - foi anteriormente chefe dos serviços secretos antes - e foi já nomeada pelos pares lider do comité de transição, ou Presidente de transição, foi condenado pela União Africana, pela CEEAC, pela ONU e por vários países, incluindo EUA, França, Nigéria...
Ainda não é conhecida uma posição de Angola, mas é já claro que as condenações deste golpe têm sido menos efusivas que o normal e, por exemplo, em Washington optou-se por exigir a manutenção do regime civil do Gabão e não uma saliente exigência de reposição de Bongo no poder.
Com a França é substancialmente diferente porque Paris perde, efectivamente, mais um pilar da sua influência no continente.
Um golpe esperado e anunciado
Este golpe, que ainda carece de confirmação para o seu sucesso, o que poderá acontecer com o passar dos dias, não sendo totalmente fora das possibilidades uma resposta de facções leais a Bongo nas Forças Armadas, não é totalmente inesperado, como o demonstram as tentativas no passado, sendo a mais relevante a de Janeiro de 2019, que foi abortada inextremis.
A tentativa de golpe militar em Libreville em Janeiro de 2019 foi abortada pelo grosso das forças armadas do Gabão depois de um jovem tenente, de nome Kelly Obiang, um dos comandantes da Guarda Republicana, ter dado a cara pela intentona ao ler um comunicado com os justificativos para a acção.
Horas depois do golpe - realizado quando o Presidente da República, Ali Bongo se encontrava em Marrocos em tratamento médico -, um porta-voz do Governo, Guy-Bertrand Mapangou, vei dizer aos jornalistas que o golpe tinha falhado.
"O Governo está no activo e as instituições do país estão a funcionar normalmente", disse este porta-voz na altura-
O golpe terá falhado porque as chefias superiores das Forças Armadas não alinharam no plano dos militares de patentes inferiores, contra aquilo que chamam o "desgoverno" do Presidente Bongo, o que agora não sucede porque este golpe foi liderado por generais, incluindo o novo líder do país, o até aqui comandante da guarda presidencial, general Brice Oligui Nguema.
O autodenominado Movimento Patriótico das Forças de Defesa e Segurança do Gabão, pelo qual o tenente Kelly Obiang, quando leu o seu manifesto, ladeado por outros dois militares, armados e vestidos com camuflados, deu a cara, alegou, como razão para o "golpe", a falta de condições de Ali Bongo para governar o país, devido ao seu estado de saúde física e mental.
O Presidente gabonês foi transferido para o exterior depois de ter sofrido um ataque cardíaco em Outubro de 2018.
De recordar que a intentona de 2019 falhou porque as chefias superiores do Exército não alinharam e também porque um contingente militar norte-americano foi enviado para este país, alegadamente por causa da sua localização estratégica face ao, na altura, tenso processo eleitoral na República Democrática do Congo (RDC).
Já na ocasião, como o Novo Jornal noticiou, a pouca simpatia que Ali Bongo conta ( contava) entre o povo é uma das razões pelas quais alguns analistas admitiam que este caso poderia estar, nesse período, mitigado, mas dificilmente serão evitadas outras tentativas para depor o Presidente e, com isso, eleger um novo Governo que permita uma melhor distribuição das riquezas oriundas do sector petrolífero.
O que se veio agora a concretizar.