Nesta reunião, que acontece numa altura em que a tensão na região, com o Governo da RDC a insistir na acusação ao vizinho Ruanda de estar a apoiar a actividade da guerrilha do M23 no Kivu Norte, leste da RDC, vão estar os Presidentes ou representantes, dos países-membros da CIRGL, e é uma nova oportunidade para voltar a juntar à mesa os Presidentes da RDC, Félix Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame.
Sobre este encontro de alto nível em Luanda, o Presidente João Lourenço, anfitrião e líder actual da CIRGL que a situação do processo de estabilização no leste congolês está a decorrer conforme as negociações mas admitiu que o acantonamento dos guerrilheiros do M23 deve ser mais célere.
"A região está actualmente com dois conflitos, o da RDC e o do Sudão, vamos passar em revista a situação e o que vamos fazer proximamente para ver se encontramos a paz nesses dois países", adiantou João Lourenço, citado pela Lusa.
Directamente empenhado na questão do leste congolês, pelo empenho pessoal que dedicou a este problema entre as forças governamentais da RDC e os guerrilheiros do M23, é natural que a estabilização da situação na fronteira entre o Ruanda e o Congo tenha maior preponderância neste encontro, embora a grave situação em Cartum (ver links em baixo nesta página) deva merecer também a atenção dos lideres regionais presentes em Luanda no próximo Sábado.
Nestas declarações à agência portuguesa de notícias, e sobre o chamado "Roteiro de Luanda", instrumento adoptado em Julho de 2022, numa cimeira tripartida entre Angola, a República Democrática do Congo e Ruanda, para o Processo de Pacificação da Região Leste da RDC, admitiu que é necessária mais celeridade na implementação de alguns pontos.
"O primeiro passo, felizmente, está a ser respeitado, o cessar-fogo vigora salvo um ou outro incidente, mas o passo seguinte está a custar mais a ser dado, estou-me a referir ao acantonamento das forças do M23", referiu João Lourenço.
"Este é um ponto específico que vai ser analisado no sábado, a ver se podemos puxar no sentido de que venha a acontecer o quanto antes", reforçou.
Para o chefe de Estado angolano, "quanto mais espaço houver entre o cessar-fogo e o início do acantonamento maior é o risco do retorno às hostilidades entre as partes em conflito".
Kinshasa não descansa
Esta reunião acontece dias depois de a RDC ter voltado a acusar formalmente o Ruanda e os rebeldes do M23 ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por exploração ilegal de recursos naturais no leste do país através de uma acção concertada e apoiada por Kigali.
Esta não é a primeira vez que a RDC acusa o Ruanda e os guerrilheiros do M23 de crimes cometidos no seu território, nas províncias do leste, especialmente no Kivu Norte, mas é a primeira iniciativa do género que visa a pilhagem dos recursos congoleses através de uma coligação de interesses entre ruandeses e rebeldes.
Segundo avançam os media congoleses e internacionais, esta acusação levada ao TPI, com sede em Haia, nos Países baixos, pela RDC é mais uma tentativa de travar esta coligação entre as Forças Armadas do Ruanda (RDF, sigla em inglês) e os rebeldes do M23 (ver links em baixo nesta página), que há muito se sabe, através de relatórios da própria ONU, que mantém ligações que visam a exploração de minérios no leste congolês, especialmente diamantes, ouro e coltão.
A ministra da Justiça congolesa, Rose Mutombo, explica esta iniciativa com a continuada "preocupação do Governo com o sofrimento das populações" às mãos dos guerrilheiros do M23 apoiados logisticamente pelo Ruanda, com o objectivo de desestabilizar a região de forma a permitir a exploração ilegal do seu subsolo, um dos mais ricos do mundo.
Esta acusação, adiantou a ministra da Justiça, pretende ajudar na protecção das populações ao manter os olhos da justiça internacional sobre as constantes violações dos Direitos Humanos perpetrados por estes elementos sobre comunidades indefesas durante os anos de 2022 e 2023, casos recentes e facilmente verificáveis.
E é ainda um reforço na acusação grave de Kinshasa ao vizinho Ruanda de manter um apoio constante aos rebeldes do M23 nas suas acções violentas no leste da RDC com interesses claros na exploração ilegal de recursos naturais, como está igualmente plasmado num relatório elaborado no ano passado por técnicos das Nações Unidas.
O TPI, tribunal que ganhou nova exposição mediática recentemente com o mandato de captura internacional contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, por causa da guerra na Ucrânia começada em 2022, mantém desde 2004 uma investigação sobre as atrocidades no leste da RDC mas até hoje não se verificou qualquer acusação, apesar das evidências e das provas colhidas por várias ONG e até pelas Nações Unidas.
Recorde-se que a intervenção do Presidente angolano na qualidade de líder da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) tem conseguido (ver links em baixo nesta página) manter a situação no leste da RDC sob o olhar da comunidade internacional, especialmente com as Cimeiras de Luanda, por onde já passaram os Presidentes do Ruanda, Paul Kagame, da RDC, Félix Tshisekedi, entre outros.
Acabar com a violência nesta martirizada região, que vive desde meados da décadas de 1990 sob um domínio sangrento de dezenas de grupos armados, guerrilhas e milícias, é uma prioridade absoluta, porque, como sublinhou esta semana o representante especial do Secretário-Geral da ONU para a RDC, Bruno Lemarquis, este país vive "a crise humanitária mais negligenciada do mundo".
Existem na RDC mais de 6,3 milhões de deslocados internos a precisar de apoio humanitário urgente e continuado, estando este número a aumentar em contínuo, além dos milhões que estão refugiados nos países vizinhos, milhares deles ainda em Angola.
Contexto
As localidades do Kivu Norte, província do leste da República Democrática do Congo, que já deviam estar sem rebeldes do M23, se fossem cumpridos os vários acordos, com destaque para o Acordo de Luanda, assinado em Novembro de 2022, bem mais importante pelo envolvimento de diversos Chefes de Estado e organizações regionais, continuam ensombradas pelas presença desta guerrilha apoiada pelo Ruanda, como o prova um relatório das Nações Unidas.
Face a esta escassa ou nula evolução no terreno do que está contido no documento assinado na mini-Cimeira de Luanda de 23 de Novembro do ano passado, que os rebeldes começaram por dizer que não iriam cumprir, os Estados Unidos voltaram a fazer um veemente pedido ao Ruanda para acabar com o "apoio" ao M23, e à RDC para extinguir o apoio à guerrilha contrária ao regime ruandês, as FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda), como o Governo de Kigali tem insistido que existe.
Na denominada mini-Cimeira de Luanda ficou estipulado, no documento assinado por todas as partes, que os rebeldes do M23 seriam sujeitos a um calendário concreto para retirarem das áreas tomadas de forma violenta no leste congolês até 15 de Janeiro deste ano.
Este encontro na capital angolana, a 23 de Novembro de 2022, contou com a presença dos Presidentes da RDC, Félix Tshisekedi, e do Burundi, Évariste Ndayishimiye, enquanto líder da Comunidade de Países do Leste africano (EAC), o ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Vincent Biruta, além do anfitrião, João Lourenço, que lidera a Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).
Por detrás de todo este recrudescer da violência nas já de si massacradas províncias do leste congolês, Kivu Norte, Kivu Sul e Ituri, onde se desenrola em trágico contínuo, desde a década de 1990, uma tempestade de violência protagonizada por dezenas de grupos guerrilheiros, criados no húmus do genocídio de 1994 no Ruanda, está o apoio, assim o diz o Governo de Kinshasa, o apoio do Exército e dos serviços secretos ruandeses ao M23, com o objectivo de manter a região desestabilizada.
Desde finais de 2021 que se assiste a uma reorganização do Movimento 23 de Março, abreviado para M23, com moderno equipamento militar, com avanços sólidos na região, assumindo o controlo de dezenas de localidades de uma das mais ricas zonas do mundo em recursos minerais estratégicos - coltão, cobalto, terras raras, ouro, diamantes... -, tendo em meados de 2022 acontecido uma aceleração vertiginosa das acções destes rebeldes.
O M23, tal como outras guerrilhas, nasceu no seio da etnia Tutsi ruandesa, o alvo referencial do genocídio de 1994 perpetrado pela maioria Hutu, e hoje é acusado pelo Governo de Tshisekedi de estar a ser financiado e a contra com apoio logístico do Ruanda, embora não seja muito claro o porquê de tal apoio, que é refutado pelo Presidente ruandês, Paul Kagame, embora este se tenha comprometido com Tshisekedi e João Lourenço a usar a sua influência junto dos lideres da guerrilha para os conduzir a negociações.
Uma das teses mais sólidas para justificar o "apoio" de Kigali aos M23 na sua "conquista" de territórios no leste da RDC - os guerrilheiros dizem que se estão a defender das milícias de origem Hutu - é que, com a sua presença, as forças congolesas e as autoridades se mantêm afastadas da área onde, por isso, mais facilmente, são explorados os seus recursos naturais, nomeadamente o coltão, que os relatórios de organizações internacionais, apontam como facto que o Ruanda é hoje um exportador deste minério essencial na economia mundial, especialmente do universo das novas tecnologias, sem que tal exista no seu subsolo, pelo menos em quantidades comerciais.
Agora, quando a generalidade dos prazos definidos no acordo de Luanda, um roteiro com etapas bem salientes para cumprir por parte dos rebeldes, a EAC e o Governo de Kinshasa estão a, de novo, acusá-los de não estarem a sair das localidades como previsto, dando como exemplo as localidades de Rumangabo e Kishishe, mo território de Rutshuru, no Kivu Norte.
Segundo a rádio das Nações Unidas na RDC, que faz parte da MONUSCO, uma das mais pesadas missões da ONU em todo o mundo, a Radio Okapi, a EAC tem oficiais no terreno de forma a verificar o cumprimento dos acordos, nas próximas horas, podendo mesmo começar já nesta sexta-feira.
Algumas fontes locais citadas pelos media congoleses dizem que a lentidão do processo de retirada é ma manobra táctica dos rebeldes do M23 que lhes permite, na verdade, manter as áreas que consideram essenciais, enquanto vão fazendo de conta que estão a cumprir o Acordo de Luanda.
As razões de fundo para este conflito
O leste do Congo é uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais estratégicos, desde logo o coltão e o cobalto, dois minerais incontornáveis para as novas industrias tecnológicas e aeronáutica de ponta, sem as quais toda a parafernália tecnológica de comunicações, como os simples smartphones, não existiria tal como a conhecemos, sem o coltão, e a indústria que exige a aplicação de baterias, como a dos automóveis eléctricos, seria algo muito distinto do que é hoje sem acesso ao cobalto, sendo ainda abundantes as denominadas terras raras, com igual uso nas novas tecnologias, o ouro ou os diamantes.
E a piorar o cenário, como combustível para esta fogueira, a RDC possui as maiores reservas do mundo de coltão e cobalto, mais de 80% de um e de outro, quase em exclusivo presentes no leste do país, sendo esta geografia geradora de grandes "apetites" pelas multinacionais do sector, que, segundo ONG"s internacionais de defesa dos Direitos Humanos, usam as guerrilhas para explorar sem controlo estas jazidas, afastar populações ou aterrorizar as forças do Estado que procuram chegar a estas "terras de ninguém" assoladas pela mais hedionda violência.
Mas também os vizinhos, como o Ruanda, desde sempre exploram estas riquezas de forma encapotada, porque, como chegou a ser denunciado publicamente por organizações internacionais, não existem depósitos de coltão no país mas este aparece como um dos grandes exportadores mundiais deste minério estratégico.
A par da questão dos recursos naturais congoleses nos Kivu Norte e Sul, existem ainda questões de natureza territorial com potencial incendiário na região, desde logo por razões étnicas, ou de sobrepopulação, sendo o Ruanda o que apresenta a maior densidade populacional na África continental, sendo apenas ultrapassado pelas Maurícias e Mayotte, pequenas ilhas francesas situadas entre Madagáscar e Moçambique, no Índico.
Este cenário conduz, desde logo, a uma situação em que o Ruanda, um país pequeno, hiperpovoado - mais de 400 pessoas por km2 -, mas um dos mais ricos e desenvolvidos em África do ponto de vista organizacional e económico, se vê fortemente tentado, segundo alguns analistas, a alargar a sua territorialidade para oeste, onde o leste congolês é hoje uma espécie de terra de ninguém, com fraca presença do Estado e dominado por guerrilhas e interesses obscuros ligados às suas riquezas naturais.
É de ter ainda em consideração que o Ruanda foi palco, em 1994, de um trágico episódio, conhecido como o genocídio ruandês, em que mais de 800 mil tutsis, a minoria étnica, foram massacrados com extrema violência, pela maioria Huto.
Este episódio histórico trágico levou a que largas centenas de milhares de ruandeses procurassem segurança na vizinha RDC, onde surgiram, nesse momento, algumas das guerrilhas mais activas, como a Frente Democrática de Libertação do Ruanda (FDLR) que vingou até hoje no leste congolês, sendo, juntamente com a ADF ugandesa, de génese islâmica, actualmente sob domínio do estado islâmico, e o M23, as mais sanguinárias.
Ver links em baixo nesta página para revisitar a cobertura do Novo Jornal à persistente crise no leste da RDC