Há largos meses que a RDC de Felix Tshisekedi acusa o Ruanda de Paul Kagame de estar a apoiar os guerrilheiros do M23 no seu renovado esforço de desestabilização do leste congolês, especialmente nas províncias ricas em recursos naturais dos Kivu Norte e Sul, depois de uma década de adormecimento, sendo já um caso de extrema gravidade considerando que se repetem as escaramuças entre as Forças Armadas dos dois países vizinhos.
Enquanto líder da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e "Campeão para a Reconciliação e Paz em África" da União Africana, João Lourenço tem-se desdobrado em acções diplomáticas, sendo a última o envio do seu Ministro das Relações Exteriores, Teté António, para Kigali e Kinshasa, onde reuniu com os Presidentes Kagame e Tshisekedi, com este a transmitir-lhes uma mensagem considerada diplomaticamente dura para que seja ainda possível travar um processo de prolongada e trágica instabilidade numa das mais instáveis regiões do mundo.
O antigo Presidente congolês, Joseph Kabila, dizia mesmo que o leste do Congo/Grandes Lagos, tinha um potencial de gerar instabilidade semelhante ao potencial letal de uma pistola com gatilho bem lubrificado, bastando um movimento menos cuidado para abrir a porta a uma fúria devastadora.
Retrato da região
O que faz esta região surgir nos corredores diplomáticos com estes predicados é a sua história étnica trágica, marcada na memória de todos pelo genocídio de 800 mil tutsis pela maioria Huto ruandesa, em 1994, mas que já tem raízes profundas, mas essencialmente, mais recentemente, as suas riquezas naturais estratégicas para o mundo, como seja o coltão, o cobalto, os diamantes ou, entre outros, as denominadas terras raras, todos eles essenciais para a gigantesca indústria das novas tecnologias em todo o mundo, no leste da RDC, de onde os vizinhos Ruanda e Uganda há décadas que não tiram os olhos e usam as várias guerrilhas activas na região - M23 (origem na RDC), ADF (proveniente do Uganda) ou a FDLR (criada no Ruanda) para "camuflar" a alegada extracção ilegal destes minérios.
Os condimentos para este caldeirão de potencial caos para a Região dos Grandes Lagos, que, recorde-se, alarga-se ainda aos problemáticos Sudão do Sul, República Centro-Africana e ao Burundi, não tem parado de crescer e, ao que os últimos desenvolvimentos mostram, nem a Cimeira de Luanda, onde João Lourenço reuniu, em Junho deste ano, Paul Kagame e Felix Tshisekedi, nem a permanente atenção que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tem dado ao assunto, conseguiram diluir as tensões.
E na RDC é cada vez mais evidente uma pulsão para a guerra, com marchas de apoio às Forças Armadas (FARDC) organizadas um pouco por todo o país com milhares de pessoas a exigirem acções punitivas contra os grupos armados que actual no leste do país, incluindo sobre as investidas estrangeiras sobre as fronteiras nacionais, que, recorde-se, é uma das acusações mais graves feitas por Kinshasa aos vizinhos Ruanda e Uganda.
Há mesmo já algumas teses mais dramáticas a circular que apontam para estes dois países estarem a explorar as fragilidades de organização do Estado congolês para ocuparem parte das províncias dos Kivu Norte e Sul e Ituri, onde a presença das FARDC e das instituições congolesas é nula ou esporádica, visando os seus vastos recursos naturais, como, por exemplo, o coltão, mineral estratégico para a altamente tecnológica indústria das telecomunicações, que o Ruanda exporta em grandes quantidades aparentemente, como acusam algumas ONG"s internacionais, sem que sejam conhecidas jazidas no seu território.
O povo congolês exige acção militar
Gbadolite, na província do Ubang, ou BUkavu, no Kivu Sul, são duas das últimas cidades onde decorreram marchas organizadas pela sociedade civil em apoio às FARDC no seu combate contra as guerrilhas e as forças estrangeiras no leste da RDC, sendo um ponto comum em todas as acções populares deste recorte a acusação ao Ruanda de estar a instrumentalizar o M23 para os seus intentos no território congolês, especialmente focados no Kivu Norte, a mais rica em recursos naturais das três províncias do leste.
Esta ideia é substanciada no facto de este movimento de guerrilha - Movimento 23 de Março - criado na década de 1990, estar quase sem expressão desde 2012 e ter agora, em finais de 2021, surgido sem que as autoridades locais percebam muito bem porquê, a não ser como ferramenta dos vizinhos ruandeses para o seu avanço no leste do congo.
A tensa situação entre Kinshasa e Kigali levou, recorde-se, a situações mais alarmantes, nesta última fase mais belicosa, quando já este ano, em Junho, por ordem directa de Tshisekedi, a RDC proibiu os voos da companhia aérea do Ruanda, a RuandAir, no espaço aéreo congolês, com fortes acusações de Kinshasa, nomeadamente ao nível governamental, de que o Ruanda pretende invadir a RDC.
Esse é o tema que está actualmente em cima da mesa onde João Lourenço tem empilhadas as suas principais preocupações regionais, tendo o Presidente angolano participado na iniciativa da União Africana que teve lugar, por videoconferência, esta quarta-feira, onde esteve ainda o presidente da União Africana, o senegalês Macky Sall.
Esta reunião da organização pan-africana teve como foco principal a situação tensa que se vive nos Grandes Lagos e cujo foco principal é o estado de quase-guerra entre Ruanda e RDC, tendo Macky Sall, segundo a Presidência angolana divulgado que Macky Sall insistiu com João Lourenço para liderar os esforços continentais para evitar uma degeneração trágica desta já de si muito tensa situação.
E uma das mais perigosas evoluções em curso é aquilo que parece ser, pela sucessão de manifestações populares - só em Kinshasa tiveram lugar dezenas nos últimos meses - de incentivo a uma resposta militar pesada de Kinshasa contra as alegadas pretensões territoriais de KIgali sobre o leste congolês.
Uma das frases mais repetidas nestas manifestações é a exigência de não permitir que a situação evolua para a "balcanização da RDC", uma alusão à guerra na antiga Jugoslávia, na década de 1990, que levou ao desmembramento deste país, o que, traduzido para o cenário da RDC, é uma exigência às FARDC para não permitirem a anexação de territórios pelos países vizinhos através da força, garantindo a sua unidade territorial.
Quénia envia tropas para o caldeirão congolês
A questão é de tal ordem grave que o Quénia anunciou esta quarta-feira que vai enviar tropas para a RDC com a missão de pacificar o leste congolês, fazendo frente aos grupos de guerrilha e outras entidades armadas que surgirem na região.
O anuncio de Nairobi foi feito, segundo as agências de notícias, durante a Cimeira de Chefes de Estado da Comunidade da África do Leste (EAC) que teve lugar na capital queniana, tendo o Presidente William Ruto, justificado o envio dos seus militares para o complexo xadrez congolês com a ideia de que "enquanto vizinhos, o destino da RDC está ligado ao de todo os países da região".
"Não vamos permitir que os grupos armados, criminosos e terroristas nos privem da nossa prosperidade comum", disse William Ruto, perante os militares a caminho da RDC, embora as autoridades quenianas não tenham avançado quantos e de que tipo de unidades estão a caminho do leste congolês.
Entretanto, face aos esforços que tem desenvolvido nos últimos anos, recorde-se que foram várias as cimeiras da CIRGL realizadas em Luanda, João Lourenço, que tem o seu MIREX a circular entre Kigali e Kinshasa - e sabe-se também que Lourenço esteve nas últimas horas ao telefone com o seu homólogo congolês -, fica a dúvida se Angola poderá acompanhar o Quénia na colocação de uma força militar na região para travar eventuais ímpetos de ganhos territoriais por parte dos vizinhos da RDC nos limites dos Grandes Lagos.
Uma coisa é certa, perante vários lideres regionais, a tomada de posse de João Lourenço para o segundo mandato, teve uma novidade que na ocasião deixou como possível ter-se tratado de uma mensagem clara para os actores regionais dos Grandes Lagos... o desfile militar pesado das FAA, incluindo o sobrevoo dos poderosos SU-30K da Força Aérea Nacional...
Ver links em baixo nesta página para revisitar a cobertura do Novo Jornal à persistente crise no leste da RDC