O senhor faz parte de uma geração que vivenciou a luta pela libertação nacional. Hoje, quando olha para o País, sente realizados os propósitos que estiveram na base dessa luta?
A luta pela liberdade sempre vale. Está teologicamente comprovado que os dois dons de Deus na humanidade são a vida e a liberdade. Quando falamos dos direitos fundamentais, falamos da vida e da liberdade. Ao decidir por colonização, os europeus optaram pela vida, mas uma vida controlada por eles. Nós perdemos a nossa liberdade. Eu era jovem quando o 61 surgiu. Mas é importante deixar claro que a luta de libertação não começou em 61. Desde o momento em que os portugueses chegaram, houve sempre luta. Por que Dias de Novais foi parar em Cambambe como prisioneiro? Não ficou lá anos? Nós não falamos disso. O povo aqui não deixou os portugueses entrarem livremente. A Batalha de Mbwila (Ambuila), onde morreu o rei António do Kongo... nunca ouvi esses dirigentes referirem-se como acto heróico. Imaginem: não havia carros, não havia comboios, não havia aviões. Ele saiu de Mbanza Kongo, conseguiu mobilizar 10 mil combatentes do seu reino. Vieram de Cabinda, do Maquela do Zombo, vieram de todos os lados para defender o território.
Quem é o responsável por estas histórias não serem conhecidas ou valorizadas?
Nós mesmos não temos valorizado o que somos. Nós não somos o que somos hoje por causa daquilo que temos hoje, somos o que o nosso passado fez de nós. Porque o movimento de libertação tomou as diferentes formas que tomou por causa destes pensamentos. Não somos nós. Os mais velhos Agostinho Neto e Lúcio Lara não participaram nem estavam vivos quando essas coisas estavam a acontecer, mas aconteciam. O rei dos Kwanhamas... nós criámos monumentos, mas eles levantaram-se. A nossa luta pela independência, falámos independência, mas é luta pela liberdade, é uma luta que já existia desde a primeira hora em que os portugueses puseram os pés aqui e continua, tomou formas diferentes ao longo dos tempos. A revolta de Malanje... Baixa de Cassanje, vocês estão a ver: trabalhadores forçados... não eram trabalhadores voluntários. Sabe que naqueles tempos os portugueses não divulgavam como fazemos agora. O meu avô, padrasto da minha mãe, foi soba e era chamado grande soba, suicidou-se. Porquê? Porque não resistiu à humilhação de um administrador português na Damba, que lhe cobrava um número de trabalhadores, que eram escravos. Ele tinha número suficiente para dar, mas não o fez por espírito já de reivindicação.
Há vários heróis anónimos na nossa história?
Há vários. Em Angola, são muitos heróis anónimos. Há vários heróis que ainda não honrámos. E vou voltar a dizer aquilo que dizia o meu amigo Jaka Jamba: ele sempre sugeriu que precisamos de uma equipa de historiadores para reescrever a nossa história. Nós não estamos a olhar para o passado. Pensamos que é uma coisa fechada e não tem nada a ver. Nunca vamos mudar a dignidade sem olhar donde viemos e como cá chegámos. Temos sorte que os portugueses têm muita coisa escrita. Nos seus arquivos, eu encontro coisas que me espantam, que eles próprios escreveram sobre os nossos antepassados, filhos desta terra. Por isso, a luta pela libertação nacional não foi como temos feito, centrando-a no 4 de Fevereiro. Repito: o dom de Deus é vida e a liberdade. Quando não respeitamos a liberdade do outro, saibamos que estamos a criar valas e estas valas nunca vão dar dignidade ao povo. Infelizmente, temos ainda muitos problemas, porque essa liberdade não é respeitada para todos e da mesma maneira.
Há distinção?
Há diferenciação, sim senhor. Deixem-me recuar no tempo: ao lutar contra o mesmo inimigo, não fomos capazes de trabalhar juntos. Para mim, essa é a primeira causa do estado em que estamos a viver hoje. Nunca tivemos uma visão comum de Angola que não criámos e que estávamos a herdar. Nunca! E isto é um erro grave.
Fala, essencialmente, da proclamação da independência pelos então três movimentos de libertação nacional: MPLA, FNLA e UNITA?
A proclamação da independência não foi feita da melhor maneira. O que é que esses três grupos fizeram? Foram várias declarações, da mesma independência, por falta de harmonia, por falta de unidade, por falta de uma visão comum de Angola. E esse é o problema que temos até hoje. Ao proclamarmos a independência, não fomos capazes de ter uma visão comum e, hoje, 40 anos depois, continuamos quase com a mesma onda.
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