A SADC reuniu as suas principais lideranças na terça-feira, em Luanda, através da chamada "Dupla Troika", que agrega o Órgão para a Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS), onde procurou consolidar o caminho para a estabilização e normalidade democrática na RDC e no Lesoto, sem deixar de mostrar inquietação pelos distúrbios dos últimos dias em Madagáscar.
No comunicado final, que sintetiza o resultado dos trabalhos realizados nos últimos dias na capital angolana, culminando na terça-feira com a Cimeira dos Chefes de Estado das duas "troikas" que lideram a organização austral, a SADC não poupou elogios ao processo eleitoral na RDC, chamando-lhe "progresso significativo" devido à marcação da data da ida às urnas, 23 de Dezembro, e do relativamente normal registo eleitoral, que vai acrescentar mais de 10 milhões de eleitores em relação às últimas eleições.
A SADC é liderada pelo Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, e o seu OCPDS está nas mãos de João Lourenço, sendo que cada uma destas estruturas é composta pelo antecessor no cargo e o senhor que se segue, respectivamente Namíbia e Suazilândia pelo primeiro, e Zâmbia e Tanzânia, pelo segundo.
Apesar de ainda em Dezembro último, a RDC ter sido palco de novas e violentas manifestações, com dezenas de mortos entre os manifestantes, provocadas pelas forças de segurança, com a agravante de terem sido protestos organizados de forma pacífica pela igreja católica, com este discurso optimista, os líderes regionais austrais estão claramente a comprometer o Presidente Joseph Kabila na manutenção da normalidade e do respeito pelos preceitos democráticos e constitucionais até às eleições.
E mesmo o facto de Kabila (na foto, de barbas, com Geingob, da Namíbia e o PR angolano) estar há dois anos no poder para lá do seu segundo e último mandato permitido pela Constituição, por causa da grave instabilidade e violência que coincidiu com o fim do seu tempo regular no poder, em Dezembro de 2016, a SADC procura, através da persuasão e do compromisso, garantir que não vão suceder novos desencaminhamentos naquele que é o mais instável país da SADC e um dos que representa maior potencial de desestabilização do continente africano devido ao seu conturbado processo histórico e geografia estratégica, bem como a cobiça externa pelas suas imensas riquezas.
Angola tem particular interesse na estabilização da RDC, país com quem tem mais de 2 000 kms de fronteira, por causa da recente convulsão no Grande Kasai e os milhares de refugiados que dela emergiram, mas também porque o "gigante" Congo fora de controlo será sempre uma ameaça para todos os vizinhos.
"A cimeira notou o progresso feito na execução do Acordo Político de Dezembro de 2016 e na implementação do calendário eleitoral na República Democrática do Congo, rumo à realização das eleições agendadas para decorrerem a 23 de Dezembro de 2018", diz o comunicado final, referindo-se ao acordo de São Silvestre, assinado entre o poder e a oposição, tendo permitido por cobro a uma sucessão de três meses de intensa e mortífera violência nas ruas de Kinshasa, principalmente.
Esse acordo foi assinado, com intermediação dos bispos católicos congoleses, sob pretexto de que as eleições seriam dali a um ano certo, mas assim não sucedeu, tendo Kabila conseguido prolongar artificialmente o seu mandato por mais um ano, pelo menos, com mais protestos e mais violência, pelo menos até final do ano passado. Os últimos três meses foram bastante mais calmos.
Face a este cenário, o comunicado do encontro de Luanda convoca todos os intervenientes congoleses a "continuarem empenhados na implementação do calendário eleitoral e garantirem a manutenção de um ambiente propício para a realização de eleições credíveis e pacíficas".
E é ainda garantido "o apoio continuado ao processo eleitoral e nos seus esforços visando reforçar a estabilidade política, a paz e a segurança" por parte dos Estados-membros da SADC, cuja atenção naquele país se cruza com a da União Africana e da ONU, cuja missão ali destacada, a MONUSCO, é a maior e mais cara das Nações Unidas em todo o mundo, tendo a particularidade de ter um mandato especial para poder integrar acções de combate ao lado das Forças Armadas da RDC, as FARDC, contra as múltiplas guerrilhas internas e externas a actual no Congo-democrático. Alias, o Presidente angolano sublinhou isso mesmo no discurso de abertura da Cimeira.
Sem estabilidade na RDC não há paz garantida em África
Em Kinshasa, desde a independência do Congo, em 1961, só no período da ditadura feroz de Mobutu Sese Seko, entre 1965 e 1997, se viveram alguns anos de condicionada estabilidade política.
Deste a queda do tirano Sese Seko que a RDC não conhece a estabilidade políticas, apesar dos dois mandatos cumpridos, desde 2001, por Joseph Kabila, o actual Presidente que ocupa o cargo interinamente devido... à instabilidade.
Kabila terminou o seu segundo e último mandato permitido pela Constituição em Dezembro de 2016, mas, através de vários expedientes conseguiu manter-se no poder até às eleições previstas, mas não garantidas ainda, de 23 de Dezembro próximo.
Desde Janeiro de 2015 que, primeiro pela tentativa de alterar a Constituição para se poder recandidatar, e depois, especialmente entre Setembro e Dezembro de 2016, pelo adiamento do processo eleitoral, centenas de pessoas morreram nas ruas das principais cidades congolesas em confrontos entre as forças de segurança e manifestantes da oposição que exigiam eleições e a saída do Presidente.
Com a forte pressão internacional, desde os EUA à ONU, passando pelas exigências internas, os últimos dois anos, foram igualmente violentos, envolvendo mesmo a igreja católica, sempre pela exigência de eleições e a saída de Kabila do poder.
E é esta situação na RDC, sem esquecer o constante constrangimento provocado pelas guerrilhas internas e externas, que os Chefes de Estado e de Governo da SADC vão ter para analisar no encontro de amanhã, terça-feira, em Luanda.
E a tornar a situação quase insustentável está a contínua pilhagem das riquezas do país, que despertam séria cobiça dos vizinhos e de grupos poderosos internacionais.
O próprio Kabila, numa recente intervenção no Parlamento, em tom de aviso, disse, de forma a ser ouvido no mundo, que a RDC tem em si o potencial de poder desestabilizar todo o continente africano e o mundo.
Olhar atento ao Lesoto, também
O contingente militar enviado em finais do ano passado pela SADC para o pequeno reino do Lesoto, para servir de força de interposição e estabilização, após a grave crise despoletada pelo assassinato do comandante militar local, Khoantle Matsomotso, por oficiais rivais, vai ser mantido por, pelo menos, mais seis meses, ficou igualmente decidido na Cimeira de Luanda.
Esta força militar, integrada por mais de 150 elementos angolanos e comandada por Luanda, foi criada para responder à crise em Maseru, capital do Lesoto, e teria até mil elementos, entre militares, especialistas em soluções de crises civis e de inteligência militar, se fosse considerado necessário.
Agora, em Luanda, a SADC decidiu, como se percebe do seu comunicado sobre a Cimeira, prolongar a presença da SAPMIL por mais 6 meses, até que as instituições locais estejam consolidadas e o risco de novas tentativas de assumir o poder por parte dos militares, como tem sido usual nas últimas décadas, esteja afastado por completo, o que se espera acontecer até Novembro próximo, quando termina este segundo mandato.
A missão da SAPMIL é acabar de uma vez por todas terrível herança da instabilidade permanente no Lesoto, o pequeno reino, encravado entre montanhas no nordeste da África do Sul, que vive desde Setembro do ano passado mais uma grave crise político-militar depois do assassinato do seu comandante militar, general Khoantle Matsomotso, por oficiais rivais, numa disputa pelo poder, que por lá, é tradição ser definido através da força pelas chefias militares.
Independente do Reino Unido desde 1966, vive há décadas, praticamente desde que se libertou do comando de Londres, em crises sucessivas, quase todas de origem militar, numa perpétua luta pelo poder que, apesar de ser um reino e ter um governo formal, é literalmente comandado pelas chefias militares, condição que a SADC procura agora, de forma definitiva, transformar, retirando poder aos militares.
Para se perceber a grande complexidade deste pequeno país, basta ter em conta que, desde 1986 com maior amplitude, mas não menos instabilidade antes, Maseru assitiu a múltiplas crises, desde logo com o golpe do general Justin Lekhanya, em 1986, que assume o poder, destitui o rei Moshoeshoe II e coloca no trono o seu filho, Letsie.
Mas o velho rei volta ao poder em 1991 devido a novo golpe militar e o seu filho regressa ao trono com a morte do pai, em 1996, desta feita com o título de Letsie III.
Em 1998 realizam-se eleições e o Congresso para a Democracia de Lesoto (LCD) ganha e Bethuel Pakalitha Mosisili assume o cargo de primeiro-ministro, apesar da forte contestação da oposição que alega uma evidente fraude.
A crise assume proporções gigantescas e a África do Sul e o Botsuana enviam tropas para o país, a pedido do primeiro-ministro, conseguindo controlar a situação mas a custo de mais de uma centena de mortos.
E este é o contexto geral do Lesoto, acrescido da morte do comandante das forças militares em Setembro de 2017, que a SADC e o seu OCPDS querem acabar de uma vez por todas, estando Angola e a África do Sul, que lideram estas duas organizações, a gerir a situação e os planos em curso para isso, incluindo a presença militar no reino.
Madagáscar: Chissano para resolver
Madagáscar, a atravessar mais um episódio de violência nas ruas de Antananarivo, esteve igualmente sob foco da SADC e do seu OCPDS, em Luanda, devido aos confrontos dos últimos dias, onde as forças de segurança reagiram em força contra manifestantes que protestavam contra alterações à lei eleitoral propostas pelo poder.
Os manifestantes, ligados à oposição, acusam o Presidente Hery Rajaonarimampianina de pretender, com alterações à Lei Eleitoral, condicionar a oposição e facilitar a sua reeleição.
Para mostrar o empenho da SADC neste foco de tensão na região austral, o antigo Presidente moçambicano Joaquim Chissano foi indicado como enviado especial da para acompanhar, com urgência, a situação em Madagáscar.
No comunicado da Cimeira de Luanda é dito que foi analisada "a evolução dos acontecimentos na República de Madagáscar", tendo condenado a perda de vidas e a destruição de bens, saindo de Luanda um forte apelo ao Governo e aos partidos políticos para se "pautarem pela calma e para agirem com contenção e tomar medidas para evitar a escalada das tensões políticas e ameaças à segurança".
Joaquim Chissano leva como missão para Antananarivo "facilitar a realização do diálogo nacional com vista a desanuviar as tensões políticas e viabilizar o alcance de consenso sobre o processo eleitoral", contando com o apoio do líder do OCPDS, João Lourenço, para dar corpo à missão.