Sob o título “Os pecados da gestão da Saúde em Angola”, Luís Bernardino denuncia, nas páginas da edição n.º 427 do Novo Jornal – publicada a 15 de Abril e ainda nas bancas –, como a nossa “cultura administrativa e de negócios” está a causar “a morte excessiva e injusta das nossas crianças”.
Segundo o ex-director do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde em Março se registou uma média de 15 óbitos por dia, “em toda a parte há indícios da preocupação em comprar e recomprar, mas descura-se a sustentabilidade e qualidade dos serviços”.
Por isso, “encontram-se equipamentos caríssimos montados há anos, mas nunca utilizados; vê-se um hospital municipal com equipamento de endoscopia digestiva próprio de um hospital universitário”, da mesma forma que se encontra “um hospital equipado com material chinês que é, no ano seguinte, completamente substituído por material que tenha assistência técnica”.
De volta aos “anos de brasa” dos negócios da Saúde – pouco depois da conquista da Paz – o médico revela o que conseguiu apurar sobre o Pediátrico David Bernardino. “Foram gastos, só para informatização, mais de dois milhões de dólares, embora o recenseamento que mandei fazer do material instalado não ultrapassasse os 300 mil dólares”.
Apesar de ter denunciado o facto, “em carta ao ministro”, Luís Bernardino desconhece o desfecho do processo.
“Fui ouvido mais tarde, num inquérito mandado realizar sobre esta matéria, e fui informado que se apuraram responsabilidades…mas, como era de prever, nada transpareceu”.
O médico nota também que nunca recebeu, da parte dos responsáveis do Ministério da Saúde, apoio a iniciativas que aliviavam os encargos do Estado. São disso exemplo as “doações que pagaram inteiramente a reabilitação de uma enfermaria de Cuidados Intermédios, a construção de um Centro de Apoio à Drepanocitose, a construção de uma Enfermaria de Neonatologia com Mãe acompanhante e a adaptação e equipamento da área da Urgência”.
“Projectos orçamentados não são bem-vindos”
A partir desta experiência, Luís Bernardino aponta: “Compreendi que projectos orçamentados, submetidos ou não a concurso, com uma descrição detalhada dos custos, não são bem-vindos. A via habitual é invocar uma necessidade geral e obter um financiamento”.
A lógica, sublinha o médico, contou a determinada altura com a ‘ajuda internacional’.
“Segundo me foi informado por uma alta responsável do Ministério da Saúde, banqueiros estrangeiros – que vinham ao país saber das necessidades dos hospitais – ofereciam empréstimos aos órgãos das Finanças, que apenas exigiam declarações dos directores das instituições em como os equipamentos eram necessários”.
O ex-director do Hospital Pediátrico ressalva que ignora o desfecho dessas iniciativas, mas contribui com mais um dado: “Algum tempo depois, o referido banqueiro perguntou a uma compatriota “por que razão eu não tinha colaborado”.
Apesar desta realidade, “os ministérios, os seus directores nacionais e a esmagadora maioria dos detentores de cargos públicos dão dos problemas de saúde a imagem de que tudo está bem, que os progressos são constantes”, lamenta Luís Bernadino, ‘destapando’ uma série de práticas reiteradas.
“Ocultam-se os problemas por duas razões: para alardear competência individual no exercício do seu cargo; para fazer a propaganda do Executivo junto da população e dar matéria para as notícias e editoriais dos mídias controlados pelo Governo”.
Contudo, sublinha o especialista, “este ano, tragicamente, a muita chuva veio lembrar que o problema da malária, dos mosquitos, das águas paradas e do uso dos mosquiteiros está longe de ser resolvido, e que manipular números ao sabor da propaganda e oportunismo políticos, só atrasa a solução dos problemas”.