As estimativas do Escritório das Nações Unidas para Gestão das Crises Humanitárias (UNOCHA) apontam para quase 700 mil crianças a carecer de ajuda no sul de Angola devido à prolongada seca, das quais mais de 100 mil em risco de desnutrição severa, num universo superior a 1,5 milhões de pessoas afectadas, sendo as províncias do Cunene, Kuando Kubango, Huíla e Namibe as mais afectadas.
Nos últimos anos, diversas agências das Nações Unidas mantém equipas no local a acompanhar a situação, mas entre 2016 e este ano, acentuou-se o problema, como, de resto, sucedeu em toda a África Austral, como o Novo Jornal Online tem vindo a noticiar.
Para além do impacto directo da seca na vida das pessoas, escassez de alimentos, de água potável, e as doenças conexas a esta realidade, apresentam-se ainda efeitos de médio prazo aos quais urge atender, como seja a interrupção, por exemplo, do ciclo das sementeiras, onde os camponeses acabam por consumir as sementes do ano seguinte devido à ausência de alternativas para alimentar as famílias e, em muitos casos, os próprios animais, que acabam por morrer à fome e à sede.
Para atacar este problema, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), agência das Nações Unidas criada para apoiar projectos de recuperação de áreas agrícolas afectadas por crises, sejam elas climatéricas ou de natureza político-social, e o Governo, vão iniciar um conjunto de projectos, que se prevê que vão durar quatro anos a cinco anos, para minimizar o impacto da seca no sul de Angola.
Em cima da mesa está o arranque de dois projectos no valor de 50 milhões de dólares, um, o ARP, destinado a apoiar as infra-estruturas agrícolas e um segundo, denominado SAMAP, para apoiar a agricultura familiar e as linhas de comercialização de produtos.
Para a assinatura destes dois projectos, que terá lugar hoje, está em Luanda o presidente da FIDA, Gilbert Houngbo, que vai estar durante pouco mais de 48 horas em Angola para se inteirar da situação que o país atravessa, estando previsto um encontro com o Presidente da República, João Lourenço, como vice-Presidente e ainda com os ministros das Finanças e da Agricultura e Florestas, entre outros membros do Executivo e organismos estatais.
"A agricultura e a agroindústria têm grande potencial para proporcionar empregos e meios de subsistência," disse Houngbo antes de chegar a Angola, citado por uma nota da FIDA enviada ao Novo Jornal Online, que acrescenta: "Precisamos proporcionar investimento e apoio para ajudar os jovens a encontrar empregos. O empoderamento dos jovens rurais pode ser um catalisador para concretizar a agenda global de desenvolvimento e precisamos da energia, força e criatividade dos jovens para impulsionar a transformação rural e construir sistemas de alimentação sustentáveis."
Uma das questões que o FIDA pretende abordar nesta visita do seu presidente a Angola é o que pode ser feito para alterar a situação actual, onde a esmagadora maioria da população tem na agricultura de subsistência a sua ocupação, quase 45 por cento da população, sendo o país altamente deficitária na produção de alimentos e com baixo índice no que respeita à segurança alimentar.
Sendo certo que o Governo pretende apostar na agricultura como um dos sectores que pode libertar o país da dependência do petróleo e no esforço para poupar no esvaziamento de divisas dos cofres nacionais, a verdade é que os números actuais ainda estão longe de se aproximarem desse objectivo, representando pouco mais de um décimo do PIB nacional, apesar de a ONU e as suas agências especializadas, como o FIDA, entenderem que o potencial do país está longe de ser razoavelmente aproveitado nesta área da economia nacional.
Com um desemprego galopante, especialmente fora dos grandes centros urbanos, apostar na agricultura como fonte geradora de emprego para os jovens é outra das prioridades dos projectos que vão ser apoiados pelo FIDA, uma agência criado na década de 1970 com o objectivo de centralizar parte do esforço global para combater a fome e a insegurança alimentar nos países menos favorecidos.
Ao longo das últimas três décadas, esta agência da ONU já apoiou projectos orçados em quase 150 milhões de dólares, abrangendo mais de 260 mil famílias, tendo investido directamente 82 milhões.
Seca, um problema austral e a alastrar
A África Austral atravessa uma das mais dramáticas secas do último século, e apesar da forte incidência também no sul de Angola, a Cidade do Cabo (Cape Town), um dos principais destinos turísticos da África do Sul, corre o risco de entrar na história como a primeira grande cidade mundial a ficar sem pingo de água nas torneiras. A contagem decrescente para o colapso já começou.
Segundo os cálculos dos técnicos sul-africanos e da câmara municipal da Cidade do Cabo, esta urbe, que alberga quase 4 milhões de pessoas, corre o risco de ficar sem uma gota de água nas torneiras e os reservatórios que a abastecem transformados em poços de poeira e lama pela simples, mas dramática, razão de que não chove uma pinga há mais de três anos consecutivos.
Como o Novo Jornal Online tem noticiado ao longo dos últimos meses, a África Austral atravessa uma prolongada e severa seca, que já é considerada como uma das mais agressivas no último século, com áreas de calamidade declaradas pelos governos dos países afectados, como é o caso da Namíbia, do Zimbabué, Botsuana ou da África do Sul, cujos prejuízos na agricultura já ascendem às dezenas de milhões de dólares.
"El Nino" e "La Nina", os maus da fita
Por detrás desta tragédia que evolui lentamente em toda a África Austral e que já está a colocar cerca de 30 milhões de pessoas em risco directo e a necessitar de ajuda urgente, estão os já bem conhecidos fenómenos meteorológicos "El Nino" e "La Nina".
De uma forma simplificada pode-se explicar estes dois fenómenos como estando intrinsecamente ligados porque o primeiro consiste no aquecimento das águas no Oceano Pacífico e a segunda é o efeito contrário, o arrefecimento, que gera, em contacto com a atmosfera, forte influência nas massas de ar que circundam o planeta, gerando fortes chuvas numas regiões e seca noutras.
Estes dois fenómenos meteorológicos são responsáveis pela prolongada seca na África austral, mas têm igualmente efeitos trágicos noutras regiões do continente, como o Corno de África, por exemplo, e resultam das alterações climáticas provocadas pela poluição atmosférica e a emissão de gases com efeito de estufa, quase na generalidade produzidos pela actividade humana.
O que se passa actualmente na cidade do extremo sul da África do Sul, Cape Town, é um dos efeitos mais visíveis deste cenário e, devido ao elevado número de pessoas que nela residem, a segunda maior e mais habitada do país logo a seguir a Joanesburgo, pode vir a ser palco de uma situação dramática, possivelmente nunca vista.
Isso mesmo admitem as autoridades locais, como é o caso da presidente da câmara (Mayor) de Cape Town, Patricia de Lille, que acaba de fazer aprovar medidas drásticas de controlo de consumo, acompanhadas de uma intensa campanha de sensibilização, que contempla uma espécie de relógio que marca o tempo que falta para o colapso total.
A situação está a ser levada tão a sério, face ao dramatismo atingido, que a municipalidade criou um mapa online onde os habitantes podem consultar os hábitos de consumo dos seus vizinhos, através dos registos dos serviços municipais disponibilizados na plataforma digital, podendo desta forma apontar-lhes o dedo pela sua eventual irresponsabilidade.
Ajuda internacional
No contexto da África Austral, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), estima que o conjunto dos países mais afectadas necessitem de muitas centenas de milhões de dólares em ajuda distribuída por vários segmentos, desde a compra de sementes para relançar as culturas quando regressarem as condições, para socorrer as pessoas com necessidade imediata, para levar água e alimentos às regiões em maior dificuldade e para apoiar os governos a desenhar planos para prevenir futuras situações semalhentes.
Na primeira linha das transformações necessárias para prevenir secas deste género no futuro, estão a construção de diques e barragens, estudar alterações das culturas agrícolas tradicionais por outras mais resistentes á falta de água, avançar para campanhas de sensibilização adaptadas às culturas sociais locais para melhorar a forma de consumir a água disponível, criar sistemas de armazenamento de sementes, etc.