A OMS considerou desnecessária uma terceira dose de reforço da vacina contra a covid-19, que alguns países admitem dar, numa conferência de imprensa "online", a partir da sede da organização em Genebra, em que voltou a condenar a falta de solidariedade mundial, frisando que não há dados científicos que indiquem ser necessária uma dose de reforço.

"Se a solidariedade não está a funcionar só encontro uma palavra para isso, a ganância", afirmou o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

"Não percebemos porque é que o mundo não está a partilhar as vacinas, porque isso seria do interesse de todos", disse, acrescentando que é "decepcionante" aquilo a que se assiste, com países a dizerem que querem comprar vacinas, que têm dinheiro, e onde as vacinas não chegam.

Tedros Adhanom Ghebreyesus afirmou igualmente que os países do G20 (maiores economias do mundo) podiam fazer mais na questão das vacinas e que deviam assumir essa liderança.

E alertou que podem estar enganados os países que já vacinaram a população e se julgam seguros.

"Quando acham que está tudo bem ignorar o resto do mundo e o vírus contínua a circular, isso prolonga a agonia do mundo", disse, acrescentando que era possível acabar rapidamente com a pandemia de covid-19, porque há ferramentas para tal, assim o mundo fizesse por isso.

Ann Lindstrand, uma das responsáveis da OMS pela supervisão da vacinação contra o novo coronavírus, também aconselhou os países que consideram fazer a administração de uma terceira dose a pensarem numa perspectiva global e entregarem essas doses a países que ainda não começaram a vacinação.

Também Soumya Swaminathan, cientista chefe da OMS, alertou que há pessoas a pensar misturar vacinas e disse que há ainda pouca informação sobre os efeitos (só está estudado o uso da vacina AstraZeneca seguida da Pfizer) e que tal pode resultar numa "situação caótica".

Há quatro países que querem fazer esse reforço e isso exige mais 800 milhões de vacinas, disse a responsável, salientando também que não há evidência científica de que esse reforço seja necessário.

"Pode ser necessário um reforço, dentro de um ou dois anos, mas a seis meses não temos indicações", acrescentou a cientista chefe, pedindo aos países para que não se baseiem em declarações das empresas farmacêuticas, que dizem que agora é necessária uma terceira dose de reforço.

Michael Ryan, director executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, também disse que uma terceira dose de reforço da vacina não será agora e criticou aqueles que não querem só a fatia maior de um bolo, mas sim o bolo inteiro.

As vacinas, assinalou, devem ser dadas prioritariamente aos trabalhadores da saúde e às populações mais vulneráveis, porque há uma crise global e é o momento de proteger essas populações mais vulneráveis.

O director da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus lembra que se a variante delta se espalha rapidamente em países com elevada cobertura vacinal, em países onde as vacinas não chegam a situação é "particularmente má", falando em "ondas catastróficas de casos" de covid-19, em "surtos devastadores" e em "trabalhadores da saúde exaustos" e com falta de equipamentos, em países pobres.

"O mundo está a observar em tempo real como o vírus covid-19 continua a mudar e a tornar-se mais transmissível. A minha mensagem de hoje é que estamos a passar por uma emergência de saúde pública cada vez mais grave que ameaça ainda mais vidas, meios de subsistência e uma sólida recuperação económica global", disse na conferência de imprensa.

Tedros Adhanom Ghebreyesus disse também que as vacinas da Moderna e da Pfizer, em vez de darem prioridade a países com cobertura alta de vacinação deviam fornecer vacinas ao mecanismo COVAX (iniciativa de distribuição equitativa e global de vacinas) a África e aos países pobres, com poucas vacinas ainda.

E frisou que são precisos novos centros de fabrico de vacinas e que as empresas farmacêuticas devem partilhar as suas licenças e tecnologia, salientando o exemplo da AstraZeneca, que tem liderado o licenciamento das suas vacinas em todo o mundo para aumentar a produção.

Além da Europa, Índia e Coreia do Sul, vai haver mais dois locais de fabrico da vacina da AstraZeneca, Japão e Austrália, disse. E acrescentou: "Precisamos que outros fabricantes sigam este exemplo. Milhares de pessoas continuam a morrer todos os dias e isso merece uma acção urgente".

Apesar do aumento da prevalência da variante delta da covid-19, mais transmissível, responsáveis da OMS disseram hoje na conferência de imprensa que as vacinas são eficazes e que evitam a hospitalização e mortes. Mas também disseram que há uma "lacuna" entre a retórica e a distribuição de vacinas no mundo e que não se vê solidariedade.

A pandemia de covid-19 provocou mais de quatro milhões de mortes em todo o mundo, entre mais de 186 milhões de casos de infecção.