A queda registada de 26 lugares, numa lista de 180 países, de 99 em 2022 para 125 em 2023, é resultado da deterioração de alguns factores considerados na análise, como a segurança dos jornalistas, a pressão política, a ausência de pluralidade e a fragilidade social.

Nos determinantes para este resultado claramente negativo, a 21ª edição deste ranking dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) destaca a hegemonia dos media estatais, a censura e a autocensura dos profissionais e o contexto político, apontando a inconsequência da abertura preconizada em 2017, aquando da chegada de João Lourenço ao poder.

Os RSF enfatizam a questão política, um dos indicadores considerados para este ranking, e onde Angola desce 37 lugares entre 2022 e 2023, como sendo fulcral, apontando que o partido no poder tem uma presença avassaladora nos media, "especialmente na Televisão Pública de Angola (TPA), e muitos pedidos de licença estão pendentes no Ministério das Telecomunicações, acusado de obstruir as iniciativas de pessoas ou grupos de fora do governo".

"O acesso a informações públicas e fontes governamentais é difícil, e a censura e a autocensura continuam presentes", atira ainda este documento dos RSF divulgado hoje, quarta-feira, 03 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, acrescentando que, "após 40 anos do clã Dos Santos no governo, a chegada de João Lourenço à presidência, em setembro de 2017, não marcou um ponto de virada para a liberdade de imprensa. A censura e o controle da informação ainda pesam muito sobre os jornalistas angolanos".

No capítulo do cenário mediático do pais, o relatório nota que este é "marcado pela predominância dos media estatais", enfatizando que "das cerca de 120 estações de rádio, apenas vinte são privadas e apenas duas são consideradas independentes: a Rádio Eclesia, ligada à Igreja Católica, e a Rádio MFM".

Avança ainda o documento que "existem três canais de TV públicos e alguns privados. Em 2020, os dois veículos privados TV Zimbo e Palanca TV passaram a ser controlados pelo governo. Dos muitos jornais privados que surgiram com o advento da política multipartidária em 1992, apenas quatro ainda existem em versão impressa".

Quanto ao quadro jurídico, a ONG lembra que "uma série de leis aprovadas em 2016 exige que aos media do sector audiovisual que transmitam os pronunciamentos oficiais do Presidente. Ainda se espera pela descriminalização dos delitos de imprensa, exigida pelos profissionais do sector", notando, porém, que "há sinais encorajadores"

Quanto à vertente económica, os RSF sublinham que "nos últimos anos, muitos jornais faliram depois de serem comprados por pessoas ligadas ao partido no poder, outros não sobreviveram devido a dificuldades financeiras. Os custos exorbitantes das licenças de rádio e televisão constituem um freio ao pluralismo".

E no que toca à segurança dos profissionais, este relatório que sustenta a 21ª edição do ranking mundial da liberdade de imprensa, diz que "ainda é comum que jornalistas sejam alvo de processos e, às vezes, sujeitos a condenações muito pesadas quando realizam investigações que abordam a governança e o judiciário".

Na mundo, a lista é ocupada nos nove primeiros lugares, pela Noruega, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Países Baixos, Lituânia, Estónia e Portugal. No fim da lista estão Vietname, China e a Coreia do Norte.

Sobre algumas especiosidades deste documento, Christophe Deloire, o secretário da ONG fundada em 1985, em França, que pugna desde então pela liberdade de imprensa em todo o mundo, nota a "grande volatilidade de casos, com subidas e descidas e mudanças sem precedentes" destacando a subida dos 18 lugares do Brasil e a descida de 31 lugares do Senegal.

A justificação passa pelo "aumento da agressividade" em muitos governos e a claramente em crescendo agressividade para com o exercício do jornalismo em todas as suas formas, procurando formas cada vez mais óbvias de controlo e manipulação dos profissionais do sector.

Acrescenta ainda que "a volatilidade é uma consequência directa da crescente indústria das notícias falsas".

Em Angola, como é cada vez mais notório, cresce o número de sites criados unicamente com o propósito de espalhar desinformação e ou a subsistirem unicamente do recurso ao "copy paste" dos media com redacções profissionais, como o Novo Jornal, que todos os dias são prejudicadas por este "garimpo".

Apesar deste fenómeno ser bem conhecido, os organismos de regulação, como a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), ou mesmo o Ministério da Comunicação Social, mostram-se incapazes de dar uma resposta adequada.

SE, por um lado, a situação em Angola é preocupante, no mundo não parece estar melhor, porque uma das notas salientes deste ranking 2023 sobre a liberdade de imprensa é que "a situação é muito séria" em 31 países, difícil em 42, problemática em 55 e apenas boa ou satisfatória em 52.

O que se traduz por uma percentagem assustadora de sete em cada dez países estarem em muito mau estado no que respeita ao exercício do jornalismo.

No que diz respeito especificamente ao continente africano, considerado pelos RSF um "continente de alto risco para os jornalistas", a desinformação continua a espalhar-se a grande velocidade, especialmente na África subsaariana.

Não parece haver limites para a pressão governamental de todos os tipos sobre os jornalistas nos países a viverem conflitos ou em convulsão política e social.

No entanto, esta ONG sublinha a censura exercida em países como o Mali e o Burquina Faso sobre alguns media, especialmente os franceses France 24 e RFI, mas não faz qualquer referência ao facto de a Comissão Europeia, que é um órgão não-eleito na União Europeia, ter imposto como política oficial dos 27 a censura a todos os media russos, como a Rússia Today ou a Sputnik News.

Nos países lusófonos, além da queda acentuada de Angola e de Portugal, Cabo Verde perde igualmente, passando de 33º para 36ª, mas já Timor Leste sobe de 17 para 10º lugar, a Guiné-Bissau passa para 78º, mais 14 lugares, e o Brasil perde também 14, para 92º.

Moçambique, que em 2022 estava em 116º, subiu quatro lugares enquanto a Guiné Equatorial ganha 21 posições, para 120º lugar.