De acordo com os dados apresentados, a proporção de pessoas afectadas pela fome vinha praticamente inalterada desde 2015, próxima dos 8% da população global. Com a crise de saúde e a guerra na Ucrânia, o número galgou nos últimos anos e agora já afecta 9,8% das pessoas no mundo.

A edição de 2022 do relatório fornece novas evidências de que o mundo está a afastar-se, cada vez mais, do objectivo de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição até 2030.

O documento foi feito em parceria pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) Programa Mundial de Alimentos (PM), e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a escala de insegurança alimentar, fome é definida como "privação alimentar". Já insegurança alimentar moderada é quando as pessoas enfrentam incertezas sobre a sua capacidade de obter alimentos e foram forçadas a reduzir a qualidade ou quantidade de alimentos. A insegurança alimentar severa é quando as pessoas ficam sem comida por um ou mais dias.

O director executivo do PMA, David Beasley, afirma que existe um perigo real de que esses números subam ainda mais nos próximos meses. Ele avalia que os picos globais de preços de alimentos, combustíveis e fertilizantes, agravados pela crise na Ucrânia, ameaçam levar países ao redor do mundo à fome.

Para Beasley, o resultado será a desestabilização global, fome e migração em massa numa escala sem precedentes.

Além da parcela da população que sofre com a fome, cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo, ou 29,3% da população global, estavam em insegurança alimentar moderada ou grave em 2021. O valor é de 350 milhões a mais em comparação com antes do surto da pandemia de Covid-19.

Os resultados do relatório também apontam que quase 924 milhões de pessoas (11,7% da população global) enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos.

Preço dos alimentos

Segundo o mesmo relatório, quase 3,1 bilhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável em 2020, 112 milhões a mais que em 2019, reflectindo os efeitos da inflação nos preços dos alimentos ao consumidor decorrentes dos impactos económicos da pandemia de Covid-19.

A disparidade de género na insegurança alimentar continuou a aumentar em 2021: 31,9% das mulheres no mundo sofrem com a insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com 27,6% dos homens.

A estimativa apresentada no relatório é que 45 milhões de crianças menores de cinco anos sofriam definhamento, a forma mais mortal de desnutrição, o que aumenta o risco de morte das crianças em até 12 vezes.

Além disso, 149 milhões de crianças com menos de cinco anos tiveram crescimento e desenvolvimento atrofiados devido à falta crónica de nutrientes essenciais nas suas dietas, enquanto 39 milhões estavam acima do peso.

O relatório aponta progressos no aleitamento materno exclusivo, com quase 44% dos bebés com menos de seis meses de idade exclusivamente amamentados em todo o mundo em 2020. A meta para 2030 é atingir os 50%.

No entanto, duas em cada três crianças não recebem uma dieta mínima diversificada que precisam para crescer e desenvolver todo o seu potencial.

A directora executiva do Fundo de Infância das Nações Unidas, Catherine Russell, afirma que a escala "sem precedentes" da crise de desnutrição exige uma resposta a altura.

Para ela, os esforços para garantir que as crianças mais vulneráveis tenham acesso a dietas nutritivas, seguras e acessíveis devem ser redobrados, assim como os serviços para a prevenção precoce, detecção e tratamento da desnutrição.

Futuro e crises actuais

Olhando para o futuro, as projeções do relatório são de que cerca de 670 milhões de pessoas, 8% da população mundial, ainda enfrentarão fome em 2030 mesmo que uma recuperação económica global seja levada em consideração.

O número volta aos patamares de 2015, quando a meta de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição até o final desta década foi lançada na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

No prefácio da publicação, assinado pelos líderes das agências que trabalharam no estudo, é destacado que a os principais factores de insegurança alimentar e desnutrição são conflitos, extremos climáticos e choques económicos, combinados com crescentes desigualdades.

Para eles, a questão não é se as adversidades continuarão a ocorrer ou não, mas quais devem ser as medidas mais ousadas para construir resiliência contra choques futuros.