Como é que caracteriza, hoje, o sistema judicial do País, quando olha para a crise institucional entre o Tribunal Supremo e Constitucional sobre o caso 500 milhões de dólares?
Está em curso um processo de reorganização e funcionamento dos tribunais que teve o seu início em 2015, com a aprovação da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, Lei Orgânica da Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, que aprovou um novo mapa e modelo de organização e funcionamento dos Tribunais. Esta lei substituiu a Lei 18/88, de 31 de Dezembro, Lei do Sistema Unificado de Justiça. Posteriormente, foi aprovada a Lei Orgânica dos Tribunais da Relação, Lei n.º 1/16, de 10 de Fevereiro.
Em 2022, a Assembleia Nacional aprovou uma actualização dos diplomas que mencionei, nomeadamente, a Lei Orgânica da Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum (Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto), a Lei Orgânica dos Tribunais da Relação (Lei n.º 3/22, de 17 de Março), a Lei Orgânica do Tribunal Supremo (Lei n.º 2/22, de 17 de Março) e a Lei das Secretarias Judiciais e Administrativas (Lei n.º 4/22, de 17 de Março).
Existem ainda outras leis por aprovar?
Neste processo de reforma dos tribunais de jurisdição comum, está para ser aprovada a Lei sobre o Conselho Superior da Magistratura Judicial, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e o seu Estatuto Remuneratório e o Regime Jurídico das Carreiras dos Oficiais e Técnicos de Justiça dos Tribunais Comuns.
Em curso, está a aprovação da nova Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, a Lei do Processo Constitucional e a Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas.
O mesmo se passa em relação à Procuradoria-geral da República que aguarda pela aprovação da sua nova Lei Orgânica, do seu Estatuto e Estatuto Remuneratório, assim como da nova Lei do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público. Aguarda, igualmente, a aprovação do modelo de formação e superação contínua dos operadores judiciais e a implementação do modelo tecnológico dos tribunais. Como pode verificar, há um trabalho profundo de reorganização do sistema judicial que vai, ainda, encontrando alguns percalços pelo caminho.
No entanto, considero o que aconteceu entre os dois Tribunais Superiores um acidente grave de percurso que será resolvido institucionalmente.
Está-se mais diante de um acórdão político do Tribunal Supremo ou de alegadas "ordens superiores"?
Não há Acórdãos políticos, nem acredito que existam "ordens superiores". Prefiro acreditar que estamos perante uma questão de interpretação das leis e até de percepção do papel dos Tribunais no sistema judicial do País.
Os Tribunais de Jurisdição Comum entendem, às vezes, que as suas decisões não podem nem devem ser postas em dúvida, mas este não é o modelo constitucional de sistema judicial angolano. Aqui temos, felizmente, um Tribunal Constitucional que, para além de ser o guardião da Constituição, é também o guardião da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. Estas são as regras do nosso Estado Constitucional e que por força do artigo 6.º da Constituição se determina que o Estado subordina-se à Constituição e, por esse motivo, às leis, tratados e demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e dos entes públicos, em geral, só são válidos se forem conformes à Constituição.
Diz a nossa Lei Fundamental no seu artigo 105.º que "a formação, a composição e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição". Assim, o Tribunal Constitucional, o Tribunal Supremo, todos os tribunais e demais órgãos do Estado têm de agir em conformidade com as competências que lhes estão atribuídas pela Constituição. Esta é a essência do princípio da Reserva da Constituição.
No caso concreto do chamado "Processo dos 500 milhões", parece-me existir uma dificuldade em entender-se o que são os recursos de inconstitucionalidade e os seus efeitos, quer seja o recurso ordinário de inconstitucionalidade, quer seja o recurso extraordinário de inconstitucionalidade. Este último assemelha-se ao Recurso de Amparo. Julgo que há necessidade de se fazer mais pedagogia em relação à matéria ligada ao contencioso constitucional.
De acordo com a Constituição, ninguém pode ser julgado mais de duas vezes pelo mesmo facto.
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