Domingos Fingo, que tem trabalhado no terreno, em conjunto com a Amnistia Internacional e com outras organizações, disse à Lusa, por telefone, que a seca "está a criar situações extremamente embaraçosas para as famílias pastoris, já que elas são vulneráveis".
O director-executivo da ONG criticou a posição do Governo angolano, acusando-o de não garantir um "aproveitamento racional das águas".
"O problema é que o início da fome se agrava na medida em que não há políticas públicas por parte do nosso Governo susceptíveis de garantirem o aproveitamento racional das águas pluviométricas. De facto, tem havido secas cíclicas, mas não significa que durante um ano inteiro não haja queda de chuvas", apontou.
Nesse sentido, Domingos Fingo refere que, "caso houvesse programas concretos" do Governo para o aproveitamento "de todas as águas pluviométricas" e de "águas freáticas" através de represas ou de outras formas de reter as águas.
"Obviamente que haveria a possibilidade da prática da agricultura familiar, e havendo a prática de agricultura familiar, nós nunca teríamos, em nenhum momento, um impacto tão negativo desta seca"
Para o director da ACC, a "hecatombe social" que se vive no sul de Angola poderia ter sido evitada através desses mecanismos, que possibilitariam a "irrigação de hortas comunitárias e o fortalecimento da fruticultura".
Para Domingos Fingo, o Governo deve declarar o estado de emergência para a região sul do país.
"O que eu desejaria, muito sinceramente, era que o executivo angolano declarasse o estado de emergência para possibilitar a recuperação destas famílias", apontou, acrescentando que a situação se vai agravar "até lá para setembro ou outubro".
"Neste momento o Governo deve criar todas as condições para garantir, no mínimo dos mínimos, uma refeição por dia a cada família", reforçou.
Já o padre e sociólogo Jacinto Pio Wacussanga, disse à Lusa que há uma perspectiva de se estar a "correr atrás do prejuízo".
"As secas passaram a ser recorrentes em 2012. Antes nós tínhamos uma seca de sete em sete anos, de dez em dez anos. Agora não. Ora um ano podemos ter alguma chuva, ou então temos seca. Então desde 2012 que as pessoas perderam as reservas alimentares, e é por essa razão que nós estamos nesta situação", disse, também à Lusa.
Jacinto Pio Wacussanga sublinhou que "é obrigação de um Governo cumprir com o chamado direito humano à alimentação adequada".
Para o sociólogo, natural da província de Huíla e que tem estado diariamente com pastores e suas famílias, o executivo angolano "ainda não tem uma estratégia muito clara" nesse aspeto, tendo afirmado que a Estratégia Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional está "desajustada para a actual situação".
Num relatório divulgado na quarta-feira, a Amnistia Internacional referiu que milhões de pessoas estão em risco de vida e muitas já abandonaram as suas casas no sul de Angola devido à seca agravada pelas alterações climáticas e que está a atingir a região.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a falta de chuva entre novembro de 2020 a janeiro de 2021 resultou na pior seca dos últimos 40 anos.
As autoridades da Namíbia registaram um total de 894 angolanos nas regiões de Omusati e Kunene em março de 2021, após os relatos de um grande número de famílias pastorícias das províncias de Huíla e Cunene que abandonaram as suas casas à procuram de refugiu no norte do país vizinho.
Em maio de 2021, ONG"s angolanas relataram que mais de sete mil angolanos, principalmente mulheres com filhos, tinham fugido para a Namíbia, e que o número ainda estava a aumentar.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) referiu que "a frequência e intensidade das secas aumentou em algumas regiões", incluindo na África Austral desde os níveis pré-industriais devido ao aquecimento global e que "a frequência e intensidade das secas estão projectadas para aumentar particularmente na região do Mediterrâneo e na África Austral".
Em maio de 2021, o Programa Alimentar Mundial (PAM) estimava que seis milhões de pessoas em Angola tinham alimentos insuficientes, principalmente no sul do país e que mais de 15 milhões utilizavam estratégias de sobrevivência baseadas em crises ou emergências, como economizar ou reduzir despesas não alimentares.