Em declarações ao Novo Jornal Online, uma fonte ligada às agências humanitárias das Nações Unidas que trabalham para proporcionar o "conforto possível" aos milhares de refugiados oriundos das províncias congolesas-democráticas Kasai e Kasai Central, usualmente tratadas por Grand Kasai, admitiu a resistência destes em regressar a casa, apesar das garantias das autoridades de que estão criadas condições de segurança para o efeito, gerou alguma surpresa.

Isto, porque, "apesar de estarem a melhorar gradualmente, as condições nos campos de acolhimento criados pelas autoridades angolanas, com apoio das agências das Nações Unidas - UNICEF, ACNUR... -, estas não eram, e continuam a não ser, as melhores", o que poderia gerar uma forte pressão nas pessoas para voltarem ao relativo conforto das suas casas, de onde fugiram devido à pressão da violência exercida pelas milícias de Kamwina Nsapu.

O que gerou a violência?

Recorde-se que a violência disparou em meados de 2016 devido à sublevação protagonizada pelo Kamwina Nsapu (chefe tradicional) da região de Kananga, capital do Kasai Central, contra as autoridades de Kinshasa devido a um alegado desrespeito da sua autoridade.

O Kamwina Nsapu, na RDC, ao contrário das autoridades tradicionais em Angola, cujo poder é de origem na tradição, tem poderes regulados pela lei e exerce-os. E foi esse poder que o Governo central pretendeu retirar a este chefe tradicional da área de Kananga que levou à sua sublevação.

E foi no contexto dessa revolta que foi morto pelas forças de segurança congolesas em Julho de 2016.

Desde então, uma vaga de violência perpetrada pelos seus apoiantes, a que se juntaram outras milícias, varreu toda a área geográfica que faz fronteira com a Lunda Norte, no Grand Kasai, gerando mais de 1,4 milhões de deslocados internos, mais de 3000 mortos, segundo ONG"s congolesas, centenas de aldeias e culturas destruídas pelo fogo, e cerca de 40 mil refugiados que partiram para a Lunda Norte em busca de refúgio.

A chegada de milhares de pessoas, na sua maioria crianças e idosos, que as Nações Unidas estimam serem quase 80 por cento (77%) dos refugiados congoleses nos campos de acolhimento improvisados na Lunda Norte, tendo apanhado as autoridades locais impreparadas para receber tanta gente, obrigando a um enorme esforço e às agências da ONU a erguerem uma operação humanitária de emergência.

Sujeitas a condições impróprias, inicialmente, nos campos de Mussungue e Cacanda, as coisas foram melhorando gradualmente e, bastante, depois de terem mudado, na sua maioria, para o Lóvua, a 90 km"s do Dundo, onde foi erguido um campo mais sólido e com melhores condições, os milhares de refugiados que ali permanecem estão agora confrontados com um dilema: regressar ou ficar.

Para já, como adiantou ao Novo Jornal Online esta fonte ligada ao esforço de acolhimento na Lunda Norte, as pessoas debatem-se com uma questão, que "não pode deixar de ser razoável", e que é: "Deixo este lugar que me garante um mínimo de conforto para partir rumo ao desconhecido em que se transformou a minha terra!?".

Isto, porque, apesar de os governos provinciais das províncias da RDC e da Lunda Norte terem assinado um acordo e de terem sido avançadas garantias de segurança, "dificilmente se pode evitar pensar que a violência está definitivamente afastada", notou a fonte.

Algumas escaramuças recentes ajudam a alimentar essas dúvidas, apesar de as coisas estarem bastante mais calmas desde que em meados de 2017 as Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) montaram um operação de larga escala, com milhares de homens envolvidos, para limpar o território das milícias de Kamwina Nsapu, mas também as de outras etnias que se organizaram para autodefesa, como foi o caso dos Tchokwe, que partilham territórios em ambos os países.

E o sinal que as autoridades dão, como foi a reabertura da fronteira entre a Lunda Norte e a RDC, um ano depois desta ter sido fechada devido à insegurança e ao enorme fluxo de pessoas que fugiam da violência, no dia 31 de Março, é que as coisas estão a melhorar.

O problema das eleições

Isto, porque a permanência da situação e a volatilidade normal nestas circunstâncias não permitiam a realização das eleições presidenciais que estão marcadas para 23 de Dezembro deste ano, e era preciso responder às exigências da comunidade internacional no sentido de que o pleito decorra sem máculas.

Ora, segundo esta fonte do Novo Jornal Online, que, por razões evidentes, preferiu o anonimato, as eleições deste ano na RDC são uma das razões para a resiliência que as pessoas, especialmente marcada nas mulheres, que são a maioria, mostram em regressar, porque todos os processos eleitorais no país vizinho, redundaram em violência ou foram motivo para focos de grave violência desde que o ditador Mobutu Sese Seko foi deposto, em 1997.

Face a esta posição, e sabendo que as suas aldeias, na maior parte, foram destruídas e escasseiam meios de subsistência, a opção está a ser claramente "ficar em Angola", onde, com esforço financeiro considerável, as autoridades locais criaram, com apoio das agências da ONU, condições mínimas de acolhimento para os cerca de 35 mil refugiados que ali ainda se encontram.

Segundo o Escritório das Nações Unidas para as Operações Humanitárias (UNOCHA), são 35 411 os refugiados congoleses com registo biométrico acolhidos na Lunda Norte, dos quais 77 por cento mulheres e crianças, dos quais 24 528 têm garantida a assistência alimentar, sendo que o planeamento interagências preparou condições para receber 50 mil até ao final do ano, devido ao potencial óbvio de tensão e conflito no Grand Kasai até ao final do ano, especialmente devido ao processo eleitoral que se aproxima do epílogo com as eleições de 23 de Dezembro.

A chegada de pessoas diminuiu de forma sólida e generalizada, até ao momento, embora as chegadas continuem a ser registadas, maioritariamente por causa de questões ligadas à reunificação familiar, nomeadamente crianças e adolescentes que ficaram para trás na confusão gerada pela fuga à violência das milícias.

Uma das inquietações das organizações humanitárias é agora garantir escola para as crianças acolhidas na Lunda Norte, tendo, para responder a essa urgência, sido criadas quatro escolas, segundo o UNOCHA, no campo de acolhimento do Lóvua, onde estão quase 14 mil pessoas, com capacidade para acolher 3 339 crianças, tanto no ensino primário como secundário.

Tudo depende do evoluir da situação na RDC

Para que esta situação seja resolvida de forma integral, vai ser necessário estabilizar a RDC e, para isso, é necessário que as eleições de Dezembro corram sem problemas e que o sucessor de Joseph Kabila, que governa o país desde 2001, possa ocupar o cargo de Presidente da República sem tumultos.

Uma das razões para as múltiplas explosões de violência na RDC, seja no Grand Kasai, seja em Kinshasa, devido a manifestações organizadas pela oposição ou pela igreja católica, todas para exigir a saída do poder de Kabila, foi a clara - embora agora menos evidente - vontade do actual Chefe de Estado, que está impedido pelo Constituição de se recandidatar a um 3º mandato, criar condições para se manter no poder.

E isso poderia suceder com uma alteração constitucional - que poderia ser justificada pela dispersa violência no país - ou com a garantia de que o seu sucessor é um homem da sua confiança.

Seja como for, só depois das eleições haverá condições para que os milhares de refugiados congoleses na Lunda Norte possam pensar com o mínimo de serenidade num regresso a casa.