Num comunicado divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (UNOCHA, sigla em inglês), entre Janeiro e Março, o UNICEF registou mais de 43 mil crianças com malnutrição, principalmente nas províncias do sul, Cunene, Huíla e Namibe.

Destas 43.578 crianças com malnutrição, o UNICEF detectou 2.500 com problemas severos de fome, tendo estas sido admitidas para tratamento alimentar de urgência.

Todavia, Segundo este documento do UNOCHA, divulgado no seu site oficial, a resposta das Nações Unidas, através das suas agências a trabalhar no terreno, está a enfrentar dificuldades acrescidas devido à falta de financiamento para a resposta humanitária que em Angola atinge os 72 por cento.

As três províncias do sul, Cunene, Huíla e Namibe são as que concentram as maiores inquietações das Nações Unidas e do Governo angolano por serem as mais afectadas pela prolongada seca, havendo, no entanto, um plano de resposta governamental para implementar até 2022 e que, entre outros investimentos, contempla a construção de barragens e condutores de água para transvases no valor de 200 milhões USD.

Actualmente em situação de emergência, declaração feita em Janeiro pelo Presidente João Lourenço, estas três províncias observam no presente um agravamento das já muito complicadas situações, segundo o mesmo relatório, por causa da persistente seca.

De acordo com o UNOCHA, o número de pessoas a carecer de ajuda de emergência passou, em Janeiro, de 250 mil para mais de 857 mil, com um sublinhado feito para a perspectiva negativa sobre a situação destas pessoas em clara deterioração.

No total, o UNOCHA estima que estejam em situação precária em matéria de alimentação mais de 2,3 milhões de pessoas, das quais 491 mil são crianças com menos de 5 anos.

Com o foco mais fino colocado no Cunene e na Huíla, as Nações Unidas, segundo dados do UNICEF, sublinham que a taxa de malnutrição global (GAM, sigla em inglês) é de 9.8 por cento e a malnutrição severa é de 3,7 por cento, o que resulta na constatação de que a situação vivida nestas duas províncias é de grande preocupação.

A resposta à seca em números e actos... e o que já se sabia

O Governo vai construir barragens nas províncias do sul de Angola que estão entre as mais ameaçadas e afectadas pela seca que há vários anos se instalou em grande parte da África Austral devido às alterações climáticas.

Há anos que se repetem os avisos para a urgência de medidas atenuadoras para as catástrofes anunciadas e, por causa de La Niña e do El Niño, o futuro adivinha-se ainda mais árido com intervalos de intensas e devastadoras cheias.

O Namibe, o Cunene, o Kuando Kubango e a Huíla estão na linha da frente do impacto das alterações climáticas que nos últimos anos provocaram a mais grave e extensa seca em 35 anos na África Austral.

Para responder a esta realidade, e depois de, em 2017, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), através do seu Departamento de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais, ter pedido aos estados-membros em risco que tomassem medidas, como a construção de represas e sistemas de armazenamento de alimentos para responder a situações de maior aperto, o Governo angolano acaba de anunciar que vai dar início a um programa de construção de barragens com esse propósito.

O ministro da Energia e Água, João Baptista Borges, anunciou que vão ser construídas duas barragens na província do Cunene, na região do Cuvelai, a mais severamente atingida pelos efeitos das alterações climáticas, seja por secas intensas ou por cheias devastadoras.

O objectivo prioritário destas represas é o armazenamento de água para os animais e para as pessoas mas podem ser ainda fontes abastecedoras de água para irrigação de campos agrícolas.

O concurso para a sua construção, adiantou Baptista Borges, será lançado em breve, estando ainda contemplado neste programa de resposta à calamidade cíclica que atinge esta região angolana, a construção de um sistema de transporte de água de zonas mais húmidas para as de maior exposição à seca.

"São soluções de engenharia que passam pela transferência de caudais de zonas com alguma abundância para zonas mais secas", explicou o ministro.

O Cunene, recorde-se, está oficialmente em situação de calamidade devido à seca e as autoridades locais e a sociedade civil tem insistido junto do Governo de Luanda para a urgência de medidas atenuadoras da situação de catástrofe natural.

Uma situação que estava prevista

O aviso já tinha sido feito em meados de 2018 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Departamento de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais da SADC: A África Austral iria atravessar, de novo, dificuldades com a falta de chuva e o sul de Angola estava no mapa das preocupações.

Entre Outubro de 2018 e meados de Janeiro deste ano, as chuvas ficaram "muito abaixo do que é normal" em vastas áreas de Angola, Zâmbia, Zimbabué, norte da Namíbia, e ainda no Botsuana, Madagáscar e na África do Sul.

Estes países, onde se juntam ainda o Lesoto e a Tanzânia, receberam, em média, nas regiões afectadas, menos de 75 por cento do que é normal em matéria de pluviosidade, apesar de algumas melhorias na parte final de Dezembro e princípio deste ano, sendo que algumas áreas foram assoladas por intensas chuvas, sendo que também esta situação é considerada pelos especialistas como anormal, causando mesmo inundações em países como o Malawi ou no norte de Moçambique.

Angola, que está este ano a registar uma pluviosidade abaixo do normal em todo o território, provocando atrasos nas culturas que podem criar problemas em várias províncias no que diz respeito à segurança alimentar das populações.

O sul registou uma acrescida preocupação devido ao acumular da falta de chuva com temperaturas bastante acima do normal, especialmente entre Outubro e Dezembro de 2018, o que provocou a destruição de algumas culturas essenciais, como o milho, entre outras.

O gado, essencial para as populações das províncias mais a sul em Angola, está igualmente a ser severamente fustigado pela falta de chuva e, por essa razão, pela escassez de alimento natural.

A este cenário, junta-se a possibilidade de as chuvas permanecerem escassas, segundo as previsões meteorológicas, e ainda a permanência de temperaturas anormalmente elevadas, pelo menos até ao mês de Março, o que poderá aumentar de forma significativa o stresse das culturas e, em algumas regiões, colocando mesmo em causa as colheitas.

La Niña e El Niño

O fenómeno meteorológico que ajudou a que a África Austral, nos últimos anos, sofresse uma das mais severas secas do último século, com o sul de Angola claramente no mapa das zonas afectadas, já estava anunciado desde meados de 2018, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).

A OMM, agência da ONU para as questões meteorológicas, criada em 1950 e que reúne alguns dos mais respeitados meteorologistas dos 191 países que a compõem, analisou os dados actuais do clima planetário e concluiu existir uma probabilidade de 70 por cento para que as consequências do El Niño se voltassem a fazer sentir a partir de finais de 2018 e nos primeiros meses deste ano

O El Niño é resultado do aquecimento das águas do Oceano Pacífico que, por sua vez, geram correntes quentes que se dirigem para vários pontos do globo, alterando a direcção dos ventos e gerando, na sua passagem, fenómenos localizados de intensas secas, como é, usualmente, o caso da África Austral, mas também de chuvas intensas, com cheias e tempestades destruidoras.

Recorde-se que entre 2015 e 2016 o mundo assistiu a uma das mais intensas e impactantes "viagens" do El Niño, produzindo catástrofes em série, sejam secas no continente africano, sejam tempestades em algumas regiões da Ásia e das Américas.

Segundo referia Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, em Setembro do ano passado, este regresso do El Niño não deverá ser de intensidade semelhante ao que ocorreu há três anos, mas "ainda assim irá provocar um impacto considerável".

Este responsável adiantou, citado pelas agências, que as alterações climáticas como um todo estão a provocar alterações ao comportamento do El Niño, mas também no fenómeno "primo" denominado La Niña, cujas dinâmicas são agora mais imprevisíveis e, nesse seguimento, também os seus resultados e impactos nas vidas das pessoas.

O La Niña opõe-se ao El Niño pela forma como evolui, resultando, não do aumento mas sim da diminuição da temperatura das águas do Pacífico, provocando, todavia, alterações em todo o mundo igualmente graves, nomeadamente nos padrões da pluviosidade e na temperatura de vastas áreas do planeta e que, segundo a OMM já está a suceder este ano.

Um dos riscos das alterações climáticas continuarem sem travão, por causa da poluição, nomeadamente dos gases com efeito de estufa e da queima de hidrocarbonetos (petróleo e gás), é que tanto o La Niña como El Niño deixem de ser fenómenos sazonais para emergirem como situações permanentes, com consequências catastróficas para a humanidade.

SADC alertou e pediu decisões rápidas e eficazes

Face a estes riscos, recorde-se, e no que mais importa especificamente para Angola, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, através do seu Departamento de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais, lançou, também em meados do ano passado, um alerta onde pedia aos países membros para providenciarem no sentido de criar stocks alimentares para ocorrer a emergências criadas pela estiagem na estão das chuvas que se aproxima, e por causa dos esperados efeitos na produção agrícola.

Domingos Gove, o moçambicano que dirige este departamento da SADC, (FANR, na sigla em inglês) desde Abril de 2018, tinha mesmo advertido, numa conferência de imprensa em Windoek, capital da Namíbia, em Agosto desse ano, que a próxima estação das chuvas (a que estamos a viver actualmente) deverá ser, mais uma vez, escassa para as necessidades agrícolas.

A África Austral vive há vários anos uma situação de prolongada seca, com picos de seca extrema em vários países, onde, por exemplo, na Namíbia ou na África do Sul, levou os respectivos governos a tomarem medidas extremas para controlar os efeitos nefastos da falta de chuva, declarando situações de calamidade e impondo regras restritivas ao consumo de água.

Por isso, Domingos Gove, em Agosto do ano passado, apelava aos agricultores da África Austral para que procurassem encontrar forma de manter em stock parte das colheitas da última campanha agrícola, não vendendo a sua produção, como forma de fazer frente às dificuldades que se avizinham, perspectivadas pelas análises dos especialistas à evolução do La Niña e do El Niño

Praga de lagarta eleva patamar das preocupações

O sul de Angola está com mais um problema em mãos que pode afectar a vida de milhares de pessoas já a passar por enormes dificuldades devido à seca: o regresso da invasão da lagarta militar, uma praga que pode devastar centenas de hectares de culturas diversas em escassas semanas.

A Spodoptera frugiperda é uma das mais temíveis inimigas das populações africanas que vivem de uma agricultura de subsistência, como é o caso de Angola, especialmente as províncias do sul, como o Cunene, onde acaba de ser dado o alerta para o regresso desta praga, na comuna do Calonga, Cuvelai, que, como o NJOnline tem noticiado, há vários anos é uma presença indesejada.

O chefe de Departamento de Vigilância Epidemiológica Animal e Vegetal do Gabinete Provincial da Agricultura do Cunene, Felipe Capitango, que está a ser feito um levantamento para se averiguar a real dimensão do problema e prestar toda a ajuda aos agricultores afectados.

Actualmente, este departamento não dispõe dos insecticidas normalmente utilizados para combater esta praga de lagarta militar que avança aos milhões sobre as culturas, desde o arroz, ao massango, passando pelo milho, demonstrando um apetite voraz por todo o tipo de cultura, quase sem inimigos naturais que possam reduzir o seu avanço sobre o sul de Angola, vindo estes "exércitos" dos países vizinhos do sul, estando já a provocar fortes estragos em países como a África do Sul ou a Namíbia, entre outros.

Só numa fazenda, depois de ter sido descoberta a sua presença há cerca de duas semanas, a Spodoptera frugiperda já destrui dezenas de hectares de milho, temendo os agricultores que, à medida que cresce em número, estes insectos possam entrar também nas culturas de massango, massambala ou mesmo o feijão.

E há uma coisa que os agricultores sabem pela experiência de outros anos: se a Spodoptera está no Cunene, também já está, ou deve estar a chegar, no Kuando Kubango e na Huíla, pelo menos.

Na África do Sul, onde a presença da lagarta militar foi detectada há duas semanas, na região do Cabo, as autoridades, como lembra o Escritório das Nações Unidas para as Emergências Humanitárias (UNOCHA), lançaram um alerta para que a sua presença seja reportada com urgência quando detectadas, mesmo aos mínimos sinais.

Isto, porque, como lembra a FAO, quando o insecto é pequeno, os tratamentos químicos têm mais eficácia, porque quando a lagarta atinge mais de 1 centímetro, esta consegue introduzir-se mais fundo, por exemplo, nos caules do milho, o que dificulta muito o seu combate.

Em média, estas invasões, quando não são combatidas devidamente, deixam um rasto de destruição de mais de 50% das colheitas das áreas afectadas, existindo mesmo informações de que essa destruição chega a ser total se as condições climatéricas forem as adequadas para a lagarta militar, que, como o NJOnline já noticiou, em África ocorre com dupla acção, porque dois tipos deste bicho se juntaram na destruição, a lagarta militar africana e a americana.

E, como estão já a sentir alguns fazendeiros do Cuvelai, nem todos os insecticidas servem para controlar, ou, pelo menos, reduzir o avanço destes "exércitos", como bem lembrou o responsável da fazenda Vanzul, António Pedro, à Angop, a quem fez saber que está a pulverizar, com insecticidas, os campos agrícolas, mas sem grandes efeitos, visto que as lagartas continuam a devorar as plantas.