Se o Delta do Níger, região que concentra as maiores reservas de petróleo da Nigéria, estivesse em paz, este país facilmente seria o maior produtor de crude do continente africano. Só a acção da guerrilha do NDA (Vingadores do Delta do Níger) permitiu a Angola, nos últimos tempos, assumir essa liderança. Mas a paz e a estabilidades estão a um passo de acontecer no Sul da Nigéria e isso rapidamente fará Angola deixar de ser o maior produtor africano de crude.
Há décadas que a Nigéria é conhecida por ter o maior potencial produtivo de todos os países que em África extraem petróleo, mas nem sempre isso lhe garantiu produzir mais que os outros, especialmente Angola, que nos últimos quatro meses foi quem mais petróleo extraiu no continente devido às permanentes sabotagens e ataques dos "vingadores" no Delta nigeriano.
E a razão para que a expectativa de que a Nigéria retome o lugar cimeiro no pódio dos produtores de crude africanos se confirme é o regresso da paz ao Delta do Níger, que, alias, como referia a Agência Internacional de Energia (AIE) no seu último relatório, só a instabilidade impedia essa realidade.
É nesta área geográfica do Sul da Nigéria que o país tem as suas principais reservas, blocos e campos petrolíferos; e onde as multinacionais do sector têm concentrados mais meios em todo o continente, mas não se traduzindo isso em produção em conformidade com esse potencial.
Tudo, porque, nos últimos anos, a acção de grupos de guerrilha, primeiro o MEND (Movimento de Emancipação do Delta do Níger), e, depois, o NDA ( sigla em inglês para Vingadores do Delta do Níger), vêem impondo uma forte redução da produção da Nigéria e não porque tenha havida uma diminuição do potencial extractivo ou uma decisão estratégica nesse sentido por parte do Governo de Abuja.
Esse feito foi conseguido com sabotagens permanentes a oleodutos e raptos de funcionários das petrolíferas, gerando um fulgurante esboroar da segurança e estabilidade da região através de acções bem organizadas e com grupos fortemente armados e equipados.
Mas o fim da instabilidade é agora uma forte possibilidade para o curto prazo, depois de os "vingadores" do Delta terem anunciado a disponibilidade para um cessar-fogo imediato com o Governo de Abuja, respondendo assim de forma positiva às investidas negociais do Presidente Muhammadu Buhari, eleito há cerca de ano e meio, que tem mostrado um lado duro com a guerrilha mas, ao mesmo tempo, uma mão estendida para o NDA
Mudança radical
Foi neste jogo de cintura estreito que Buhari e o NDA chegaram a este ponto, que pode significar uma mudança radical na economia nigeriana, com os guerrilheiros a prometerem a paz e a disponibilidade para o imediato arranque de negociações.
Porém, ninguém se esquece que este momento é precedido de meio ano de fortes e permanentes ataques à estrutura petrolífera da região, com companhias como a Shell e a Chevron a serem obrigadas a abandonar campos e equipamento diverso, fazendo com que a Nigéria regressa-se a números de há 20 anos na produção.
Foi no seu site oficial que o NDA divulgou agora a disponibilidade negocial, cumprindo o cessar-fogo como demonstração de boa vontade, deixando, todavia, um sério aviso ao Governo de Buhari: "A violência regressará com toda a sua força se continuarem as detenções, intimidações ou invasões de casas de membros do grupo". O próprio grupo admite que estas pararam.
Barril a barril
Como o Novo Jornal Online noticiou no início de Julho, Angola, com os seus cerca de 1 770 milhões de barris por dia, surgiu pela primeira vez em muitos anos no topo dos países produtores africanos por quaro meses consecutivos, de Março a Junho deste ano, relegando a Nigéria para o segundo lugar do pódio com os seus pouco mais de 1 500 milhões de barris extraídos diariamente.
Mas estes números escondem outra realidade: apesar de Angola já ter estado perto dos dois milhões diários, a capacidade da Nigéria é muito superior, tendo potencial para bater nos 3 milhões de barris/dia, num cenário de estabilidade no Delta do Níger, região que tem semelhante importância para a Nigéria que Cabinda ostenta para Angola.
Numa comparação mais directa, barril a barril, as reservas da Nigéria, na estimativa do "think tank" do Reino Unido, Chatam House, superavam, em 2010, os 37 mil milhões de barris enquanto Angola se quedava pelos 13 mil milhões. Mas há organismos com estimativas distintas destas.
Todavia, mesmo que exista alguma discrepância nestas estimativas, existe uma constatação generalizada da extrema e negativa dependência de ambos os países do petróleo.
AIE pode-se ter enganado sobre a liderança angolana
No seu último relatório, divulgado pelo Novo Jornal Online, a AIE, em Julho, afirmava que Angola deverá manter-se no topo da lista dos maiores produtores africanos até, pelo menos, 2020, considerando fundamental para essa perspectiva a manutenção da instabilidade na Nigéria.
Na altura, a AIE desconhecia este progresso nas negociações entre Abuja e a guerrilha do Delta do Níger.
Na prática, e considerando apenas os últimos meses, a Nigéria, com a estabilidade de regresso à região do Delta, facilmente poderá voltar aos 1 850 milhões de barris por dia de Janeiro e Fevereiro deste ano, altura em que Angola se situava um pouco acima dos 1 740 milhões/dia.
De ter em conta que o petróleo subiu dos escassos 27 dólares por barril no início do ano e que agora já passou a fasquia dos 50, sendo esse um eventual incentivo para que as petrolíferas multinacionais se empenhem em restaurar rapidamente a sua capacidade extractiva entretanto diminuída pela acção da guerrilha.
As razões mais profundas
A justificação para os actos de guerrilha é a mesma para os "vingadores" que foi, ao longo de anos, apresentada pelo MEND: extrema poluição da região, com doenças associadas, pobreza extrema e falta de investimento do Estado central no Delta, contrastando com a riqueza que a área fornece ao país no seu todo.
Recorde-se que grande parte dos ex-membros do MEND passaram para os "vingadores" do NDA por descontentamento com o pacto assinado entre o grupo e o Governo de Abuja.
Mas, ao procurar as razões mais profundas para este longo conflito, e lendo a imprensa nigeriana, encontram-se versões para todos os gostos.
Uma delas, bastante difundida, é que o ex-MEND terá cessado as hostilidades depois de o Governo de Abuja ter atribuído verbas avultadas aos guerrilheiros para deporem as armas, sendo que a atribuição de subsídios mensais para o retorno a casa, apoiando o início de actividades profissionais, nomeadamente na agricultura e na abertura de pequenos negócios, é público e assumido.
Entretanto, com a chegada ao poder, o Presidente Buhari garantiu que esse não seria o seu caminho, recusando-se a pagar aos "vingadores" para obter a paz.
No entanto, analistas do país estão a levantar essa possibilidade, mesmo que em moldes diferentes.
As versões mais radicais apontam para um cenário em que conseguir esse tipo de "contraparida" pela paz é o objectivo principal do NDA, servindo a reivindicação de investimentos na região e melhores condições de vida para os povos do Delta do Níger apenas como "capa" para esconder as reais intenções.
Porém, no seu site oficial, os "vingadores" afirmam o contrário e dizem-se abertos à entrada nas negociações de personalidades respeitadas por ambas as partes e dizem querer, para afastar essas acusações, que os conselhos de anciãos das diversas partes da região estejam presentes e sejam consultados.