A grande oportunidade que este sector representa para o continente africano não está a ser aproveitada em todo o seu potencial, muito longe disso, em grande medida porque, como explicam Giorgia Albertin, Dan Devlin e Boriana Yontcheva, todos com larga experiência ao serviço do Fundo Monetário Internacional (FMI), no blog do FMI, "muitas empresas multinacionais estão a evitar o pagamento de impostos".

Isto, apesar do elevado nível de investimento privado neste sector estratégico para a economia mundial, dando como exemplo o caso da Guiné-Conacri, onde "uma empresa multinacional investiu cinco vezes mais numa única mina de bauxite (em termos percentuais do PIB) do que, desde 2018, o governo guineense despendeu no investimento público total do país".

Um estudo realizado por técnicos do FMI citado pelos três autores deste texto, perdem "entre 450 e 730 milhões de dólares por ano em receitas do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas em resultado da transferência de lucros por parte de empresas multinacionais do sector mineiro".

Para contrariar este cenário dramático para uma vasta lista de países africanos vai ser preciso criar "políticas específicas" que visem reduzir a evasão fiscal e ajudar os governos a recuperar algumas destas receitas fiscais, "tão necessárias para ajudar à recuperação e ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável", como referem Giorgia Albertin, Dan Devlin e Boriana Yontcheva nesta longa análise ao tema.

"A nossa análise surge na sequência de um esforço global para enfrentar a concorrência fiscal e a transferência de lucros por parte das empresas multinacionais, o que tem colocado uma tensão sem precedentes no sistema internacional de impostos sobre as sociedades. Para atender a esta questão, 136 países, incluindo 20 países da África Subsariana, acordaram no mês passado em aplicar uma taxa mínima efetiva de impostos sobre as sociedades de 15%, a partir de 2023", explicam.

Este assunto é de extrema importância e para se ter uma ideia aproximada dessa imporância considere-se que o sector mineiro contribui com cerca de 10% para o PIB em 15 países da África Subsariana ricos em recursos naturais, sendo que é o canal principal pelo qual chega a muitos países o investimento externo directo.

Para Angola, este assunto assume especial importância porque, para além da relevância que o sector mineiro já tem para a economia nacional, o Governo tem em curso há vários anos a elaboração do Planageo (Plano Nacional de Geologia) no qual deposita fortes expectativas de com e através dele impulsionar a diversificação económica e libertar-se da dependência do petróleo que hoje ostenta.

Apesar de o Planageo ainda não estar concluído, são já conhecidas algumas das suas descobertas, como, por exemplo, a extensão para território angolano, cerca de 100 mil km2, de uma vasta sequência da riquíssima cintura de cobre que existe nos subsolos do sudeste congolês e na Zâmbia.

Os autores da análise sublinham que este sector está longe de corresponder em receitas para os cofres nacionais dos 15 países mais ricos em recursos naturais representando a exploração mineira um contributo de apenas 2% do PIB, sendo evidente a ausência de justiça na partilha dos benefícios.

Para essa injustiça, apontam Giorgia Albertin, Dan Devlin e Boriana Yontcheva, estão a contribuir essencialmente dois factores "Em primeiro lugar, os países tentam atrair o investimento do estrangeiro através da redução de impostos, o que tem alimentado uma concorrência fiscal regional pouco saudável. Em segundo lugar, a transferência de lucros internacionais, accionada pelas empresas multinacionais, tem reduzido a base tributária dos países produtores".

O truque das empresas de fachada

Esta análise cita estudos do Fundo que demonstram que "a transferência internacional de lucros está a ter um efeito dramático nas receitas cobradas" porque "as empresas multinacionais recorrem ao seu alcance global para reduzir a sua dívida fiscal em jurisdições com taxas de imposto elevadas, transferindo os lucros para países com taxas de imposto mais baixas".

"Um exemplo: a utilização de empréstimos a juros, acordados entre diferentes entidades de uma única empresa multinacional. As despesas com juros são invocadas a título de dedução fiscal no país com taxas de tributação mais altas (em África), enquanto os rendimentos de juros são canalizados para um país offshore, cujas taxas de tributação são mais baixas. Outros exemplos incluem a subvalorização de minerais ou o recurso a subcontratantes para transferirem lucros offshore", explanam.

"Um conjunto interno de dados do FMI sobre receitas provenientes de recursos naturais e informações financeiras de mais de 600 empresas multinacionais, revelam que um aumento diferenciado de 1 ponto percentual na taxa do imposto sobre o rendimento das sociedades - entre o país produtor (taxa de tributação superior) e um país offshore médio (taxa de tributação inferior) - resulta numa diminuição dos lucros declarados no setor mineiro na ordem de 3,5%"..

Os dados presentes indicam que os países africanos, valor estimado, estão a perder entre 450 e 730 milhões USD em impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas por ano, devido à evasão fiscal por parte das sociedades mineiras multinacionais.

Para estancar esta sangria representada pela evasão fiscal no sector mineiro, os autores desta análise apontam para a necessidade de "um esforço concertado no sentido de encerrar os actuais canais de transferência de lucros", o que teria teria consequências positivas.

Ou seja: "O reforço e simplificação da protecção dos preços de transferência, limitação das deduções fiscais de juros, melhoria das práticas dos tratados fiscais, limitação dos incentivos fiscais e reforço das práticas em torno das negociações de investimentos"

E isso já está a suceder em alguns países

"O novo regime fiscal da Serra Leoa, por exemplo, levou a que o país tivesse abandonado a prática de negociar os termos fiscais de cada mina individualmente; a Guiné, a Libéria e o Mali reforçaram a sua protecção em matéria de preços de transferência; a África do Sul e a Nigéria estabeleceram limites às deduções fiscais de juros; nove das 15 economias ricas em recursos naturais têm impostos mínimos alternativos, que podem assegurar o pagamento de pelo menos alguns impostos sobre as sociedades todos os anos, e o Quénia introduziu uma disposição contra a utilização abusiva de tratados internacionais na sua política de tratados fiscais".

"Estas acções prometem uma maior mobilização de receitas provenientes da exploração mineira na África Subsariana. E o imposto mínimo global irá provavelmente mitigar a transferência de lucros e reduzir as pressões que resultam da concorrência fiscal. Melhorar a política fiscal e combater a evasão fiscal exigem uma preparação cuidadosa e uma capacidade mais reforçada, o que por sua vez, requer tempo, recursos e empenho político. Contudo, a recente evolução internacional em matéria fiscal mostra que a mudança é possível", concluem Giorgia Albertin, Dan Devlin e Boriana Yontcheva nesta análise que pode ser encontrada aqui.