Em conversa com os jornalistas, Manuel Azevedo, presidente da Associação da Pesca Artesanal, Semi-Industrial e Industrial de Luanda (APASIL), que agrega as províncias de Cabinda e Namibe na sua "jurisdição", assegura que não há falta de peixe nos mares nacionais, contrariando as afirmações de Archer Mangueira, sublinhando antes a dificuldade crescente da população para comprar o pescado devido à perda de poder de compra.

Mas não só. A APASIL aponta ainda o dedo à pesca ilegal, para a qual pede acção coordenada das autoridades e à existência de um "cartel" bem identificado que procura o monopólio do negócio da venda de peixe para a República Democrática do Congo (RDC).

E, num alerta especial, Manuel Azevedo nota que se não houver cuidado na forma como se aborda esta questão, até porque "não falta peixe no mar angolano, o que falta e capacidade de aquisição da população", os pescadores que actuam de forma legal na costa da província do Namibe, podem "sofrer represálias" injustificadas.

A Associação da Pesca Artesanal, Semi-Industrial e Industrial de Luanda, que também tem jurisdição para as províncias de Cabinda e do Namibe, apelou para que as autoridades redobrem os esforços na fiscalização e controlo na pesca ilegal, porque, admitem, é sabido que há algumas embarcações que não possuem licença para pescar nas águas nacionais.

Em conferência de imprensa a APASIL afirmou que as embarcações que realizam diariamente as suas actividades na Baia de Moçâmedes são licenciadas pelo Ministério da Agricultura e Pesca, embora reconheçam haver embarcações ilegais bem identificadas a capturarem o peixe.

O responsável da APASIL, assegurou que os armadores industriais, a nível da província do Namibe, estão preocupados com as afirmações do governador Archer Mangueira, aquando da visita do PR àquela província, onde afirmou que existem muitas embarcações ilegais a capturarem o peixe do mar da Baia de Moçâmedes.

Manuel Azevedo defende que o mais indicado "é criar um mecanismo adequado de fiscalização para que não possam ser as embarcações legais e autorizadas a serem vaiadas amanhã. Por isso estamos disponíveis em colaborar com o governo da província do Namibe", explicou.

A Associação da Pesca Artesanal, Semi-Industrial e Industrial afirma haver de facto uma luta muito grande para venda do peixe no mercado da RDC.

"Angola aderiu à zona de comércio livre e o todo o mundo quer levar o peixe para a RDC. Temos no País grupos organizados que vão conseguir colocar o peixe na RDC, quando a zona de comércio livre se efectivar, porque, na verdade, já começamos a sentir estes ciúmes por parte das empresas, sobretudo internacionais. Esta é uma guerra à qual temos e ficar atentos", contou.

Todas as operações, prossegue, realizadas a nível do Namibe são operações conexas, autorizadas também pelo Ministério da Agricultura e Pescas e todas elas são fiscalizadas, garantiu o responsável da APASIL.

Para APASIL, Angola está bem servida em embarcações de arrasto, pois possui, nesta altura, 42 embarcações industriais, dos quais 90% nacionais.

"Há peixe suficiente para atender o mercado. Os nossos associados continuam a capturar bastante peixe para colocar no mercado nacional e internacional, que infelizmente não é aceite", disse, notando que esse é um problema a que as autoridades competentes terão de dar atenção, porque se trata de um sector que contribui com 8% do Produto Interno Bruto.

Governo de Windhoek também está preocupado com actividade piscatória ilegal em Angola

A presença de embarcações na zona sul do mar angolano que aproveitam a noite para entrar em águas namibianas para pescar ilegalmente está a preocupar sobremaneira o Governo de Windhoek, que criticou já publicamente Luanda por não agir face a esta situação, como o Novo Jornal noticiou a 06 de Outubro último.

O Governo da Namíbia critica o Governo de Luanda porque este tem ignorado todos os relatórios sobre a detecção de embarcações de pesca, angolanas e de outras nacionalidades, que, durante a noite, entram ilegalmente em águas namibianas para apanhar peixe ilegalmente e usam ás águas territoriais de Angola para escapar quando são detectadas pela fiscalização.

As autoridades angolanas admitem terem sido alertadas para apenas uma ocorrência, que, garantem, está a ser investigada.

A acusação consta de relatórios elaborados pelas autoridades marítimas namibianas, concluindo o Ministério das Pescas e Recursos Marinhos da Namíbia que pelo menos 23 embarcações de pesca actuaram ilegalmente nas suas águas nacionais, nos últimos anos, havendo provas de que estas foram encontradas a "roubar" peixe no país vizinho do sul.

Esta actividade piscatória irregular e não documentada de barcos de pesca angolanos, ou de outras nacionalidades não identificadas, em águas namibianas, ou de navios namibianos a pescar em águas nacionais angolanas, já não é um assunto novo, como o demonstram os diversos acordos assinados entre os dois países, ao longo dos últimos anos, e como o Novo Jornal tem noticiado.

Recorde-se que ocorreu mesmo um megaprocesso de corrupção que envolveu ambos os governos e dirigentes de topo, tendo mesmo a PGR angolana aberto um processo-crime contra a ex-ministra das Pescas, Victória de Barros Neto.

Este assunto tem sido ainda merecedor de atenção porque o Governo de Windhoek tem acusado as autoridades angolanas de permitirem que as suas águas, no sul, junto à Baia dos Tigres, no Namibe, sejam refúgio seguro para embarcações de países terceiros que pescam ilegalmente, durante a noite, nas águas da Namíbia, especialmente carapau.

O volume de pesca ilegal na costa namibiana a partir de águas nacionais angolanas tende a ser substancialmente mais volumosa porque o Governo de Windhoek dispõe de escassa capacidade de fiscalização.

No entanto, só numa embarcação fiscalizada em 2017, a guarda costeira do país vizinho do sul encontrou mais de 1,5 milhões de dólares namibianos (100 mil USD) em pescado ilegal, tendo essa acção sido devidamente reportada a Luanda.

Esta realidade é ainda mais dramática porque, como se sabe, se a Namíbia não dispõe de capacidade fiscalizadora adequada das suas águas, Angola também sofre com semelhante problema, apesar dos investimentos feitos nos últimos anos para tapar esse buraco, sendo ainda comum as denúncias feitas por organizações do sector de que também as águas angolanas são local de predação piscatória das grandes frotas internacionais.

Do lado de lá da fronteira o assunto está, no entanto, a ganhar uma dimensão mais séria porque, como surge em destaque nos relatórios, as embarcações pirata detectadas nas operações de fiscalização simplesmente rumam a norte onde se refugiam em águas angolanas até que o risco de detecção passe voltando, a seguir, à faina usual em águas da Namíbia.

Isso mesmo é confirmado pela directora-executiva das Pescas e Recursos Marinhos do Ministério das Pescas da Namíbia, Annely Haiphene, que relatou à imprensa do seu país que os grandes navios operam ilegalmente sem quaisquer marcas de identificação e que, quando abordados com ordens para parar, ou quando detectam uma patrulha namibiana, simplesmente se refugiam em águas de Angola.

A procura de águas namibianas por parte destes navios de grande capacidade, cuja nacionalidade não pode ser confirmada devido à sua ocultação propositada pelas tripulações, tendem a entrar em águas namibianas porque os stocks de pescado angolanos são rapidamente predados e reduzidos à insignificância.

Um problema antigo

Há já vários anos que os governos de um lado e do outro têm procurado formas de mitigar este problema, nomeadamente através de acordos de pescas, como o que foi assinado em 2016, que previa várias abordagens à questão da pesca ilegal.

Mas, mesmo depois deste ter sido assinado, em Setembro de 2017, como o Novo Jornal noticiava então, o Governo namibiano informou as autoridades angolanas sobre a presença de um conjunto de barcos que, durante a noite, pescam ilegalmente nas águas territoriais namibianas, refugiando-se, de dia, no mar de Angola.

O Ministério das Pescas da Namíbia, já então estava preocupado com a pesca ilegal, especialmente de carapau, por barcos que encontram nas águas territoriais angolanas refúgio para as acções de vigilância da marinha do país vizinho.

De acordo com o que dizia então o secretário das Pescas do Governo namibiano, Moses Maurihungirire, as embarcações em questão recorriam, tal como hoje, às águas do mar angolano para escapar às acções de vigilância da marinha e da força aérea namibianas, pescando ilegalmente milhares de toneladas de carapau todas as noites ilegalmente.

O Governo de Windhoek não faz referência à nacionalidade das embarcações em causa, mas sublinhava que já alertara o Governo de Luanda para a existência desta situação.

"Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para deter e apreender os responsáveis por esta pilhagem e as suas embarcações, que estão a pescar de forma ilegal no mar da fronteira norte", da Namíbia com Angola, dizia ainda Moses Maurihungirire.

O carapau é uma das espécies mais capturadas na região que separa a fronteira marítima entre o Norte da Namíbia e o Sul de Angola, sendo as capturas anuais namibiana, em média, de 320 000 toneladas, enquanto em Angola a quantidade pescada é de difícil contabilidade por falta de dados, mas o potencial admitido oficial é de 500 mil toneladas.