A acusação consta de relatórios elaborados pelas autoridades marítimas namibianas, concluindo o Ministério das Pescas e Recursos Marinhos da Namíbia que pelo menos 23 embarcações de pesca actuaram ilegalmente nas suas águas nacionais, nos últimos anos, havendo provas de que estas foram encontradas a "roubar" peixe no país vizinho do sul.

Esta actividade piscatória irregular e não documentada de barcos de pesca angolanos, ou de outras nacionalidades não identificadas, em águas namibianas, ou de navios namibianos a pescar em águas nacionais angolanas, já não é um assunto novo, como o demonstram os diversos acordos assinados entre os dois países, ao longo dos últimos anos, e como o Novo Jornal tem noticiado aqui, aqui e aqui.

Recorde-se que ocorreu mesmo um megaprocesso de corrupção que envolveu ambos os governos e dirigentes de topo, tendo mesmo a PGR angolana aberto um processo-crime contra a ex-ministra das Pescas, Victória de Barros Neto.

Este assunto tem sido ainda merecedor de atenção porque o Governo de Windhoek tem acusado as autoridades angolanas de permitirem que as suas águas, no sul, junto à Baia dos Tigres, no Namibe, sejam refúgio seguro para embarcações de países terceiros que pescam ilegalmente, durante a noite, nas águas da Namíbia, especialmente carapau.

Mas, agora, numa notícia publicada pelo jornal The Namibian, o visado é directamente o Governo de Angola e pescadores angolanos que estão a entrar ilegalmente em águas namibianas para "roubar" o peixe namibiano, sublinhando esses relatórios que algumas destas embarcações têm licenças de pesca atribuídas pela autoridade das pescas angolana.

Os documentos analisados pelos jornalistas do The Namibian, e que foram remetidos ao Governo angolano, permitiram ainda concluir que muitos destes barcos a actuar ilegalmente fazem-no para depois rumar a norte, à República Democrática do Congo (RDC), onde a venda do pescado será mais rentável.

O volume de pesca ilegal na costa namibiana a partir de águas nacionais angolanas tende a ser substancialmente mais volumosa porque o Governo de Windhoek dispõe de escassa capacidade de fiscalização.

No entanto, só numa embarcação fiscalizada em 2017, a guarda costeira do país vizinho do sul encontrou mais de 1,5 milhões de dólares namibianos (100 mil USD) em pescado ilegal, tendo essa acção sido devidamente reportada a Luanda.

Esta realidade é ainda mais dramática porque, como se sabe, se a Namíbia não dispõe de capacidade fiscalizadora adequada das suas águas, Angola também sofre com semelhante problema, apesar dos investimentos feitos nos últimos anos para tapar esse buraco, sendo ainda comum as denúncias feitas por organizações do sector de que também as águas angolanas são local de predação piscatória das grandes frotas internacionais.

Do lado de lá da fronteira o assunto está, no entanto, a ganhar uma dimensão mais séria porque, como surge em destaque nos relatórios consultados pelo The Namibian, as embarcações pirata detectadas nas operações de fiscalização simplesmente rumam a norte onde se refugiam em águas angolanas até que o risco de detecção passe voltando, a seguir, à faina usual em águas da Namíbia.

Isso mesmo é confirmado pela directora-executiva das Pescas e Recursos Marinhos do Ministério das Pescas da Namíbia, Annely Haiphene, que contou que os grandes navios operam ilegalmente sem quaisquer marcas de identificação e que, quando abordados com ordens para parar, ou quando detectam uma patrulha namibiana, simplesmente se refugiam em águas de Angola.

A procura de águas namibianas por parte destes navios de grande capacidade, cuja nacionalidade não pode ser confirmada devido à sua ocultação propositada pelas tripulações, tendem a entrar em águas namibianas porque os stocks de pescado angolanos são rapidamente predados e reduzidos à insignificância que tem levado os pescadores angolanos do sector artesanal a reclamar pela ausência de peixe no mar devido à acção destas embarcações de grande capacidade de predação.

A investigação The Namibian deixa ainda em evidência que, apesar dos acordos existentes entre os dois países, o Governo de Windhoek tem sentido dificuldades em coordenar esforços com os angolanos, apesar das evidências contidas nos relatórios emitidos para Luanda sobre estes actos predatórios ilegais.

O que dizem as autoridades angolanas

A directora do Serviço Nacional de Fiscalização Pesqueira e Aquicultura, Maria Matos, disse esta quarta-feira,06, ao Novo Jornal, que a sua instituição tem já conhecimento das reclamações feitas pelas autoridades namibianas sobre a existência de bascos de pesca que actuam nas suas águas ilegalmente e se refugiam em águas nacionais angolanas.

"O governo namibiano mandou de facto a reclamação para os nossos colegas do Namibe, que nos fizeram chegar. Na verdade, nada esta perdido e iremos tratar o assunto de acordo com a lei", disse.

Questionada se têm sido frequente esta prática, como as autoridades namibianas têm dito ao longo dos últimos anos, em águas namibianas, Maria Matos disse não ter essa informação detalhada mas admitiu que seja efectivamente assim devido à facilidade com que as embarcações se movem no mar que une os dois países vizinhos.

Sobre um caso específico, de uma embarcação identificada pelas autoridades namibianas, a responsável angolana disse ao Novo Jornal que não foi possível confirmar "porque as coordenadas dessa embarcação não provam isso".

"Mas queremos perceber de facto o que se passou e vamos ter com os armadores desta embarcação para analisar o que se passou e verificar se os limites foram respeitados", disse.

Conforme a directora do Serviço Nacional de Fiscalização Pesqueira e Aquicultura, as autoridades angolanas vão agora analisar a reclamação do governo da Namíbia para saber se, de facto, a sua reclamação têm fundamento.

A escassa informação pode resultar do facto de algumas das embarcações sob suspeita na Namíbia serem de origem estrangeira e terem licença para operar em águas angolanas mas não em águas namibianas.

Um problema antigo

Há já vários anos que os governos de um lado e do outro têm procurado formas de mitigar este problema, nomeadamente através de acordos de pescas, como o que foi assinado em 2016, que previa várias abordagens à questão da pesca ilegal.

Mas, mesmo depois deste ter sido assinado, em Setembro de 2017, como o Novo Jornal noticiava então, o Governo namibiano informou as autoridades angolanas sobre a presença de um conjunto de barcos que, durante a noite, pescam ilegalmente nas águas territoriais namibianas, refugiando-se, de dia, no mar de Angola.

O Ministério das Pescas da Namíbia, já então estava preocupado com a pesca ilegal, especialmente de carapau, por barcos que encontram nas águas territoriais angolanas refúgio para as acções de vigilância da marinha do país vizinho.

De acordo com o que dizia então o secretário das Pescas do Governo namibiano, Moses Maurihungirire, as embarcações em questão recorriam, tal como hoje, às águas do mar angolano para escapar às acções de vigilância da marinha e da força aérea namibianas, pescando ilegalmente milhares de toneladas de carapau todas as noites ilegalmente.

O Governo de Windhoek não faz referência à nacionalidade das embarcações em causa, mas sublinhava que já alertara o Governo de Luanda para a existência desta situação.

"Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para deter e apreender os responsáveis por esta pilhagem e as suas embarcações, que estão a pescar de forma ilegal no mar da fronteira norte", da Namíbia com Angola, dizia ainda Moses Maurihungirire.

Tal como hoje, este responsável informava ainda que estas embarcações pescam em águas namibiana com a sua identificação apagada, bem como quaisquer marcas ou símbolos que permitam identificar a sua origem.

E sublinhou que possuem capacidade de detecção sofisticada por radar para detectar as patrulhas namibianas e, dessa forma, rapidamente procurar refúgio em águas angolanas.

O carapau é uma das espécies mais capturadas na região que separa a fronteira marítima entre o Norte da Namíbia e o Sul de Angola, sendo as capturas anuais namibiana, em média, de 320 000 toneladas, enquanto em Angola a quantidade pescada é de difícil contabilidade por falta de dados, mas o potencial admitido oficial é de 500 mil toneladas.