A ajudar nesta perda de valor da matéria-prima da qual depende o vigor da economia angolana, por contribuir em mais de 95 por cento para o total das exportações nacionais, estão os dados revelados nas últimas horas pelo Instituto Americano do Petróleo sobre um aumento muito pronunciado dos stocks da maior economia planetária e maior consumidor de crude em todo o mundo - mais 10,5 milhões de barris, ultrapassando em quase 50% o estimado pelos analistas - só equiparável ao consumo da China.
O início de Abril, tal como sucede desde o início do ano, mostra que a crise que o mundo atravessa está para durar, como o evidencia o preço que os gráficos do Brent londrino, onde é definido o valor médio das exportações nacionais.
Cerca das 09:30, o barril estava a valer 24,9 USD, menos 5,40 % que no fecho de terça-feira, o que é um valor que não se repete praticamente há duas décadas, embora a brutalidade da queda seja ainda mais "sonora" se se tiver em conta que desde Janeiro o barril já caiu 70%, dos 66 USD para os actuais 24.
E se a pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, surge em pano de fundo, com o mapa-mundo a mostrar todos os continentes e, praticamente, todos os países, pintados com as cores da doença e das cada vez mais pronunciadas mortes, o crescente impacto da doença nos Estados Unidos, que já é, de longe, a geografia mais afectada, e na Europa, onde as mortes mais se avolumam, não permite descanso aos mercados, que diariamente estão a corrigir os números da tragédia económica em baixa.
Mas, numa possível analogia, se estes dados são o hardware do problema, o software é a "guerra" de preços iniciada pela Rússia e pela Arábia Saudita no início deste mês, da qual resultou a ameaça, e o cumprimento dessa ameaça, pelos sauditas de inundarem o mercado com petróleo barato, com descontos que podem ir até menos 20% abaixo do valor do mercado para alguns mercados, como o asiático, e com um excedente de produção - mais de 12 milhões de barris por dia (mbpd) -, o que não permite perspectivar qualquer reequilíbrio dos mercados se os dois gigantes da produção mundial - Moscovo e Riade - não chegarem a acordo e assinaram um tratado de "paz".
A esperança surge agora com o anúncio de uma aproximação entre os Presidentes dos EUA e da Rússia, para erguer uma frente de influência sobre a Arábia Saudita e ainda para procurar, através do seu potencial próprio - com os sauditas, russos e norte-americanos são o trio de gigantes mundiais da produção, todos com um potencial acima dos 11 mbpd -, equilibrar os mercados para revigorar o valor da matéria-prima, o que seria uma "bênção" para a sufocada economia angolana, ou de outros países com economias fortemente dependentes das exportações de petróleo.
A culpa russa
Recorde-se que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi um dos responsáveis pelo problema ao assumir, através do seu ministro da Energia, Alexander Novak, uma guerra de preços com a Arábia Saudita no início deste mês, e o norte-americano, Donald Trump, está a ser uma das vítimas, por causa do impacto da crise na indústria do fracking, onde tem uma das suas grandes bases de apoio eleitoral, e, porque são actualmente dois dos três gigantes planetários do petróleo, decidiram trabalhar em conjunto para encontrar uma solução.
Por detrás deste início de conversa entre Trump, apertado pelo calendário eleitoral - as eleições presidenciais são em Novembro e quer garantir a reeleição - e Putin está a influência que possam ter sobre a Arábia Saudita, que está agora a produzir um tremendo excedente de crude com o qual inunda os mercados, sendo a consequência mais evidente o afundanço do valor do barril.
Mas o que mais interessa a Angola, para além de o esforço dos dois líderes resultar em sucesso, é que só o anúncio do começo das conversações levou os mercados a reagir em alta e o barril de Brent, vendido em Londres e onde é fixado o valor médio das exportações nacionais está hoje a ganhar mais de 3 por cento, saindo de um buraco que tinha mais de 18 anos.
Mas o que podem fazer Trump e Putin? Putin é quem tem maior responsabilidade, porque foi a Rússia que a 06 deste mês, na reunião da OPEP+ em Viena, na Áustria, se recusou a alinhar com os sauditas num aumento do volume de cortes na produção para estancar a sangria nos preços gerada pela crise económica associada à pandemia Covid-19.
E com essa recusa, fez soltar a raiva saudita, que iniciou um processo de produção máxima - pump at will -, levando a uma queda brutal na segunda-feira seguinte, a 09 deste mês, com a maior queda desde 1991, aquando do início da I Guerra do Golfo, fazendo com que o barril não mais deixasse os preços irrisórios que tem hoje, abaixo de 30 USD, uma tragédia para as contas públicas nacionais, que tinham no OGE 2020 o barril referenciado a uma média de 55 USD.
Numa chamada telefónica entre os dois, que teve lugar nas últimas horas, Trump e Putin deixaram saber os jornalistas que concordaram em meter à volta de uma mesa os seus principais homens do petróleo para discutir saída para a actual crise, o que demonstra que os russos já se arrependeram de terem ido tão longe no desafio aos sauditas e Trump quer salvar a sua indústria do petróleo de xisto, ou fracking, que nos últimos anos permitiu aos EUA passar a ser um dos três maiores produtores mundiais mas tem um problema de base substancial , que é o se breakeven, que está nos perto dos 60 USD por barril extraído através deste método, que consiste em injectar água e químicos a grandes pressões no subsolo para explodir a rocha de xisto e retirar do seu interior gás e petróleo.
... e a tragédia saudita
Agora, resta saber como vão reagir os sauditas, mas, como sublinham alguns analistas, quando os três gigantes da produção mundial só têm a ganhar se chegarem a um acordo - que será sempre proceder de forma a fazer subir o valor do barril -, o mais natural é que um acordo seja alcançado, até porque tanto russos como sauditas atravessam severas crises nas suas contas públicas geradas pelas sucessivas perdas de valor da matéria-prima.
E, se por um lado, com os actuais valores, e com os stocks das grandes economias apetrechados ao máximo, por terem aproveitado o crude barato para isso, e ainda com a indústria chinesa e norte-americana, mas também a europeia, a exigir cada vez menos petróleo para a realidade actual, dificilmente a OPEP e a OPEP+ (com Rússia) vão conseguir cortar a produção em valores tão altos que tenham um impacto imediato no preço do barril.
Mas a história será diferente se, numa reviravolta histórica, os EUA se juntarem à OPEP+, como admitem alguns analistas, avançarem para cortes impensáveis ainda há algumas semanas.
O que torna esse cenário mais plausível é, como avança hoje a Reuters, o facto de as monarquias do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estarem a viver momentos dramáticos nas suas economias internas, ao verem que, depois de gastarem dezenas de milhares de milhões de dólares para protegerem as suas economias da pandemia da Covid-19 e da quebra de rendimentos via petróleo, isso não está a ser conseguido.
O desemprego começa a ser galopante com a suspensão dos grandes projectos de infra-estruturas e com o sector privado a ver o fundo dos seus cofres em divisas, essenciais para alimentar uma economia que depende quase a 100 por cento das importações de bens, sejam alimentares, sejam outros.
Diz ainda a Reuters que sauditas e os Emirados estão a ver desmoronar-se os seus sectores mais alternativos ao crude, como o turismo e a logística para o Médio Oriente, incluindo o sector da aviação, por causa da pandemia, o que, mais cedo que tarde, deverá levar estes países à mesa das negociações, desde que, como apontam alguns analistas, os EUA e a Rússia, bem como os restantes membros da OPEP, onde está Angola, consigam encontrar uma saída airosa para os orgulhosos monarcas do Golfo.