O ano de 2020 mostrou como a economia global é frágil e como o futuro deve ser preparado com antecipação de forma a evitar pesadelos como o que, ainda, se está a viver, sem excepção, e, aparentemente, é isso que as grandes multinacionais petrolíferas já estão a fazer, redireccionado a sua atenção e os seus investimentos para as energias limpas.
Perante uma cada vez maior pressão da opinião pública sobre os Governos e organizações planetárias, como a ONU, para declarar os hidrocarbonetos como o inimigo nº 1 da humanidade, pelo efeito que têm sobre o clima devido aos gases poluentes que emitem, as cinco maiores petrolíferas do mundo, segundo uma análise da Rystad Energy, uma das mais importantes consultoras no sector e fornecedora de dados sobre o negócio energético, estão claramente a mudar a agulha para as energias verdes.
Isto, quando as cinco "leoas" do petróleo e gás mundial, a ExxonMobil, a BP, a Shell, a Chevron e a Total, as mesmas que já não escondem que o seu foco está a ser desviado para as energias não-poluentes, como as eólicas e a solar, principalmente, apresentam resultados, referentes a 2020, com prejuízos que passam a barreira astronómica dos 76 mil milhões de dólares, um recorde sem paralelo.
E, segundo a Rystad Energy, estas perdas gigantescas são resultado da perda de valor das empresas em bolsa e da forte diluição dos dividendos, fruto da perda de valor da sua principal área de negócio, a extracção e venda de crude, ao mesmo tempo que a reavaliação estratégica para se focarem na transição a que se assiste no mundo, procurando depender cada vez menos dos hidrocarbonetos.
Este sentimento generalizado no mundo de que urge fazer a transição de uma economia suportada pela energia proporcionada pela queima de petróleo para uma alimentada a energias limpas, o que se traduz em mais veículos eléctricos nas estradas, redução agreste do uso industrial de petróleo, etc. é um sério aviso, como quase todos os analistas advertem, para os países fortemente dependentes da exportação da matéria-prima de que a forma exponencial como a transição está a decorrer pode encurralar os menos precavidos, deixando-os sem tempo nem recursos para se adaptarem.
Angola é um dos países da linha da frente dos mais expostos ao risco de ficarem sem saída num relativamente curto espaço de tempo se não apostar de forma eficaz na diversificação das suas fontes de dividendos, visto que permanece ainda muito dependente das receitas do petróleo, como, de resto, o antecipa um estudo da Carbon Tracker, um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Esta estudo elaborado pela iniciativa Carbon Tracker aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climática que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Denominado "Beyond Petrostates", o estudo nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
No entanto, quem olhar para os mercados hoje, parece que tudo brilha para os produtores de crude, com o barril de Brent, que serve de referencia para as exportações angolanas, a atingir 67,30 USD, mais 0,30% que no fecho de quarta-feira, com um forte sublinhado para o facto de este valor representar o regresso do barril a um preço pré-crise gerada pela pandemia da Covid-19.
Por detrás deste bom momento do sector petrolífero está a recente vaga de frio polar que abraçou o sul dos Estados Unidos, levado a uma paragem total da produção no Texas e numa boa parte das plataformas do Golfo do México, retirando mais de 1 milhão de barris por dia à produção dos EUA ao longo de quase duas semanas.
A isso somam-se ainda as garantias de baixas taxas de juro na maior economia mundial e nos 1,9 triliões USD que a Administração Biden já anunciou como estímulos à economia norte-americana, o que, no conjunto, proporcionam uma perda de valor comparativo da moeda franca do sector, o dólar, que sempre se traduz por uma valorização do barril.
Como pano de fundo para esta recuperação estrondosa do valor do petróleo está sempre a estratégia de cortes à produção da OPEP+, que, recorde-se, prepara para 3 e 4 de Março uma reunião escaldante, que pode redefinir o negócio global de crude.
O "meeting"
A 3 e 4 de Março, os 23 países que formam a OPEP+, grupo formado pelos Países Exportadores (OPEP), de que Angola faz parte, e 10 não-alinhados liderados pela Rússia, vão voltar a sentar-se à mesa através de meios digitais para decidir se alteram ou não os planos de cortes em curso já há quase um ano, com ligeiras alterações ao longo dos meses, face à evolução da pandemia da Covid-19 e da crise que o Sars CoV-2 criou a partir de Fevereiro de 2020.
Como tem sido corrente, sempre que os gigantes sauditas e russos se sentam à mesa, está presente a possibilidade de uma declaração de "guerra" face às divergências que não se cansam de sublinhar, embora, actualmente, estejam em sintonia face aos cortes acima dos 5 milhões de barris por dia (mbpd) aos quais Riade acrescentou 1 mbpd de mote próprio, como forma de equilibrar os mercados fustigados pela crise pandémica.
Quando estes cortes foram acertados - apesar de a OPEP+ já existir de forma ad hoc desde 2017 pelas mesmas razões, apesar de agora fortalecidas pela Covid -, o barril de crude estava a níveis historicamente baixos, com o Brent próximo dos 20 USD e o WTI, em Nova Iorque, a chegar a valores negativos, cujo recorde foram os - 40 em Abril do ano passado.
Agora, com o efeito das campanhas de vacinação mais visível que nunca, com os desconfinamentos previstos e com as economias a mostrarem sinais de recobro de um ano avassalador, e com o barril entre os 63 e os 66 USD (Brent) nas últimas semanas, Moscovo, segundo estão a noticiar as agências e sites especializados, prepara-se para defender um aumento da produção enquanto Riade entende ser ainda cedo para esse movimento estratégico devido às incertezas mundiais.
Para já, sabe-se que estes dias que antecedem os encontros da OPEP+, são de apalpar terreno e isso é o que se depreende das palavras do ministro da Energia russo, Alexander Novak, a Rússia defende que estão criadas as condições para avançar na direcção de uma maior produção face aos preços praticados e dos sinais de que os mercados estão equilibrados.
Já o ministro da Energia saudita, Abdulaziz bin Salman, claramente com outra visão sobre o actual momento do sector e dos mercados, prefere sublinhar a "evidente incerteza" dos mercados para defender ser ainda "muito cedo" para ceder face à pressão de alguns parceiros para aumentar a produção no seio do "cartel".
Entre os defensores de um aumento de produção estão países como o Iraque ou a Nigéria, sendo que Angola, cuja posição oficial tem sido, ao longo dos anos, estabilizar os preços num patamar que sirva os produtores/exportadores mas que também não castigue os importadores porque é no meio-termo que está a virtude e os preços actuais, face ao valor de referência do OGE 2021 - 39 USD - permitem uma relativa folga.
Ao mesmo tempo, Angola, apesar das iniciativas legislativas que visam potenciar a produção, depara-se com problemas de natureza diferente, que é a insuficiente capacidade de aumentar a produção devido aos efeitos do prolongado desinvestimento na pesquisa e na manutenção por parte das "majors" que operam no País, o que pode aconselhar como mais seguro a manutenção dos cortes nos actuais níveis de forma a evitar uma queda abrupta no valor do barril.
Actualmente, Angola produz cerca de 1,28 mbpd, o que contrasta de forma clara com os 1,8 mbpd de há pouco mais de uma década, quando ostentava o estatuto de maior produtor subsaariano, oscilando com a posição de 2º maior com a Nigéria.
Todavia, não existe informação disponível sobre qual a posição de Angola neste encontro de 3 e 4 de Março da OPEP+, embora se possa antecipar como mais seguro uma posição no sentido de manter os actuais níveis de subtracção de matéria-prima nos mercados como garante de estabilização dos actuais valores médios por barril.
Tal como os sauditas, que, mesmo sendo potencialmente os miores produtores mundiais, apostam na contenção da produção para garantir preços, apostando tanto nisso que, à margem dos acordos da OPEP+, extraíram 1 mbpd à sua produção para Fevereiro e Março, sendo isso um factor determinante para consolidar os prelos na casa dos 60 USD actuais.
Alias, há mesmo analistas que defendem que Riade vai usar esse 1 mbpd para garantir que Moscovo se mantém alinhado, porque se esse 1 mbpd for agora adicionado de novo, o efeito nos mercados será imediato e os preços vai resvalar de forma substancial, embora não seja possível quantificar quanto.
Todavia, ainda fresco na memória de todo está a "guerra de preços" travada entre russos e sauditas no mês de Abril de 2020, levando Riade a aumentar de forma expressiva a produção para castigar a teimosia de Moscovo face à proposta de redução da produção, resultando isso numa histórica perda de valor da matéria-prima a ponto desta ter chegado a valer - 40 USD em Nova Iorque, ou seja, mesmo a pagar 40 dólares, ninguém queria ficar com as cargas, porque era tanto o crude disponível que já não existia capacidade de armazenamento.
Cenário actual em Angola
Este cenário de recuperação permite algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.
A produção actual está abaixo dos 1,3 mbpd e em constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção demora a arrancar para os patamares mais próximos daqueles que se viram no passado, especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.
Para já, com o barril acima dos 67 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 28 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.