Os mercados petrolíferos estavam à espera de notícias do Canal do Suez, canal artificial que liga o Mar Mediterrâneo (Europa e norte de África) e o Mar Vermelho/Arábico(Oceano Índico (Ásia), onde, há cerca de uma semana, um dos maiores porta-contentores do mundo, o Ever Given, se travessou e bloqueou uma das principais rotas comerciais do planeta, inclusive para o petróleo produzido no Médio Oriente.
Perto de 300 navios, incluindo dezenas de petroleiros, aguardam, do lado do Mediterrâneo, e do lado afro-asiático (Mar Arábico, Oceano Índico) pela abertura desta passagem vital para o comércio mundial, sendo que largas dezenas optaram por encontrar rotas alternativas, nomeadamente contornar pelo Sul o continente africano.
Esta interrupção, que já vai para seis dias - o Ever Given encalhou a 24 de Março -, está a provocar centenas de milhões de dólares de prejuízos, especialmente para o Egipto, que tem nas receitas provenientes das taxas de passagem dos navios pelo estreito artificial do Suez uma das principais fontes de rendimento, perto de 12 milhões USD/dia.
Agora, segundo está a avançar a Reuters, o Ever Given começou a mostrar flutuabilidade, depois de ter sido retirada parte da carga e milhões de toneladas de areia terem sido desviadas tanto na proa como na popa da embarcação.
Para que o navio, com cerca de 400 metros de comprimento e uma carga de 28 mil contentores, possa deixar o local para as necessárias reparações, vai ser feita uma minuciosa vistoria às partes que estiveram em contacto com as margens do canal para garantir que o problema não se repete.
Ao contrário da valorização do barril de crude, tanto no Brent, de Londres, como o WTI, em Nova Iorque, registada nos últimos dias, sob o risco de uma disrupção no abastecimento da matéria-prima, agora, com as primeiras notícias de flutuabilidade do Ever Given, o petróleo começou a ressentir-se e já perdeu, desde o início da sessão desta segunda-feira - referente a perto das 10:00 de Luanda - cerca de 0,50%, para os 64,30 USD.
Isto, tendo como pano de fundo um cenário ainda muito marcado pelos receios de novos confinamentos na Europa por causa do crescente número de casos da Covid-19, que, a 24 de Março, antes do incidente no Canal do Suez, estavam a levar a perdas de quase 4 USD por barril.
Agora, com a normalidade, pelo menos segundo afirmam as autoridades egípcias, quase reposta, o barril, tendencialmente, segundo os analistas, voltará a ver a sua "flutuabilidade" a depender do sobe e desce no número de casos pandémicos e ainda do sucesso das campanhas de vacinação, ameaçado que está pelos problemas de produção e distribuição de imunizantes das várias farmacêuticas e laboratórios nacionais.
Para já, a proteger os preços de um esvaziamento pós libertação do Canal do Suez está a forte possibilidade de a OPEP+, agremiação de 23 países que junta os 13 membros da OPEP e um grupo de 10 não alinhados liderados pela Rússia, que tem mais uma reunião de topo na próxima semana, mostrar estar disponível para manusear a produção de forma a proteger o equilíbrio dos mercados.
A pandemia, sempre a pandemia...
Com a "temperatura" dos mercados a baixar devido a um recuo no desanuviamento dos confinamentos na Europa, com o atraso nas campanhas de vacinação por causa da escassa produção de imunizantes, e apesar do levantamento da suspensão da vacinação com a droga da AstraZeneca/Oxford devido ao surgimento de alegadas complicações, tromboses, e com o Ever Given a dar um "calorzinho" aos mercados com o bloqueio do Suez, a toada actual global é de perda de valor da matéria-prima.
Na linha da frente deste "sentimento" está a desconfiança num rápido processo de vacinação que permita às maiores economias do mundo voltarem ao normal pré-pandémico, o Brent, que determina os valores médios das exportações angolanas, iniciou um recuo substancial da barreira dos 70 USD (69,97 USD a 15 de Março, tendo mesmo atingido os 60,3 a no dia 23).
E, para piorar as perspectivas sobre o futuro do sector, os mercados estão igualmente a lidar com informações sobre uma forte retoma das descobertas de novas jazidas de crude, que passam essencialmente pelas Américas, mas também com foco em África, incluindo no offshore e onshore namibianos e Angola, com o poço Ondjaba, da Total, no Bloco 48, que deverá começar a ser perfurado nos próximos meses, batendo um recorde de profundidade, nos 3628 metros.
Assim, é de esperar que, quando passar o efeito Ever Given, os mercados voltem a ressentir-se das questões relacionadas com a pandemia, seja o crescendo em casos, sejam as dificuldades nas campanhas de vacinação...
Angola hoje...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 64 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 25 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita aos futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, citado pela Lusa, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.