Esta queda de mais de 10 dólares em duas semanas é o mais pesado dano colateral da pandemia de coronavírus que afecta a China, a segunda maior economia do mundo, desde Dezembro, com mais de 360 mortos e mais de 17 mil casos confirmados em todo o mundo.
Com as companhias aéreas praticamente todas no chão em território chinês, com as deslocações internas, seja de comboio, autocarro ou carro a níveis mínimos, com milhões de pessoas trancadas em casa para evitar a propagação do vírus de Wuhan, a cidade chinesa onde foi inicialmente descoberto o vírus, em Dezembro, a economia do gigante asiático começa a dar sinais de grave arrefecimento, o que se revela desde logo pela forte diminuição do consumo de crude.
Com a segunda economia em todo o planeta a ficar "doente", o petróleo mostra sintomas de mal-estar e os gráficos que medem o pulsar do combustível do mundo não enganam com descidas diárias e continuadas, estando já o Brent de Londres a valer apenas 1.26 dólares acima dos 55 USD com que o Governo angolano desenhou o OGE 2020.
O petróleo é responsável pela esmagadora maioria das receitas do Estado angolano e se o seu valor cair em Londres abaixo dos 55 USD, e se se mantiver abaixo desta fasquia por algum tempo, o mais certo é que o OGE tenha de ser revisto de forma a readequar as despesas à baixa de receitas.
Para os mercados petrolíferos as contas são óbvias, com um consumo de gasolina e outros combustíveis em declínio na China e, consequentemente, nos países vizinhos, devido às restrições de deslocações, com cidades de muitos milhões de pessoas em quarentena, de onde não entra nem sai ninguém, com as companhias aéreas de todo o mundo a deixar de voar de e para o país, as refinarias chinesas, segundo notam hoje as agências, estão a abrandar a produção, e em toda a Ásia, esse redimensionamento em baixa da actividade de refinação já é uma realidade.
Face a isto, com o ainda mais evidente impacto negativo no crescimento económico da segunda maior economia do Planeta, o crude ressente-se e tende, segundo os especialistas, a manter um ritmo acelerado de perda de valor, o que é uma terrível notícia para os países produtores com economias dependentes das exportações da matéria-prima, como é o caso de Angola, mas também da Nigéria, ou até da Arábia Saudita e da Rússia.
Para contrariar esta progressiva fragilização do sector petrolífero, a OPEP e a OPEP+, organização que junta os membros do "cartel" e países não-membros, como a Rússia, o México ou o Cazaquistão, estão a reorganizar o calendário das suas reuniões periódicas para rever o programa de cortes na produção em curso, sendo que, actualmente, estes cortes estão nos 1,7 milhões de barris por dia (mbpd) e em Junho seria, pelo calendário normal, revisto.
Agora, face a esta crise "Made in China", a OPEP+ deve voltar a sentar-se à meda antecipadamente, provavelmente, em Março, com a intenção clara, segundo o admite o ministro da Energia saudita, Abdulaziz bin Salman, de não só prolongar o calendário por mais alguns meses como, provavelmente ainda, aumentar o número de barris retirados artificialmente de circulação.
Os analistas revezam-se em prognósticos para o que vai ser o comportamento do barril de petróleo nos mercados internacionais, mas um ponto coerente em todas as análises é que, a par do efeito da diminuição do consumo na China, e por causa da crise na China, está ainda a crescer o efeito da desconfiança, o que pode levar a um esmagamento ainda mais relevante do preço da matéria-prima.
Segundo refere a Reuters, citado um analista da S&P Global Platts Analytics, a procura por petróleo deverá cair 200 mil barris nas próximas semanas, o que confere com as estimativas admitidas pelos ministros da OPEP+, que apontam para um corte na produção em torno dos 200 mil barris, para 1,9 mbpd e por mais tempo, provavelmente até ao fim do ano.
Todavia, estes cálculos poderão ser desmentidos pela realidade se se confirmar - e tudo indica que sim - que a actual pandemia de coronavírus que emergiu na cidade chinesa de Wuhan é mais mortífera que a de Síndrome Respiratório Agudo Grave (SARS) de 2003, fazendo com que o mundo consuma menos entre 700 mil e 800 mil bpd do que o previsto.
Para já, as centenas de milhões de chineses que a partir de hoje deveriam voltar ao trabalho após as férias do Ano Novo, na sua maior parte vão continuar em casa por indicação do Governo central ou das províncias mais afectadas, o que resulta num impacto tremendo na economia interna e externa, podendo mesmo reduzir de forma significativa a capacidade exportadora do maior importador de crude do mundo.
Por exemplo, a província de Hubei, da qual Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes e onde o efeito do coronavírus é mais devastador, é a capital, vai prolongar por tempo indefinido as "férias", mas as províncias consideradas chave para a economia chinesa, devido ao acentuado carácter exportador, como Guangdong e Zhejiang, vão manter-se "encerradas" e até Pequim e Xangai continuarão nesta situação pelo menos até ao fim da próxima semana.
E o efeito nas principais bolsas chinesas não se fez esperar, aumentando ainda mais o receio de pânico generalizado, com Xangai e Shenzhen a abrirem hoje com uma queda superior a 10 %, o que levou o Governo de Pequim a anunciar uma injecção de mais de 170 mil milhões USD na economia para estancar esta degradação e evitar a secura de liquidez.
Face a este cenário de melindre para todo o mundo, e enquanto a ciência busca uma solução em laboratório para "matar" este coronavírus, a esperança oficial, como o atesta a agência Xinhua, com o fim do Inverno, esta epidemia vai começar a esvanecer e a libertar a economia de novo para retomar o trilho anterior, onde o acordo inicial com os EUA estava a gerar uma nova dinâmica com o fim à vista da guerra comercial entre os dois gigantes planetários.