A destruição de Gaza que Israel tenta completar há quase quatro meses é a fonte das faíscas que estão a deixar o Médio Oriente a ferro e fogo, depois de o Governo de Benjamin Netanyhau ter definido, após o ataque do Hamas a 07 de Outubro, como objectivos a destruição total do movimento palestiniano e libertar os reféns levados para Gaza.
Em quatro meses, o Governo israelita não conseguiu nenhum dos objectivos, mas conseguiu matar mais de 28 mil civis e deixar quase 80 mil feridos, na larga maioria, mais de 75%, crianças e mulheres tanto mortos como feridos, e como "bónus" deixou o mundo em polvorosa com o risco de incendiar o barril de pólvora que é o Médio Oriente, de onde sai mais de 35% do petróleo consumido em todo o mundo.
Uma das faíscas que mais está a remexer com os mercados internacionais de crude caiu no Mar Vermelho, onde os rebeldes Houthis, do Iémen, levaram, com persistentes ataques à navegação no Estreito de Bab al-Mandab, a que o trafego marítimo comercial no Canal do Suez deslizasse para 40% do normal.
Este dado é substantivo porque o Canal do Suez, no Egipto, é a via que liga o Oceano Índico ao Atlântico, através do Mar Vermelho e via Mar Mediterrâneo e é por onde passam 30% dos contentores comerciais em todo o mundo e cerca de 15% do petróleo globalmente consumido, o que impacta não só na inflação, porque os navios são obrigados a dar a longa volta pelo Cabo da Boa Esperança, no sul de África, para chegar aos EUA e à Europa vindos ou a caminho da China e da Índia (Ásia), como gera disrupções no fornecimento da matéria-prima energética mais consumida no planeta.
Mas, quando os mercados começavam a descontar estes perigos, fixando o barril na casa dos 80 USD, e com a guerra em Gaza a entrar numa espécie de limbo, com Israel a sentir as costas largas, apoiado pelos EUA e pela Europa ocidental, apesar de um crescendo de críticas à violência sobre os civis do território, eis que Telavive parece ter irritado a sério Washington e Londres com o anuncio de Benjamin Netanyhau de que as Forças de Defesa de Israel (IDF) vão entrar na cidade de Rafah.
Isto é importante por duas ordens superiores de razão: Rafah é a grande cidade de Gaza na fronteira com o Egipto, o que põe as forças egípcias na mira das armas ligeiras das IDF, e vice-versa, mas essencialmente porque esta é a cidade que Israel atribuiu como derradeira zona segura para os mais de 1,3 milhões de civis que ali procuraram refúgio para a destruição quase total do resto do território.
Os israelitas conseguiram o impensável com este movimento, que coloca o Egipto com os nervos à flor da pele, levando o Governo do Reino Unido, o mais acérrimo aliado ocidental de Telavive, a avisar Netanyhau para reflectir bem sobre o passo que está a dar, porque esse passo marcará um antes e um depois neste conflito.
E foi o suficiente para deixar os mercados em alvoroço, porque só a possibilidade, mesmo que remota, de uma entrada do Egipto neste conflito de forma mais física, porque o Cairo está desde 07 de Outubro na linha da retaguarda, onde as negociações ocorrem intensamente deste então, apesar de sem resultados volumosos para acabar com o conflito, é mais que suficiente para trazer à memória colectiva dos analistas do sector as severas crises petrolíferas das últimas três décadas do século XX.
O primeiro-ministro israelita já reiterou que nada o fará parar esta ofensiva sobre Rafah, porque, diz Netanyhau, é ali que está o grosso das forças do Hamas e que a sua destruição é im dos dois maiores objectivos da operação sobre Gaza para vingar o ataque do Hamas sobre o sul de Israel a 07 de Outubro, que deixou mais de 1000 mortos para trás além de dois mil feridos e cerca de 200 reféns levados para Gaza pelos combatentes palestinianos.
Gaza, nos seus exíguos 365 kms2, tem cerca de 2,3 milhões de habitantes (mais de 6.000 por km2) e mais de 1,3 milhões deslocou-se para o sul, junto à fronteira com o Egipto, em busca de refúgio, depois de mais de 75% dos edifícios de Gaza terem sido destruídos pelas IDF, dos 36 hospitais, apenas seis funcionam com relativa normalidade, grassa fome e a sede, faltam medicamentos e mais de um milhão de civis vivem ao relento.
Sendo agora o factor que impulsiona o barril para cima, estando esta manhã de quarta-feira, 14, a valer, perto das 09:15, 82,90 USD, mais 0,16% que na anterior cessão à hora de encerramento, Gaza não é o único combustível desta galvanização nos mercados que suscita largos sorrisos no Governos dos países com economias petrodependentes, como é o caso de Angola.
Condimentos todos alinhados para um boom no sector energético global
O mês de Janeiro é, por norma, um período em que a oferta de petróleo nos mercados supera a procura devido ao refluxo natural do consumo no início do ano, o que resulta num acréscimo nas reservas das grandes economias ocidentais, como nos EUA... mas este ano de 2024 não foi assim. E isso é uma boa notícia para as petroeconomias.
Durante o mês de Janeiro deste ano, os inventários desceram na maior economia do mundo, que coincide com o maior consumidor do planeta e o maior produtor global, que são os Estados Unidos da América.
Já não se via nada assim há anos e desde 2004 apenas sucedera duas vezes, como recorda Alex Kimani, do OilPrice, citando os analistas do Standard Chartered, sublinhando este banco que já em finais de Fevereiro se assistirá a um défice na oferta de 1,6 milhões de barris por dia (mbpd).
A excepcional situação gerada pela guerra em Gaza, entre o Hamas e Israel, levando a que a mortandade gerada pelos ataques insanos de Israel sobre o território, com um registo de mais de 28 mil civis mortos em quatro meses, está a projectar faíscas para a vasta região do Médio Oriente, onde é extraído mais de 35% do crude consumido em todo o mundo.
E isso está a conseguir manter o barril de petróleo acima dos 80 USD, ou muito próximo desta fasquia simbólica e vital para as petroeconomias, como é o caso da angolana.
Quando alguns analistas admitem que o mundo está de novo a virar a esquina de uma vaga de crises geradas a partir da insustentável situação das finanças globais alicerçada num abrasivo excesso de créditos "doentes" e dos infecciosos "derivados", o sector energético parece estar com um vigor extraordinário, mesmo que as razões sejam pouco ou nada simpáticas, como sejam as evidentes guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, ou a inevitável crise do imobiliário na China... o gigante asiático que parece estar a derrapar na curva do crescimento económico.
A par deste cenário de risco geopolítico faiscante, surpreendentemente os analistas, de um modo geral, estão a enfatizar que os preços actuais, acima de 80 USD para o barril de Brent, são curtos e não traduzem a realidade, com a oferta a bater de frente na procura, contra o que é natural neste período do ano, o que diz que os mercados estão a agir mais a partir de uma tradição que da análise fria das circunstâncias.
Por exemplo, o Standard Chartered nota que, segundo os registos históricos, em Janeiro, o excesso de oferta é, em média, de 1,2 mbpd, sendo em 2023 de mais de 3,4 mbpd, mas este Janeiro de 2024 esse excedente não vai além dos 0,3 mbpd.
O que deixa claro que a diferença entre o que o mundo consome e o que tem disponível para queimar se vai derreter num prazo acelerado de uma a duas semanas, até final de Fevereiro, seguramente, onde estará já metamorfoseado num défice de 1,6 mbpd, sendo previsível que, nessa circunstância, o barril volte a disparar para lá dos 90 USD, como sucedeu em Setembro do ano passado.
Alias, casas financeiras como a Goldman Sachs e a JPMorgan, entre outras, não mexeram nas previsões para 2024, mantendo que o barril de Brent vai chegar aos 100 USD, mesmo até aos 120 USD no entender de alguns analistas mais dados ao risco de se enganarem, no primeiro trimestre.
E, para já, quando ainda estamos a meio desse período, aparentemente estão a acertar... Só que, como também bem se sabe, os mercados petrolíferos são o que de mais parecido existe com o tarot... e o melhor é ver para crer.
Mas, para Angola, as contas são simples de fazer...
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 80 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.