O histórico acordo de cessar-fogo foi concluído na quarta-feira, 15, em intensas e demoradas negociações no Catar, mas só entra em vigor no Domingo, período que, ao que estas primeiras horas indicam, segundo relatos da Al Jazeera, Israel está a aproveitar para escalar a violência dos ataques a Gaza.

E isso ficou claro quando, horas depois de ter sido anunciado o acordo, as Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram um ataque sobre o território matando pelo menos 40 pessoas, com um pormenor macabro: este massacre foi conduzido no preciso momento em que o Governo de Benjamin Netanyhau assinava o acordo.

Essa coincidência, relatada esta quinta-feira, 16, pela Al Jazeera, que ligou os relatos dos seus repórteres no terreno e os que relatos das agências de notícias em Telavive, põe em evidência as dificuldades não apenas para conseguir este acordo como, em especial, para o manter inviolado.

Por detrás desta desconfiança estão os ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Interna, Bem Gvir, que encabeçam dois dos partidos mais radicais em Israel e dos quais depende a coligação que sustenta o Governo do Liku d Netanyhau.

Desde o início que estes dois ultra-radicais, que defendem não apenas a continuidade da guerra, como a ocupação militar de toda a Palestina, e a expulsão dos palestinianos para o deserto do Egipto, se opõem a um acordo com o Hamas.

E são eles, e os problemas internos de Benjamin Netanyhau, que sabe que quando deixar de ser primeiro-ministro, cargo que apenas mantém devido à guerra, tem a justiça à perna por suspeitas de corrupção e branqueamento agravados, que têm obstaculizado outras tentativas de acabar com o genocídio em Gaza.

Então porque é que agora parece ser para levar a sério? Em Washington, o Presidente-eleito, DOnald Trump, que assume o cargo a 20 de Janeiro, fez o que ninguém esperava, encostando Benjamin Netanyhau e os seus ministros mais agressivos à parede.

Quando estes esperavam que Trump lhes viesse dar carta branca e todo o apoio para não apenas continuar o massacre em Gaza como preparar ataques contra o Irão, Donald Trump ameaçou o Governo israelita com a mão pesada dos EUA se o acordo não fosse assinado.

Esta situação levou a um histórico arrefecimento das relações entre Netanyhau e Trump a ponto do israelita não ter sequer sido convidado para a cerimónia de tomada de posse na próxima segunda-feira, 20, em Washington, o que em Telavive foi visto com grande preocupação levando à assinatura do acordo.

O que permitiu a Donald Trump, que fez mesmo o anúncio antecipado da assinatura do documento, surgir como o grande feitor por detrás deste acordo, roubando claramente o papel do ainda Presidente Joe Biden, que bem tentou, no seu derradeiro discurso de fim de mandato, embora com sucesso reduzido, trazer a si os méritos do fim do conflito na Faixa de Gaza.

A luta pelos créditos entre Trump e Biden pouco importa à massacrada população de Gaza, que assim que o Hamas anunciou oficialmente a existência de um acordo, saiu às ruas para festejar o fim de quase 15 meses de Inferno que lhes foi levado a casa pelos israelitas depois do trágico assalto do Hamas ao sul de Israel - mais de 1200 mortos - a 07 de Outubro de 2023.

Com este acordo, que está arquitectado para ser desenvolvido em três etapas, o mundo, que em quase uníssono, aplaudiu, espera agora que termine uma das mais catastróficas guerras no Médio Oriente em décadas, com mais de 45 mil mortos, na maioria crianças e mulheres.

Além das mortes, que algumas organizações internacionais dizem poder chegar às 130 mil depois de levantados os escombros de cobrem Gaza, para trás ficam mais de 200 mil feridos, um território com 365 kms2 e 2,3 milhões de pessoas e totalmente arrasado e sem quaisquer equipamentos sociais, hospitais e escolas com plenas funcionalidades...

Como estava já relativamente divulgado nas 24 horas que precederam a sua oficialização, este acordo deve ser desenrolado em três fases, sendo a imediata a pausa nas hostilidades e a libertação de 33 reféns israelitas na posse do Hamas desde 07 de Outubro de 2023 contra a libertação de milhares de palestinianos das cadeias israelitas onde estão, muitos deles, sem acusação formada.

A partir de Domingo, e durante seis semanas, as partes assumem o compromisso de não se atacarem mutuamente, as tropas de Israel devem começar a sair de Gaza e a ajuda humanitária deve começar a chegar em grandes quantidades, pelo menos 600 camiões por dia.

Depois seguem-se as seguintes fases das três acordadas, sendo que estas estão ainda por detalhar, mas já com princípios consolidados, como sejam a saída total de Israel, a entrega de eventuais reféns que ainda permaneçam no território, inclusive mais antigos que Outubro de 2023, ou por encontrar, ou os seus restos mortais, e a parte menos penosa, que será a planificação da reconstrução de Gaza e a definição dos termos para o seu Governo...

Sobre este acordo, entre as reacções que chegam de todo o mundo, quase sem excepção de aplauso, sobressai a do Irão, que nota que se trata de "uma vitória da Palestina" e uma derrota dos israelitas, prometendo manter a atenção sobre a implementação do acordado.

O Hamas também fez saber que, apesar de se comprometer com o acordo alcançado no Catar, que foi intermediado pelo Governo deste país do Golfo, pelo Egipto e pelos EUA, não vai "esquecer as atrocidades cometidas por Israel".

O porta-voz deste grupo de resistência palestiniana, Khalil al-Hayya, veio a público dizer que "a bárbara acção ao de Israel que visava o extermínio do povo palestiniano, a ocupação e o apoio que recebeu nestes 467 dias nunca será esquecido como um dos mais graves genocídios na história das últimas décadas".

Para já, em Israel, tal como em Gaza, excepção feita aos radicais religiosos e ideológicos extremistas, também se aplaude este acordo, e o Governo de Natenyhau confirma a intenção de não o comprometer, como sucedeu nas anteriores tentativas, mas não deixa de sublinhar que a segurança de Israel não pode ser questionada em nenhum momento.

Se este acordo tem mais possibilidades de sucesso que os anteriores, só o tempo o dirá.