A PGR moçambicana, segundo os media locais, acusa Venâncio Mondlane de estar a procurar "subverter o Estado Democrático e de Direito" ao anunciar a criação de uma instância de justiça ilegal para alterar a ordem constitucional.
Segundo se pode perceber no documento divulgado pelo Ministério Público moçambicano, o decreto de Mondlane é uma "flagrante violação" do disposto na Constituição, porque, naturalmente, compete ao Estado criar os seus tribunais.
Recorde-se que Venâncio Mondlane se autodenominou Presidente de Moçambique após as eleições de 09 de Outubro e da longa sucessão de protestos populares (ver links em baixo) contra o que chamou "fraude gigantesca" que deu a vitória esmagadora à FRELIMO.
Se este processo for conduzido até ao fim, e as acusações da PGR forem consideradas válidas em tribunal, Venâncio Mondlane enfrenta uma das penas mais pesadas aplicadas pelo Estado moçambicano.
No decreto polémico, segundo a Lusa, o ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane quer que o povo se constitua em "tribunal autónomo" e emita "sentenças" contra os órgãos de polícia, alegando a "onda macabra" de "execuções sumárias" sem intervenção das autoridades.
A posição surge num documento, divulgado na passada terça-feira, e que intitula de "decreto", publicado no autodesignado "Jornal do Povo", com 30 medidas para os próximos 100 dias, sendo que, numa delas, Venâncio Mondlane, que o assina, afirma que "cabe ao povo, as vítimas, instituir-se como tribunal autónomo que emite sentenças para travar a onda macabra da UIR, GOE e Sernic", referindo-se a unidades da Polícia da República de Moçambique que acusa de "incessante fulgor de execuções sumárias".
"Diante da completa inércia e silêncio das autoridades da Frente de Libertação de Moçambique [Frelimo], aliás, que desrespeitaram o direito do povo de escolher quem governa ao roubarem votos. A que instituição se socorreria o povo senão a este mesmo povo na forma autoprotecção", lê-se no documento, em que Mondlane cita o "direito à reacção equitativa para defesa" e apela aos elementos que integram estas forças policiais "a revelarem os autores das execuções sumárias" para que "o tribunal do povo emita as suas sentenças".
Embora o documento não o diga desta forma, numa intervenção a partir da sua conta oficial na rede social Facebook no dia 17 de janeiro, Venâncio Mondlane, lembra a Lusa, apelou à aplicação da chamada "Lei de Talião", da bíblia.
"Cada elemento da população assassinado por um elemento da UIR [Unidade de Intervenção Rápida] automaticamente paga-se pela mesma moeda, esse elemento da UIR também é varrido da existência, vai para o inferno (...) Chamem-me agitador, chamem-me o que quiserem, o povo está sendo morto, está sendo sequestrado, é assim que vai ser", disse.
A PGR refere que "devido ao conteúdo veiculado no referido jornal", realizou "uma consulta prévia ao Gabinete de Informação (Gabinfo), órgão de coordenação e supervisão da comunicação social em Moçambique, sobre a legalidade do mesmo, tendo-se constatado que o intitulado `Jornal do Povo` não se mostra registado", pelo que "a sua existência e circulação configura `imprensa clandestina`".
"Nestes termos, a PGR exorta aos cidadãos em geral a contribuírem para a estabilidade política e social e manutenção da paz, devendo para tal absterem-se da prática de actos que podem degenerar em desordem e/ou violência", concluiu.
No documento divulgado na semana passada, em que apresenta outras "medidas governativas" para os próximos 100 dias a partir do que descreve como "Gabinete do Presidente Eleito", Mondlane, que não reconhece os resultados proclamados das eleições gerais de 09 de outubro, que deram a vitória a Daniel Chapo -- já empossado como quinto Presidente de Moçambique em 15 de janeiro -, exige a "cessação imediata da violência" da UIR "para com a população e o genocídio silencioso levado a cabo" pelas forças policiais.
De acordo com organizações no terreno, como a plataforma eleitoral Decide, em três meses de manifestações pós-eleitorais, desde 21 de outubro, já morreram pelo menos 315 pessoas e cerca de 750 foram baleadas, havendo registo de mais de 4.100 detidos.
"Libertação incondicional de todos os detidos no âmbito das manifestações" ou a "compensação aos familiares" das vítimas mortais das manifestações com uma indemnização de 200 mil meticais (3.000 euros) são outras das medidas apontadas por Mondlane.
A "extensão do não pagamento de todas as portagens", o acesso "gratuito" à água, redução em 50% do preço do gás doméstico e da energia eléctrica e a fixação do preço de 300 meticais (4,50 euros) pelo saco de 50 quilogramas de cimento - alegando que o mesmo produto é vendido mais caro em Moçambique do que nos países vizinhos - integram a lista.