Rapidamente as televisões em todo o mundo se encheram de imagens de carros de combate nas ruas de Moscovo, já passava das 03:00 naquela latitude, a posicionarem-se nas imediações dos principais edifícios estatais da urbe, enquanto Prigozhin e os seus combatentes se deslocavam, aparentemente sem obstáculos, para a cidade de Rostov-on-Don, a capital regional de Rostov, no sudoeste da Rússia, onde está localizado o comando militar sul e centro coordenador das operações militares na Ucrânia.
Não demorou muito para que de todo o mundo surgissem reacções, ora cautelosas, como dos EUA, ora efusivas, como as dos principais aliados europeus da Ucrânia, e os comentadores militares não escondiam a sua surpresa com a atitude do líder do Grupo Wagner, que se notabilizou pelas suas declarações contra o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e contra o CEMGFA, Valery Gerasimov.
O poder deste homem chega-lhe da proximidade antiga a Putin, ambos naturais de São Petersburgo, tendo começado, depois de anos preso devido à sua ligação ao mundo do crime grave, a sua carreira de empresário na área da restauração, no final dos anos de 1990/início de 2000, ao mesmo que o seu velho amigo chegava ao Kremlin, passando depois para o negócio da área militar, onde os seus "soldados da fortuna" ficaram famosos pela sua acão em países africanos como o Mali, a RCA, a Líbia ou o Burkina Faso...
A reacção do Presidente russo Vladimir Putin só surgiu já às primeiras horas da manhã deste Sábado, que pode muito bem ficar para a história da Rússia, e desta guerra na Ucrânia, como o dia em que o líder de um grupo de mercenários desafiou o poder do Kremlin.
Esta reacção de Putin é o momento mais decisivo neste caos que se gerou na Rússia depois da ameaça do chefe dos mercenários, onde nunca se pensou que Prigozhin pudesse chegar porque é conhecida a sua relação de forte proximidade e aparente confiança que existia entre ambos, o que, alias, se pensava que era o que dava lastro para as declarações bizarras deste chefe paramilitar nos últimos meses.
E a última terá sido a que antecipou esta situação e que o levou a colocar nas estradas do sul da Rússia uma coluna militar de 400 veículos com a qual ameaça destruir tudo o que surgisse à sua frente no caminho até Moscovo para destituir do poder os seus dois "inimigos, o ministro da Defesa e o chefe das Forças Armadas da Federação Russa, que estes teriam mandado bombardear o acampamento dos seus homens no Donbass, o que foi de imediato desmentido pelo comando militar russo mas sobre as quais não há forma de verificar de forma independente.
"Traição à pátria"
Apesar de Prigozhin nunca ter questionado o poder do seu amigo de longa data, foi Vladimir Putin que lhe desferiu o mais rude golpe, ao acusá-lo de "traição à pátria", logo nas primeiras palavras com que reagiu a esta situação que apanhou tudo e todos desprevenidos e logo quando as coisas pareciam estar a correr melhor que o esperado para os russos perante a contraofensiva ucraniana que levou mesmo Kiev a optar por uma pausa operacional para reorganizar as suas forças face às pesadas perdas em combate que vinha a acusar desde 04 de Junho.
Putin garantiu ainda que os responsáveis por estes tumultos vão ser "severamente castigados" e que vai "fazer tudo para defender a Rússia", prometendo que serão postas na rua "acções decisivas" contra os que integram a coluna que visa derrubar o poder em Moscovo, prometendo ao mesmo tempo que a situação será controlada e reposta a normalidade rapidamente.
"Aqueles que estão por detrás desta rebelião armada vão ser devidamente levados à justiça e castigados", disse, aproveitando para aconselhar "todos os que estão envoltos neste golpe em curso para desistirem das suas acções criminosas enquanto têm tempo".
Nas declarações que foram transmitidas pela TV russa, já nesta manhã de Sábado, Putin, sem nomear o chefe do Grupo Wagner, optando por se referir a "todos os que estão pode detrás" desta intentona, serão perseguidos e julgados por traição à pátria, o mais grave crime de que se pode ser acusado no país.
E avisou os que estão com Prigozhin, sempre sem nomear nomes, que esta acção é ainda mais grave quando a Federação Russa está a "travar uma batalha existencial" contra inimigos estrangeiros (países da NATO) e o regime nazi em Kiev" onde está em causa a "soberania e a vida e segurança de todos os russos"
Ao mesmo tempo que este discurso estava a ser transmitido, como ficou claro logo a seguir, todas as forças de segurança do país estavam a ser mobilizadas para derrotar Prigozhin e os seus mercenários, especialmente as forças em torno de Moscovo e de Rostov e os serviços secretos, SVB, antigo KGB, além de que, durante a madrugada também foi noticiado que o ministro da Defesa deu ordens à Força Aérea para disparar contra a coluna que seguia em direcção a Rostov-on-Don.
O chefe do Grupo Wagner já reagiu a disse que Putin está errado, que não é traição à pátria, é uma iniciativa para "salvar a Rússia" e garantiu que haverá mudanças em Moscovo quer queiram quer não.
Entretanto, soube-se que Yevgeny Prigozhin já esteve reunido com generais leais a Moscovo e que o Kremlin estará a garantir que a deposição das armas por elementos do Grupo Wagner será tida em consideraçâo quando esta crise estiver ultrapassada.
Situação "muito estranha"
Alguns analistas militares, como o coronel Mendes Dias, e o major general Agostinho Costa, ouvidos pelos media portugueses, admitem que todo este movimento pode ser uma "enorme deceção militar", porque há poucos sinais claros de que se trate efectivamente de uma intentona.
Pode mesmo ser uma manobra para distrair atenções enquanto são redefinidas as linhas de organização na frente de combate, onde se sabe que os ucranianos estão a sofrer pesadas baixas e os problemas acumulam-se e se está a admitir que a Rússia possa aproveitar para lançar, por sua vez, uma ofensiva sobre as posições ucranianas, que, se for o caso, este "teatro" produzido por Prigohizin pode servir de cobertura tanto mediática como geradora de confusões entre as chefias de Kiev.
Sendo uma efectiva rebelião do Grupo Wagner, ou uma manobra de deceção, como Agostinho Costa diz poder ser, sublinhando o à-vontade com que os elementos Wagner se mostram para as câmaras de televisão, se passeiam pelas ruas, foram vistas imagens do chefe dos mercenários com generais do Exército russo em Rostov, sem indícios de severa animosidade...
Ou estamos de facto perante uma sublevação de um grupo militar privado contra o poder em Moscovo ou estamos perante uma gigantesca operação de distração enquanto a linha da frente da guerra começa a ser redesenhada, adverte o oficial general ouvido na CNN Portugal.
Para já, seja como for que evolua este estranho acontecimento, Vladimir Putin conta com o apoio já tornado público pelo comandante das unidades tchetchenas, Ramzan Kadirov, que se comprometeu com a defesa da lei e da ordem na Rússia.
O líder tchecheno disse que está às ordens de Putin para acabar com a rebelião de Prigohzin, o que surge num contexto em que, pelo que se sabe, deste a leitura dos media russos aos relatos dos correspondentes dos media ocidentais em Moscovo, não houve nenhuma unidade militar relevante a sair em apoio ao Grupo Wagner nem sequer existem indícios de um apoio popular a esta iniciativa tão arrojada quanto arriscada.
Zelesnky aproveita
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, também reagiu, já a meio da manhã deste sábado, 24, lembrando que já tinha advertido antes que "o mal se destrói por dentro" e que o regime russo "começou a desmoronar" com esta intentona em curso.
O chefe do regime em Kiev aproveitou para garantir que o país continua a mostrar "grande resiliência" face à invasão russa e que Kiev mantém em cima da mesa a sua ofensiva para libertar o país da ocupação.
"Quem escolhe o caminho do mal acaba por se aniquilar a si próprio", disse Zelensky, acrescentando que a Rússia está a "mostrar toda a sua fraqueza".
Estas palavras do Presidente ucraniano só foram ouvidas já a meio desta manhã de Sábado, o que denota que em Kiev também se estava a analisar com precaução esta situação, e que há muita informação falsa a circular.
Só com o passar das horas será possível distinguir a verdade da desinformação, porque, como lembrava de novo Agostinho Costa, se há uma marca que esta guerra trouxe para ficar, foi que se trata de um conflito hibrido, onde a batalha comunicacional é tão importante como o troar dos canhões.