O general Fuad Shukr era não apenas o comandante militar do grupo mas ainda o histórico braço direito do histórico líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e, segundo vários analistas, o homem por detrás das operações mais sofisticadas deste movimento xiita pró-iraniano contra Israel e contra os EUA, como foi o famoso ataque na década de 1980, em Beirute, onde morreram mais de 230 militares norte-americanos, o que é um golpe robusto na cúpula do grupo e na sua capacidade operacional.

Ismail Haniyeh é ainda mais relevante na estrutura política liderante do Hamas, e a sua morte pode ser considerada o maior feito em muitos anos das forças especiais israelitas que, com o seu assassinato, deixam um recado claro a todos os "inimigos" regionais: ninguém está a salvo.

Nem mesmo na Turquia, cujo Presidente, Recep Erdogan, ameaçou esta semana invadir Israel para puir o regime hebreu pelo genocídio em Gaza, tendo já depois do assassinato do líder do Hamas voltado a condenar vigorosamente Israel.

Alguns analistas apontam para um plano alargado de Israel - que ainda não reivindicou a morte do líder do Hamas - de abate das cúpulas dos inimigos regionais em conluio com os Estados Unidos, até porque não só o primeiro-ministro esteve há dia em Washington, onde estes assassinatos não podem ter sido ignorados nas conversas de alto nível com a Administração norte-americana, e o chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, esteve recentemente em Israel.

Os media norte-americanos noticiaram que, no caso do assassinato do nº 2 do Hezbollah, Fuad Shukr, na capital libanesa, na terça-feira, 30, Israel informou previamente os Estados Unidos, o que não deixa margem para dúvidas que o mesmo não sucedeu no caso do ataque em Teerão que matou o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, até porque o melindre neste caso é sobejamente maior.

A questão a partir daqui é saber que resposta vão dar os dois movimentos islâmicos, Hamas e Hezbollah, ambos em guerra com Israel, seja na faixa de Gaza, no caso do Hamas, e na fronteira israelo-libanesa, no caso do Hezbollah, mas especialmente o Irão, cuja capital Israel voltou a usar como palco para mais uma operação de elevado grau de risco e grande impacto regional.

Para já, em Teerão, o aiatola Ali Khamenei, o líder supremo do Irão, já veio dizer que o assassinato de Ismail Haniyeh, na madrugada desta quarta-feira, em Teerão, onde estava para assistir à posse do novo Presidente do país, Masoud Pezeshkian, eleito em Junho, depois da morte do anterior Presidente Ibrahim Raisi, na queda um helicóptero, tem de ser vingado e afirmou que o Irão tem todo o direito a fazê-lo porque Israel usou o seu território para esta operação.

E tanto o Hezbollah como o Hamas já vieram dizer que a morte destas duas figuras será vingada, embora o Hezbollah tenha deixado em aberto a possibilidade de Fuad Shukr, cujo "nome de guerra" é Hajj Mohsen, ter sobrevivido ao ataque no Líbano, admitindo todavia que este estava no edifício que foi alvo do míssil de precisão usado por Israel no ataque.

Estes dois ataques, espaçados por menos de 24 horas, surgem num momento em que tanto em Washington como em Telavive, no Qatar e no Egipto, decorriam negociações de alto nível para um cessar-fogo em Gaza, onde, curiosamente, Ismail Haniyeh era peça fundamental, que, se fossem bem sucedidas teriam ainda como consequência travar a escalada da guerra entre o Hezbollah e Israel, que contém o risco de um envolvimento do Irão.

Negociações essas que só por um milagre poderão ser retomadas, sendo bem mais seguro admitir que a partir de agora haverá uma escalada no conflito em duas frentes travado por Israel, seja em Gaza, com o Hamas e a Jihad Islâmica, seja no sul do Líbano, com o Hezbollah.

Ora, uma das ilações óbvias que se saem deste novo cenário no Médio Oriente é que Israel não está interessado num cessar-fogo em Gaza e está disponível para uma guerra de grande intensidade com o Hezbollah no norte de Israel e sul do Líbano, sendo igualmente evidente que em Washington Benjamin Netanhau recebeu "luz verde" para avançar com, pelo menos, estes dois assassinatos.

Porque quer Netanyhau continuar "em guerra"?

A resposta é simples e é partilhada por um grupo alargado de analistas independentes. Para o primeiro-ministro israelita, a guerra é a única ferramenta que lhe garante a manutenção no poder, longe dos tribunais, consolidando a coligação que sustenta o seu Executivo em Telavive, pontuada por pequenos partidos radicais que já ameaçaram fazer cair o Governo se fosse acordado um cessar-fogo.

Benjamin Netanyhau usou a operação militar em Gaza para colocar em stand by o processo em tribunal onde está como arguido e acusado de corrupção agravada, manteve sob controlo as gigantescas manifestações contra o seu Governo e agora tem à perna um conjunto de suspeitas de que o ataque do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro terá contado com um estranho fechar de olhos das secretas israelitas, como pode ser revisitado aqui.

Além disso, Netanyhau arrisca ter de responder a algumas questões de grande melindre, no âmbito da política interna, como seja o facto de todos os objectivos anunciados para a operação militar em Gaza, lançada logo após o 07 de Outubro, estarem por cumprir nove meses depois.

Isto, quando os mais de 350 mil soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF), o maior moderno Exército do Médio Oriente, com acesso ilimitado aos arsenais dos EUA, incluindo os caças F-35, ainda não conseguiram debelar a resistência de cerca de 70 mil combatentes do Hamas, armados apenas com armas ligeiras e roquetes caseiros.

Ou seja, esta disparidade de meios não permitiu a Netanyhau aniquilar o Hamas, libertar todos os reféns levados pelo Hamas para Gaza a 07 de Outubro, e Gaza não deixou, como o primeiro-ministro israelita prometeu, passar a ser um lugar seguro para Israel.

Pelo meio, Benjamin Netanyhau deixou um rasto de quase 40 mil mortos em Gaza, dos quais mais de 20 mil são crianças e 15 mil mulheres e idosos, além da destruição total das cidades e aldeias no território.

As próximas horas...

Sabe-se já, sem dúvidas, que vai haver uma resposta do Irão e do Hezbollah, mas também do Hamas, resta agora esperar se essa resposta será limitada ou não, porque, como recorda o especialista em assuntos militares major-general Agostinho Costa, podendo a medida da resposta ser o rastilho a arder para fazer explodir o barril de pólvora que é o Médio Oriente.

Agostinho Costa, na sua análise na CNN Portugal, defende que o objectivo do primeiro-ministro israelita é empurrar os Estados Unidos para uma guerra com o Irão, sendo que isso é uma possibilidade real porque na recente visita de Netanyhau a Washington este terá obtido a "autorização" norte-americana para estas operações de decapitação das cúpulas do Hezbollah e do Hamas.

"Pode ser a gota de água que fará o copo transbordar", aponta ainda Agostinho Costa, admitindo, porém, que esse "gatilho" pode ser evitado se o "eixo da resistência", como é conhecido o conjunto de países e forças na região que se opõem a Israel e aos EUA - Irão, Síria, milícias iraquianas, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica - não optar por satisfazer os desejos de Benjamin Netanyhau e dar uma resposta contida para evitar arrastar os EUA para uma guerra de larga escala.

"Estamos num momento muito crítico que pode ser a casa de banana metida debaixo dos pés dos Estados Unidos por Benjamin Netanyhau", acrescentou o analista, que diz ainda ter sido a forma de arrastar Washington para uma guerra de larga escala com o Irão.

Para evitar essa escalada, os grandes actores globais já se estão a posicionar e tanto a ONU, como a China, a Rússia e a Índia, já vieram exigir contenção e as condenações aos ataques de Israel crescem a cada hora que passa.