O Presidente Cyril Ramaphosa divulgou a constituição do seu Governo na noite deste Domingo, 30 de Junho, um mês após as eleições que castigaram o Congresso Nacional Africano (ANC) com a perda da maioria absoluta três décadas depois da queda do regime do apartheid.
E, como se esperava, no seu "gabinete" estão representados, em clara maioria o ANC, depois com uma participação relevante da AD e ainda mais oito pequenas forças políticas, incluindo os nacionalistas zulos do Inkhata.
Pela frente este histórico Governo tem precisamente os graves problemas económicos e sociais que o ANC não conseguiu resolver em 30 anos de Governos de maioria absoluta e que está na génese do descalabro eleitoral de 29 de Maio, onde não foi além dos 41%.
A corrupção a galgar patamares nunca alcançados, o desemprego a arruinar vidas de famílias inteiras a um ritmo sem precedentes, a insegurança em valores irreconhecíveis, mesmo para a violenta África do Sul, problemas na saúde e na educação que parecem insolúveis... eis o "mapa" das dores de cabeça do novo Governo e primeiro desde 1994 com o ANC sem maioria absoluta.
Neste Governo, depois de um braço-de-ferro entre ANC e AD que durou semanas e, por vezes a ameaçar desmoronar o esforço de erguer uma solução multipartidária, o partido de Nelson Mandela manteve a maioria dos cargos ministeriais, com 20 dos 32 Ministérios.
Dos remanescentes 12, a Aliança Democrática ficou apenas com seis, tendo os restantes seis sido entregues aos parceiros mais pequenos da coligação, numa correlação de forças ainda assim longe do rácio obtido nas urnas, 41% para o ANC e 21% para a AD. (ver links em baixo nesta página)
Inicialmente, Ramaphosa tentou agregar ao seu "Governo de unidade nacional" os partidos que resultaram de cortes umbilicais ruidosos, primeiro com os Combatentes da Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), de Julius Malema, antigo líder da juventude do ANC, e o MK, criado recentemente pelo ex-Presidente Jacob Zuma.
Todavia, como foi revelando a imprensa sul-africana ao longo deste longo mês de pesadas e sonoras negociações, nem Malema nem Zuma aceitaram sequer conversar com Ramaphosa perante a entrada da AD na coligação, sendo que tanto um como outro alimentam a ideia de que o novo parceiro do ANC são efectivamente o remanescente do apartheid na política nacional.
Todavia, a AD também se manteve intransigente, embora esse posicionamento não tenha sido anunciado de forma tão expressiva, em entrar num Governo onde estivessem Zuma e Malema, que representam a esquerda mais radical, acabando Ramaphosa por ceder aos ruidosos 21% de votos obtidos pelo partido de John Steenhuisen, à direita no espectro ideológico sul-africano.
Para reduzir as tensões na formação do Executivo, depois de John Steenhuisen (na foto com Ramaphosa) ter feito um forte finca-pé para obter o Ministério da Indústria e Comércio, Ramaphosa não cedeu mas foi "obrigado" a entregar o igualmente gigantesco Ministério da Agricultura ao líder mais relevante desta parceria governativa.
Para seu vice-Presidente Cyril Ramaphosa indicou novamente Paul Mashatile, do ANC.
A maioria dos analistas considera que o Presidente sul-africano foi hábil na gestão desta crise, ganhando igualmente tracção no sentido histórico da sua decisão ao concluir com estrondo o processo de reconciliação nacional encetado por Nelson Mandela em 1994.
Mas esse caminho não está isento de riscos, porque a AD fez toda a sua campanha assentar na ideia de que um seu Governo seria a solução para os problemas que o ANC se mostrou incapaz de diluir em três décadas, deixando o país mais desenvolvido do continente resvalar para a pobreza e injustiça social.
Além disso, John Steenhuisen montou grande parte dos seus discursos com base no sucesso do seu Governo na província do Cabo Ocidental, o que pode levar a que, nas próximas eleições, se este Executivo for mais eficaz que os anteriores, alavanque uma ainda mais robusta recuperação eleitoral da AD.