Logo após o discurso em que, na quarta-feira, manhã cedo, Putin ameaça de forma clara e inequívoca o mundo com um armagedão nuclear perante uma putativa ameaça existencial à Federação Russa e anuncia a mobilização de mais de 300 mil reservistas para atirar para a frente de combate na Ucrânia, em Moscovo, e noutras grandes cidades russas, emergiram fortes protestos anti-guerra, liderados por jovens que temem ser forçados a combater contra a sua vontade, tendo as forças de segurança do Kremlin detido largas centenas deles.

Estes protestos nem de perto nem de longe esmoreceram o ímpeto guerreiro de Vladimir Putin, que está a avançar, aparentemente, como previsto, com os referendos populares no Donbass (Donetsk e Lugansk) e ainda em Kherson e Zaporijia, visando a aprovação para a integração destas províncias com pleno direito na Federação Russa.

Essa condição vai permitir ao Kremlin, usando das normas legais russas, mas com forte contestação e não-reconhecimento da comunidade internacional ocidental, aplicar respostas mais musculadas militares face aos ataques ucranianos a estas regiões, parcialmente ou integralmente, controladas pelas forças de Moscovo há meses, no contexto desta invasão que teve início a 24 de Fevereiro, contado para isso com os mais de 300 mil reservistas que vão ser incorporados nas fileiras do Exército russo.

Entretanto, Zelensky...

... foi ao ecrã gigante da Assembleia-Geral das Nações Unidas, a partir de Kiev, apresentar à Rússia um mapa para percorrer até chegar à paz, que prevê castigos impossíveis de aceitar por Moscovo, passando, entre outros pontos, a entrega de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia, o pagamento de uma soma pantagruélica por danos de guerra, a aceitação de garantias de segurança para o futuro...

O Presidente ucraniano optou por definir cinco pontos com as condições que quer que Moscovo aceite para fazer da paz uma realidade no leste europeu, lembrando que "foi cometido um crime contra a Ucrânia e o criminoso deve ser justamente punido" com a criação de um tribunal especial inernacional, garante que Kiev quer paz e "o único que quer a guerra" é Putin, devendo, por isso, a Rússia perder poder no Conselho de Segurança, onde é um dos cinco membros permanentes com direito de veto, quer a devolução de todos os territórios ocupados pela Rússia.

Volodymyr Zelensky aproveitou o discurso à distância nas Nações Unidas para vincar aquele que tem sido o seu padrão retórico face à agressão russa, afirmando que a Ucrânia vai vencer a guerra e expulsar os russos, não deixando perceber qualquer tipo de receio sobre as ameaças da véspera de Putin, quando este disse que não haverá hesitação no uso do nuclear se a existência da Rússia for posta em causa pelo avassalador apoio militar e financeiro da NATO a Kiev, porque, naturalmente, o chefe do Governo de Kiev sabe que aquela ameaça não é para ele mas sim para o ocidente, que é quem suporta esta guerra e que sabe que ela acabaria no momento em que deixar de apoiar Zelensky.

A fresta de esperança na forma de troca de prisioneiros

E quando nada o fazia supor, o que deixa claro que outras negociações podem estar igualmente a decorrer outras negociações, Kiev e Moscovo anunciaram ao mundo uma troca de prisioneiros de grande "calibre", que abrange os comandantes de topo do batalhão Azov, considerado pelos russos como nazis odiosos, e centenas de militares de diversas patentes, entregues pelo Kremlin, tendo recebido, além de um grupo de 55 militares, Viktor Medvedchuk, um homem de negócios multimilionário (oligarca) ucraniano, antigo deputado em KIev, líder de um partido pró-russo, e amigo íntimo de Putin, que tinha sido detido pelos serviços secretos ucranianos no início da guerra, acusado de traição, vendo, tal como outros 10 com assento parlamentar, o seu partido da oposição extinto legalmente.

Esta troca de prisioneiros, que apanhou toda a gente de surpresa, incluindo 10 mercenários estrangeiros, vem reforçar a tese de que por detrás dos panos procura-se uma solução que permita aliviar as economias ocidentais, especialmente da Europa ocidental e dos EUA, da inflação histórica, da crise económica que se abespinha e da recessão que se insinua cada vez com maior ênfase, sendo que os bancos centrais procuram travar esta corrida para o precipício através de subidas históricas de taxas de juro que, para já, tardam a fazer efeito, deixando o fim da guerra na Ucrânia como a única garantia de acabar com este pesadelo global.

No total foram envolvidos 215 militares e outras figuras do regime de Kiev que estavam detidos pelos russos, abrangendo ainda 188 dos seus militares que tinham sido capturados durante o cerco russo à Azovstal, onde estava o famoso batalhão de cariz nazi-fascista Azov.

Zelensky disse que esta troca de detidos é uma grande vitória de Kiev, prometendo fazer tudo o que lhe for possível para "salvar todos aqueles que continuam cativos das forças russas".

Mas o líder ucraniano revelou um pormenor interessante, que foi a troca directa de Viktor Medvedchuk contra 200 militares russos detidos pelos ucranianos, e depois, numa segunda fase, mais 55 russos, entre civis e militares, onde se crê estarem elementos dos serviços secretos russos, contra cinco dos comandantes do Batalhão Azov, que foram transferidos para a Turquia, edstando estes sob a guarda das autoridades turcas até ao fim do conflito e impedidos de voltar à Ucrânia.

O Kremlin não se referiu a esta negociação em nenhuma ocasião.

Apenas meio passo rumo à paz?

Parece que sim, porque o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, voltou a avisar os Estados Unidos de estarem a "brincar com fogo nuclear" quando demonstram cada vez menos preocupações no seu apoio avassalador a Kiev no esforço de guerra.

Numa entrevista à Newsweek, Lavrov, que é um dos mais experimentados diplomatas em serviço no mundo, disse que os EUA e os seus aliados da NATO "não estão à procura de paz" na Ucrânia, mas sim a "usar a Ucrânia para infligir a estratégica derrota da Rússia", como te sido admitido ao longo dos quase sete meses de guerra por responsáveis norte-americanos, como os Secretários da Defesa, Lloyd Austin, ou de Estado, Antony Blinken.

"Hoje, os países ocidentais enviar ininterruptamente e cada vez mais armamento para o regime neo-nazi da Ucrânia e treinam as suas forças armadas, quando as armas sofisticadas da NATO e dos EUA estão a ser usadas para atacar a Rússia, matando civis em território russo", disse Lavrov.

O chefe da diplomacia russa avançou ainda nesta entrevista que Washington "não esconde que está a fornecer informação estratégica a Kiev e a especificar alvos russos para a suas armas manipuladas por mercenários e conselheiros americanos neste conflito".

"Tudo isto é brincar com o fogo nuclear", advertiu Lavrov, a senda do que dissera já o Presidente Putin ao afirmar que não hesitará no uso de armas nucleares face a uma ameaça existencial para a Rússia, notando ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros que falta muito pouco para que os EUA passem a de facto parte inteira neste conflito, o que dará o tiro de partida para um armagedão nuclear.

Recorde-se que no início da guerra, o Presidente Joe Biden disse concordar com Putin, admitindo que no dia em que as forças da NATO combaterem directamente com as forças russas, a escalada para o patamar nuclear será inevitável.

Biden na ONU

O Presidente dos EUA foi ao púlpito das Nações Unidas, na quarta-feira, descarregar todo o seu arsenal de críticas e acusações ao Presidente russo, Vladimir Putin, deixando um aviso à navegação global: as ambições imperiais não podem ficar sem consequências.

"Se as nações puderem perseguir as suas ambições imperiais sem consequências, isso significa que estamos a colocar em risco tudo o que as Nações Unidas defendem e pelo qual foram criadas", disse Joe Biden em frente aos lideres do mundo que se deslocaram a Nova Iorque para mais uma Assembleia-Geral da ONU.

Referindo-se claramente à Federação Russa, principal tópico do seu discurso, Biden atirou um aviso a Moscovo: "Um país não pode tomar pela força território de outra Nação".

"A Ucrânia tem os mesmos direitos de qualquer outro país soberano e nós vamos estar ao seu lado em solidariedade contra a agressão russa", sublinhou, acrescentando que se o que está a acontecer na Ucrânia não for travado, pode acontecer a qualquer outro país que tenha uma potência maior ao seu lado.

Procurando incentivar o resto do mundo para apoiar igualmente Kiev, Biden dirigiu-se especialmente aos que até aqui têm estado renitentes em condenar a Rússia ou se abstiveram nas moções levadas à AG da ONU para condenar a atitude do Kremlin.

Num contexto de forte retórica acusatória a Moscovo, o chefe da Casa Branca disse que a Federação Russa está a tentar apagar do mapa um vizinho, violando, na sua condição agravada de ser um membro permanente do Conselho de Segurança, todas as leis internacionais, e a Carta das Nações Unidas nos seus princípios mais básicos.

"A Rússia provocou uma guerra desnecessária", atirou.

E acrescentou: "Esta é uma guerra que visa extinguir a Ucrânia, de lhe tirar o direito a existir enquanto Estado e enquanto povo, simples quanto isso", deixando perceber que o apoio de Washington a Kiev não vai esmorecer depois de ainda hoje Putin ter anunciado um reforço na frente de ataque com mais 300 mil reservistas, como pode ler aqui, no Novo Jornal, Biden disse que aquilo que a Rússia está a fazer "tem de congelar o sangue de toda a gente, esteja onde estiver, viva onde viver, acredite no que acreditar".

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.