As redes sociais e quase toda a grande imprensa internacional estão com as antenas focadas na polémica sessão fotográfica onde o casal presidencial ucraniano, Volodymyr Zelensky e Olena Zelenska, aparece em poses trabalhadas em cenários de guerra, incluindo ruínas geradas por explosões de artilharia, relegando a questão essencial, o avanço e recuo das forças na frente de batalha para segundo plano.

Tudo aquilo que a máquina de propaganda de Kiev não queria, está a acontecer. Em vez do realce da beleza da primeira-dama ucraniana em contraste com a feiura cinzenta da carcaça de um avião retorcida pelas explosões, no lugar de sublinhados elogiosos à ternura demonstrada pela união das mãos do casal em tempos de guerra, com o abraço separado pelo mau gosto evidente ou a deliquescente ternura pretendida por Olena e Volodymyr quando focam o olhar na lente da norte-americana Annie Leibovitz, uma das mais famosas fotógrafas de celebridades do mundo, esta jogada de marketing conseguiu apenas como legenda de uma boa parte da opinião pública mundial a palavra "obsceno".

As fotografias do casal presidencial ucraniano numa das mais prestigiadas revistas de moda internacionais, a Vogue, estão a conseguir aquilo que mais de cinco meses de guerra, a que está associada uma das mais graves crises económicas e alimentares em muitos anos, não conseguiram: críticas efusivas à obscenidade que existe na busca de protagonismo e simpatia aproveitando símbolos de sofrimento e terror como são todos os efeitos da guerra sobre as cidades e as pessoas.

Alguns analistas admitem mesmo que esta sessão fotográfica foi a abertura que a opinião pública ocidental, que vive tempos de crise severa como estilhaço do conflito no leste europeu, que começou a 24 de Fevereiro com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin, precisava para mostrar que está cansada da guerra e da sufocante máquina de propaganda ao serviço de Kiev, que já não mostra capacidade para afogar as críticas em ânimo colectivo para apoiar os governos ocidentais que alimentam em material militar e parcelas de centenas de milhões de dólares o esforço de guerra ucraniano.

Perante um tiro que saiu claramente pela culatra, Zelensky, os seus conselheiros políticos e as suas chefias militares, assessoradas por agências de comunicação europeias e norte-americanas, resolveram apressar a pré-anunciada em grandes parangona operação de reconquista do sul da Ucrânia que está nas mãos dos russos desde as primeiras semanas de guerra, especialmente a província de Kherson, que dá acesso aos principais portos do Mar Negro, e ainda a área de Mariupol, que ficou conhecida como uma das mais duras batalhas deste conflito.

Como o jornal britânico The Guardian, um dos mais empenhados na defesa dos pontos de vista ucraniano, especialmente com a permanente citação de fontes dos serviços secretos do Reino Unido, noticia hoje, 28 de Julho, "começou a operação de libertação de Kherson".

Mas esta tentativa de diluir a abrasiva polémica da família presidencial como modelos da Vogue não parece estar, para já, a resultar, como o demonstram as redes sociais e uma importante parte da imprensa internacional.

Nada parece bater em atenção a capa da revista, fotografada por Annie Leibovitz, onde Olena emerge numa das muitas página da Vogue a ela dedicadas, com um extenso vestido azul de duas peças, em contraste com um fundo cinzento de chapa de avião retorcida com as distintas cores da bandeira ucraniana, pulverizadas em azul e amarelo, guardada por três guerreiras, fortemente armadas e de óculos escuros fechados, noutro contraste com o olhar aberto e incisivo da primeira-dama cuja mão a apertar as peças de roupa junto ao pescoço (na foto) busca, sem o conseguir, equilibrar o glamour com um certo desconforto...

Falhado este objectivo de, mais uma vez, buscar apoio internacional para a Ucrânia através da propaganda elaborada, o conselheiro do Presidente Zelensky, Oleksiy Arestovych, apressou-se a anunciar que as forças ucranianas, que estavam anunciadas como sendo mais de um milhão de homens e mulheres, arregimentadas entre a população, estrangeiros e forças de reserva, iniciaram a sua marcha triunfal para a reconquista dos territórios do sul nas mãos de Moscovo.

Para isso, as forças de Kiev, com recurso à artilharia sofisticada fornecida pelos EUA, os HIMARS, destruíram depósitos de armamento e várias pontes de acesso à província, de forma a impedir a logística russa e isolar as suas forças do campo de batalha onde incide esta operação que visa desfraldar de novo a bandeira azul e amarela na costa do Mar Negro.

Este anúncio da operação de reconquista, que, ao anular o efeito surpresa, contrasta com o normal das operações militares mas faz sentido nas estratégias de deceção, coincide, sem que seja possível saber se por acaso ou não, como o anúncio de importantes manobras miliares russas no sul da Federação Russa, relativamente perto da Ucrânia, anunciadas como envolvendo outros países, com dezenas de milhares de homens e material miliar do mas sofisticado que os russos dispõem e que ainda não chegou aos campos de batalha ucranianos, incluindo novos carros de combate, artilharia e os novos aviões SU-57, apresentados como sendo furtivos e de poder só equiparado ao que de melhor possuem os EUA, como o seu novo F-35.

Este anúncio da operação é corroborado, segundo o The Guardian, pelos serviços secretos britânicos, que apontam para a existência de uma bem estabelecida e consolidada força ucraniana de grandes dimensões próxima do Rio Ingulets, que visa as posições russas a norte de Kherson.

Esta, estimam os britânicos, e confirmam os ucranianos, será a nova e mais incandescente batalha dos mais de cinco meses de guerra. E se Kiev conseguir reconquistar esta província, de longe a mais importante sob seu domínio desde o início da guerra, isso pode ser um bom novo fulgor para os objectivos ucranianos.

Primeira conversa Blinken-Lavrov em 5 meses agendada para "próximos dias" (Lusa)

O chefe de diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, revelou hoje que irá ter "nos próximos dias" a primeira conversa com o homólogo russo, Sergei Lavrov, desde o início da invasão russa Ucrânia, noticia a Lusa.

A primeira conversa em mais de cinco meses entre os responsáveis das diplomacias norte-americana e russa, irá decorrer por telefone e focar-se-á na situação dos norte-americanos detidos na Rússia e na retoma das exportações ucranianas de cereais, objeto de um acordo na semana passada, mediado pelas Nações Unidas e Turquia.

O secretário de Estado norte-americano especificou durante uma conferência de imprensa que "não será uma negociação sobre a Ucrânia", mas deverá ser principalmente dedicada aos norte-americanos detidos na Rússia e à retoma das exportações de cereais ucranianos.

O último diálogo entre Blinken e Lavrov foi em 15 de fevereiro, quando o diplomata norte-americano instou a Rússia a não avançar com a invasão da Ucrânia, o que se confirmou nove dias depois.

Na `mesa` dos dois ministros dos Negócios Estrangeiros estará agora o acordo entre Kiev e Moscovo, assinado na semana passada em Istambul para permitir o escoamento de cerca de 25 milhões de toneladas de cereais presos nos portos ucranianos.

"Esperamos que este acordo permita rapidamente que os cereais ucranianos sejam enviados novamente pelo mar Negro e que a Rússia honre a sua promessa de permitir a passagem destes navios", sublinhou Antony Blinken.

Desde que o acordo foi firmado, as autoridades ucranianas têm alertado que não confiam em Moscovo e relataram ataques russos à região de Odessa.

O Kremlin, pelo seu lado, tem defendido que não vê obstáculos à retoma das exportações, que estão também dependentes da retirada das minas marítimas colocadas pelas forças ucranianas para se protegerem contra um ataque russo por esta via.

Outro assunto prioritário para a Casa Branca, avança ainda a agência de notícias portuguesa, é a libertação de Paul Whelan e da basquetebolista Brittney Griner, que segundo Blinken estão detidos (na Rússia) "injustamente" e deviam poder voltar para casa.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.