Em Setembro do ano passado, quando as forças ucranianas empurraram a frente russa de volta para as suas fronteiras na região de Kharkiv, também foi através de um engodo criado laboratorialmente que enganaram os russos, ao criar a ficção de que iriam atacar a sul e não a norte, onde efectivamente aconteceu porque Moscovo deixou aquela região desguarnecida e apenas sob responsabilidade da guarda de fronteira, uma unidade sem poder de fogo relevante.

Agora, quando há pelo menos dois meses se fala insistentemente na contra-ofensiva ucraniana, gerando a ideia de que seria impossível voltar a trocar as voltas aos generais russos, eis que voltou a suceder, aparentemente, pelo menos, com uma frente mediática para a qual terão contribuído a generalidade dos media ocidentais mas em particular a britânica e circunspecta BBC, desde logo ao dispersarem como factual a ideia de que o armamento ocidental estava atrasado e, agora, com a entrevista a Volodymyr Zelensky onde este diz que a contra-ofensiva não seria para já, por falta de armamento e porque seria uma catástrofe humanitária.

Ao ler a reprodução dos relatos dos bloggers militares russos, onde surgem informações da linha da frente factuais mas também engodos e falsas informações para enganar o inimigo, as forças ucranianas furaram as linhas defensivas do Grupo Wagner, sendo que o próprio chefe desta unidade paramilitar privada, Yevgeny Prigohzin, também o confirmou num dos seus vídeos diários, na noite de quinta-feira, que os analistas militares ocidentais consideram tratar-se de manobras de desinformação pura, que tinha assistido à quebra das suas linhas e à debandada das posições das unidades regulares do Exército russos das laterais em Bakhmut, ou Artiomovsk, para os russos.

O que diz a Rússia

Para já, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, veio, citado pela agência TASS, garantir que não houve cedências nas posições russas na linha da frente, nem em Bakhmut nem noutras posições ao longo dos mais de 1.000 kms de linha da frente, garantindo que a Federação Russa tem tudo sob controlo.

Na mesma ocasião, Shoigu garante que as forças russas anularam várias pontes de reconhecimento em força por parte de unidades avançadas ucranianas, especialmente em Lugansk, sublinhando que as unidades russas já estão a executar acções de contra-ataque nas áreas de Artiomovsk (Bakhmut), Maryinka e Avdeevka, onde decorrem combates substantivos para definir posições.

"Foram enviados reforços significativos para as linhas da frente e a aviação e a artilharia russas estão a infligir fortes perdas no inimigo em equipamento e em pessoal", acrescentou Sergei Shoigu.

Recorde-se que a Rússia, desde 24 de Fevereiro de 2022, avançou em quatro províncias ucranianas, depois de já controlar a Crimeia desde 2014, tendo conquistado 100% de Lugansk, perto de 75% de Donetsk, as regiões que fazem o Donbass, e ainda em Kherson, onde anexaram já cerca de 70% e Zaporijia, onde controlam igualmente dois terços, estando, até aqui, a atenção focada de forma mais intensa nas frentes de Zaporijia e Kherson, porque permitiram cortar a ligação terrestre à Crimeia...

Porém, aparentemente, a contra-ofensiva está a avançar onde menos se esperava... que é na área de Bakhmut, uma zona já sob forte atrição, com quase nada a restar para destruir, onde já morreram milhares de soldados e se pensava que as posições de um lado e do outro eram demasiado férreas para poderem ser trespassadas...

Face a este cenário, e considerando que nesta, como em qualquer outra guerra, a verdade morreu no primeiro dia com a primeira bala disparada, só nos próximos dias se poderá confirmar se é verdade que a contra-ofensiva ucranianas está em marcha ou se era verdade o que dizia Zelensky sobre a prorrogação dessa iniciativa, ou ainda se este foi propositadamente iludido pelos seus generais ou ainda, do lado russo, se quem está certo é o ministro da Defesa ou o chefe do Grupo Wagner e os seus bloggers, os "snipers" espalhados pela linha da frente mediática.

Facto é que do lado ucraniano existe um abundante fornecimento de armamento, com a recente divulgação de que os britânicos enviaram misseis de longo alcance Storm Shadow (ver links em baixo nesta página) para Kiev, e do lado russo, que transformou a sua economia numa economia de guerra, com fábricas de viaturas e tractores transformadas em unidades de produção de armamento, houve meses largos para preparar este momento.

A análise do especialsta e as brechas onde a paz pode furar as linhas da frente

Como refere o major-general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, a guerra está neste momento envolta num "nevoeiro comunicacional", porque Kiev precisa de criar uma poderosa deceção de forma a ter o efeito surpresa do seu lado, visto que sem esse efeito surpresa, as possibilidades de sucesso de uma contra-ofensiva reduzem-se fortemente.

O oficial, especialista em estratégia, diz, no entanto, que se se analisarem os indícios técnicos, percebe-se que, efectivamente, algo de muito importante está em curso.

E aponta dois pontos importantes para concluir que se trata de uma contra-ofensiva ucraniana, embora não sendo ainda possível averiguar a sua dimensão ou meios envolvidos.

O primeiro é o facto de o comandante supremo das forças ucranianas, o general de quatro estrelas Valerii Zaluzhnyi, não ter estado nem fisicamente nem por via digital na muito relevante para Kiev reunião em Bruxelas, na noite de quinta-feira, do Comité Militar da NATO, onde estava previsto discutir pontos de grande interesse para o esforço de guerra de Kiev.

O segundo é que é já possível verificar no terreno que as forças ucranianas estão a avançar em simultâneo em três pontos, a norte, centro e sul, parecendo claramente que buscam o cerco a Bakhmut, o que, se for conseguido, a cidade cairá e dai resultaria uma vitória de grande simbolismo e poder mediático sobre o grupo Wagner, o que fragilizaria claramente as posições russas tanto no terreno como na frente comunicacional.

Ou seja, tendo ou não começado a contra-ofensiva, o resultado vai, agora ou depois, ser uma tragédia humana medida em milhares de mortos e feridos, provavelmente diariamente, se, entretanto, não houver mexidas na linha da frente diplomática, onde se continuou em busca da paz, seja através das propostas chinesas, brasileiras ou do Vaticano, onde decorre a derradeira "batalha" para levar o atrito para a mesa das negociações, com a agora anunciada visita de Volodymyr Zelensky ao Papa Francisco, com o objectivo de analisar as possíveis saídas.

Enquanto o Presidente brasileiro, Lula da Silva, procura criar um grupo de países para forçar um acordo de paz, a China anunciou esta semana que vai enviar emissários a Moscovo e a Kiev para confrontar as partes com as propostas de Pequim, naquilo que parece bem ser um movimento de pegar ou largar a que a diplomacia chinesa acrescentou a garantia de que a pate do "largar" não se aplicará.

O sucesso da frente mediática para a paz depende muito do tempo que for preciso para levar as partes a ceder o suficiente de um e do outro lado, porque a Ucrânia está fortemente pressionada pelos lideres da NATO e da União Europeia para avançar com a contra-ofensiva.

Isto, depois de o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, ter mostrado muita impaciência com o stand by e ter dito que Kiev já tem 98% das armas que pediu para derrotar os russos, e de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyn, insistir na premente necessidade de derrotar os russos na frente de batalha, tendo estado há dias na capital ucraniana a insistir com Zelensky para que mande as suas tropas atacar os russos.