Bakhmut, ou Artyomovsk, como é conhecida pelos russos, que agora a conquistaram através do grupo paramilitar privado Wagner, não é conhecida por produzir vinhos espumantes (champagne) mas não muito longe dali, na Moldova, um pequeno país encravado entre a Ucrânia e a Roménia, e na Península da Crimeia, os vinhedos são abundantes e é a partir deles que é produzido o espumante que está guardado em grandes quantidades no subsolo desta martirizada cidade, onde teve lugar a mais violenta e mortífera batalha da guerra na Ucrânia que já leva 15 meses.
Ainda não é certo o que aconteceu a tanto champanhe armazenado a mais de 70 metros de profundidade nas caves que enxameiam toda a região, a maior parte delas onde há muitas décadas era extraído sulfato de cálcio (gipsite), em túneis que vão, por exemplo, segundo várias fontes, até Soledar, a mais de 15 quilómetros a norte de Bakhmut, mas há relatos que garantem que a destruição registada à superfície durante o confronto do grupo Wagner e das forças ucranianas não se verificou no subsolo.
Aquando dos festejos dos mercenários russos, como são vistos no ocidente os elementos do grupo Wagner, pela conquista da cidade ao fim de nove meses de ferozes combates e milhares de mortos de ambos os lados, foram filmados e fotografados muitos deles a abrir garrafas de champanhe...
Mas isso era o mais fácil, bastava descer as escadas e agarrar numa das mais de 50 milhões de garrafas que ali estão depositadas, algumas há mais de 40 anos, ou ainda mais antigas, nas extensas caves criadas em galerias que resultaram da exploração de sulfato de cálcio, ou gipsite, o material usado normalmente para produzir giz escolar.
Também existem na região minas antigas de sal para uso industrial há muito desactivadas mas usadas durante décadas no tempo da União Soviética para guardar os vinhos espumantes produzidos nas regiões vinícolas do vasto país, sendo as mais conhecidas a então Moldávia e a Crimeia, mas também no sudoeste da Ucrânia, famosos por serem produzidos com o mesmo "método tradicional" usado pelos franceses na região de Champagne.
A profundidade a que estão estas galerias de gipsite, por uma coincidência extraordinária, 236 metros, garante, neste ambiente, um dos melhores microclimas em todo o mundo para produzir este tipo de vinhos espumantes.
Muito deste vinho espumante pertence a empresas estrangeiras, especialmente francesas, ficando agora por saber o que vai suceder a este tesouro líquido enterrado sob as ruinas de Bakhmut/Artyomovsk.
Moscovo reage com força a "ataque terrorista"
Mal foi conhecida a investida de grupos oriundos da Ucrânia em Belgorod, uma das regiões da Federação Russa com fronteira com a Ucrânia, a norte do Donbass, onde se situam Donetsk e Lugansk, ambas anexadas em 2022 por Moscovo, o Kremlin reagiu em força, acusando, primeiro, Kiev, de querer distrair as atenções da derrota em Bakhmut, e, depois, declarando a zona de acção antiterrorista, com a evacuação de várias aldeias e o envio de uma musculada força de reacção armada e composta por unidades militares de elite e equipas especializadas do FSB, antigo KGB.
Os russos acusam Kiev de estar por detrás destes ataques a várias aldeias de Belgorod, mas o Governo ucraniani nega, sendo que os media do país dizem que os ataques foram conduzidos por grupos de russos que combatem ao lado dos ucranianos, denominados Corpo de Voluntários Russos e Legião da Liberdade Russa, que escolheram combater ao lado de Kiev.
Confrontado pelos jornalistas com estes ataques, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que se trata de uma estratégia conhecida dos ucranianos, que, sempre que sofrem derrotas pesadas, como foi o caso de Bakhmut, e tinha sido em Mariupol, no ano passado, efectuam estes raides na fronteira da Federação Russa para criar distracções.
Peskov disse ainda que o Presidente russo Vladimir Putin foi informado de tudo o que se passou e a dimensão da resposta foi a adequada e definida pelo Kremlin.
Mas a verdade é que Moscovo mostrou um incómodo anormal com estas incursões, reagindo com todo o seu arsenal militar e legal para aniquilar estes grupos, não só declarando a região sob acção antiterrorista mas enviando unidades especializadas, incluindo helicópteros de combate, evacuando as aldeias da zona sob ataque, estando a correr em alguns media e redes sociais que foram ouvidas fortes explosões na área em questão.
Segundo o site da Russia Today, foram atacas pelo menos três aldeias, com granadas largadas de drones, e foram atacadas casas pelos grupos invasores, com o Governador de Belgorod, Vyacheslav Gladkov, a falar em cerca de uma dezena de feridos entre a população local e várias casas incendiadas.
Vyacheslav Gladkov avançou que as unidades russas integradas na operação contraterrorista enviadas para o local estão a perseguir os grupos " sabotadores terroristas" que os ucranianos negam serem seus nacionais mas sim russos que fazem parte do universo oposicionista ao Governo de Putin.
Alguns analistas notam que este tipo de incursões em território russo, fora das quatro regiões anexadas por Moscovo em Outubro do ano passado, as duas do Donbass e ainda Kherson e Zaporijia, ou a Crimeia, em 2014, sendo limitadas ou mesmo insignificantes no território e nos danos causados, têm um efeito muito poderoso na desmistificação da inviolabilidade da geografia russa e geram dúvidas entre a população, o que justifica a resposta musculada para não só destruir os grupos por detrás destas incursões mas também a sua exposição pública para desmotivar que as protagoniza.
Mas as coisas podem não ser como os russos as contam. A incursão ucraniana em Belgorod, segundo o major general Carlos Branco, especialista militar ouvido na CNN Portugal, não é uma acção terrorista mas sim uma acção ao nível de batalhão, com viaturas blindadas norte-americanas, integradas nas forças ucranianas, mesmo que sejam também compostas por cidadãos de origem russa.
E esta acção é, na perspectiva de Kiev, ainda segundo Carlos Branco, uma demonstração aos seus financiadores e aliados ocidentais de que, apesar da derrota em Bakhmut, mantém uma capacidade operacional alargada, incluindo a tomada de território russo fora da linha da frente e, por isso, continua a justificar-se esse apoio alargado, como, de resto, a União Europeia e os EUA garantem que será "até onde for preciso para derrotar a Rússia".
O voo dos F-16 para quando?
Esta guerra está claramente a entra numa nova fase e pode estar a dias de um momento decisivo com a confirmação da contra-ofensiva ucraniana, com a qual Kiev vai ter a última oportunidade de empurrar os russos para o mais perto possível das suas fronteiras, ou mesmo para além destas.
Mas, para isso, como tem feito saber o Presidente ucraniano em todas as ocasiões em que isso se proporciona, as forças ucranianas não dispõem ainda de capacidade suficiente em armamento, estando agora o foco nos aviões de guerra norte-americanos F-16.
Até aqui, o Presidente Joe Biden disse sempre que essa possibilidade não estava em cima da mesa, nem na forma de entrega pelos EUA desses aviões, nem sequer quanto à autorização para que os aliados europeus o pudessem fazer.
Tal cenário mudou radicalmente a partir da Cimeira do G7 no Japão neste fim-de-semana, onde o Presidente norte-americano mudou de opinião e disse que os aliados europeus já podem entregar os seus F-16 a Kiev.
Dezenas de pilotos ucranianos já estão a ser treinados para pilotar estes caças em países como o Reino Unido ou os Países Baixos, enquanto outros, como Portugal ou a Polónia se ofereceram também para o fazer.
Não se sabe a data prevista para a contra-ofensiva ucraniana, mas Kiev parece mostrar que contar com os caças F-16 para isso é fundamental, o que, se assim for, então esta poderá só ter lugar quase no Outono, finais de Setembro, devido às exigências de treino e criação de logística operacional adequada ao seu uso.
Numa altura em que muitos analistas já admitem que esta guerra está a servir para que os países da NATO testem as suas armas mais modernas face ao armamento correspondente russo ou o que foi criado para o anular, como é o caso, por exemplo, dos misseis hipersónicos russos Kinzhal desenhados para atravessar as barreiras antiaéreas fornecidas pelo ocidente a Kiev, com os Patriot no topo dos mais sofisticados.
Agora, com a chegada esperada dos F-16 aos céus desta guerra, os mesmos analistas admitem que os EUA, sendo os F-16 aviões mais antigos que os recentes F-22 ou F-35, servem para verificar a real capacidade dos sistemas S-400 russos, os mais modernos devidamente testados e desenhados para abater aeronaves e misseis.
Com o envio dos aviões dos aliados europeus, os norte-americanos têm assim, segundo esses analistas, a melhor das oportunidades para estudar os sofisticados S-400 russos, que estão a merecer mais atenção do que os americanos gostariam por parte de algumas potências regionais, como a Turquia e a Índia, que, aparentemente, os preferiram aos Patriot ou similares ocidentais, e ainda para, se não foram bem sucedidos com os F-16, expor as suas deficiências, o que seria um trunfo no negócio mundial do armamento, onde EUA e Rússia disputam a supremacia.