O local de nascimento é uma dádiva divina, não temos qualquer influência sobre o lugar onde nascemos, salvo raras excepções, nos dias que correm, em que o mundo se tornou uma aldeia global. Há, entretanto, destinos muito infelizes. Hoje, depois de tudo que vivi neste País, e ainda vivo, digo com muita tristeza, que ser cidadão angolano é muito, muito difícil, muito pelo facto de que os que têm e tiveram a responsabilidade de tomar decisões, que impactam a vida do colectivo, o fazem sem mínima de compaixão e empatia, pelo sofrimento das pessoas que dizem representar, fazem-no desde o ponto de vista dos seus próprios interesses. Por isso, o sapateiro Vitinha tem toda a razão!
Falando de empatia e compaixão, recentemente, recebi um texto sobre uma jovem doutorada em estudos africanos pela Universidade de Harvard, que contestou veemente a retirada de uma porção da subvenção aos combustíveis, que resultou na subida do preço de gasóleo no passado mês de Março, considerando que os economistas angolanos estavam completamente equivocados, condenando a sua falta de empatia! Conquistou muita simpatia do público, particularmente, nas redes sociais.
Confesso que, se por um lado, alinhei com a jovem, pela empatia do impacto da subida dos preços de combustíveis nos preços em geral, por outro, duvidei do seu conhecimento real sobre a temática da subvenção dos combustíveis na despesa pública.
Porém, a questão da empatia pelo sofrimento causado pelas medidas que se tomam, a jovem tem muita razão. Trago aqui o problema da falta de empatia, pelo sofrimento do próximo, pelo desprezo que se assiste, neste caso, nos prestadores de serviços de obras públicas, especificamente, na cidade portuária do Lobito, mais precisamente no Bairro do Compão.
Vale antes esclarecer que as obras de restauração nas zonas de residência sempre causam transtornos aos moradores. Porém, são toleráveis, quando comparadas aos benefícios. Mas, quando essas obras têm um horizonte temporal reduzido. Sem descurar as medidas que devem ser tomadas para minimizar os transtornos, ou, ao menos, sentir-se que há um esforço no sentido de
se reduzir o impacto dos transtornos. Não é o caso das obras integradas da cidade do Lobito. O empreiteiro, infelizmente, não se importa com o sofrimento das pessoas. As obras já se arrastam há 3 anos. Iniciaram em Abril de 2022, foram interrompidas várias vezes, fecham quando bem entendem, sem os avisos que se impõem. O último fechamento que se deveu à aplicação da última camada do asfalto foi há mais de 5 semanas, desde então, a rua não foi reaberta, não há explicação da razão de não reabertura da rua, pois não se vê nenhuma actividade.
Nos países civilizados, em que as pessoas contam ou são respeitadas, há o dever de colocar cartazes a informar sobre o andamento das obras, o tempo da sua duração e as alternativas disponíveis para suavizar o impacto, sempre presente com os fechamentos, barulhos e poeiras. Acompanhei as obras de uma grande avenida (Britânia Street), na cidade de Milton, pertencente a região de Halton, na área metropolitana da grande Toronto. As obras duraram 4 anos, incluiu o alargamento de duas pontes, num perímetro de mais de 15 quilómetros. As obras consistiram na transformação de uma rua interurbana de dois sentidos, em uma via de 3 faixas de rodagem de sentido único, com passeios e iluminação pública. Enquanto decorriam as obras, passei por aquela via várias vezes, nunca, ao longo do período que decorreram as obras, a rua foi fechado ao trânsito. Foram criadas condições para os moradores entrarem e saírem das suas residências, colocando passagens provisórias no acesso às residências. Não sou engenheiro, entretanto, segundo profissionais do ramo consultados, o tempo aceitável para curar a massa betuminosa da segunda camada, no máximo, não deve ir para além de duas semanas, se tanto, dado que o clima favorece (sol e ausência de chuvas). Para além de que, se têm visto camiões pesados do próprio empreiteiro a fazerem-se na via. O pavimento tem a última camada betuminosa aplicada, a sinalização vertical está aplicada, falta apenas a sinalização horizontal. A parte da rua que está aberta não tem sinalização horizontal aplicada, mas está aberta. Portanto, estou em crer que não são condicionantes de ordem técnicas.
O mais provável é que a abertura da rua está a ser condicionada ao pagamento da empreitada, que, como se sabe, é uma matéria que abordei no último artigo, enfrenta imensos problemas. A pergunta que se faz é: por que começar com uma obra que não tem financiamento garantido? De certeza, as paralisações e arranques têm custos adicionais, para além da variação de preços dos materiais. Mesmo do ponto de vista empresarial, como uma empresa consegue sobreviver, levando 3 anos para concluir uma empreitada, que, em circunstâncias normais, não podia ir para além de um ano (o perímetro de pouco mais de 7 quilómetros), de contrário, estaria em apuros. Honestamente, não consigo enquadrar como a empresa consegue gerir essa situação. A irregularidade na assunção de compromissos com os empreiteiros explica a degradação do património público em todo o País. Porquanto, o Estado não consegue honrar os seus compromissos com os prestadores de serviços, de tal sorte que uma empresa que presta serviços ao Estado significa irregularidade no pagamento, consequentemente, enfrentar problema de tesouraria. Neste passo, ficar apenas com uma rua asfaltada, enquanto o restante do bairro permanece esburacado, valia não terem começado. Pois a consequência é penalizar os utentes, não apenas pela indisponibilidade dos equipamentos sociais, como pelos transtornos que inflige aos moradores das áreas intervencionadas. O que mais intriga é a indiferença, a falta de compaixão e a empatia dos que têm a decisão.
Creio não ser novidade para ninguém a insegurança que se vive na generalidade das cidades do País, em que as viaturas deixadas na via pública são, frequentemente, vandalizadas. Não há um único residente da rua intervencionada que não tenha sido afectado. As viaturas são assaltadas, riscadas, roubam placas, etc. Quando a viatura é estacionada em local de segurança distante da casa, no percurso de regresso, a pessoa é assaltada, lhe é retirado os telefones, e outros males que se sabe que acontece nas ruas escuras da cidade. Imagine-se viver esse pesadelo durante 3 anos, sem fim à vista? Como alguém se pode orgulhar ter nascido nesse lugar? Esse é um daqueles sofrimentos que podem, muito bem, ser evitados ou, pelo menos, atenuados. A empatia, nos tempos que correm, é uma valência que os decisores de políticas públicas devem possuir. Devem saber colocar-se no lugar dos afectados das políticas que implementam, para, em consequência, equacionar medidas atenuadoras do impacto negativo que as mesmas causam na vida das pessoas. Todo o esforço que foi feito, foi pelas pessoas, para as pessoas, sem esquecer que os residentes são também donos do dinheiro que paga a empreitada, merecem todo o respeito, infelizmente, não é o caso. Não creio que o Administrador do Lobito sabe o que se passa e se se importa com o sofrimento dos moradores das áreas intervencionadas!n
*Economista