Numa altura do conflito no leste europeu em que o Presidente ucraniano tem mostrado reticências sobre a muito falada e esperada contra-ofensiva, mesmo perante a pressão pública dos seus aliados ocidentais para que o faça, pressionar a NATO sobre a melindrosa entrada da Ucrânia foi a forma encontrada para deslocar a pressão sobre Kiev para Londres e Washington.
Há já quase dois meses, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, veio a público, naquilo que foi interpretado pelos analistas militares como uma pressão sobre o regime de Kiev, dizer que os ucranianos já tinham na sua posse 98% do armamento que pediram para iniciarem a contra-ofensiva.
Sem se saber bem porquê, aquilo que seria a manobra em larga escala ucraniana da Primavera, tem sido adiada e é já claro agora que só deverá ocorrer no Verão, entre finais de Junho e meados de Julho, mas nem neste espaço de tempo existem certezas, apesar de Zelensky ter garantido esta semana que já definiu uma data para fazer avançar os tanques sobre as fortificações russas num ou mais pontos dos 1.200 kms da linha da frente.
Alguns analistas, como o major general Carlos Branco, ouvido na CNN Portugal, entendem que a contra-ofensiva tem vindo a ser adiada porque os russos têm apostado em atacar a rede logística ucraniana, desde depósitos de combustível, armazéns de viveres, locais de concentração de tropas ou paióis onde estão as armas ocidentais, como os sistemas de artilharia modernos ou os carros de combate pesados, Chalenger e Leopard.
Mas o que se percebe das aparições diárias do Presidente ucraniano é que esta não avança porque Kiev entende não ter ainda as armas que entende necessárias, desde logo o número suficiente de "tanques", peças de artilharia e as estrelas da companhia que são agora os aviões de guerra norte-americanos F-16, que tardam em chegar apesar de já estarem prometidos e assegurados, segundo o chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borrell.
Neste contexto, de alguma incredulidade ocidental pela procrastinação ucraniana, com Washington e Londres a pressionarem para que os ucranianos avancem contra os russos, Volodymyr Zelensky veio agora deslocar a pressão para os membros da NATO, com um ultimato sobre a aceleração da entrada do seu país na organização militar atlântica.
E diz mesmo, segundo o jornal britânico Financial Times, que não vai estar na Cimeira da NATO de Vilnius, Lituânia, em Julho, onde é convidado de honra, o que tiraria todo o brilho ao encontro, se a organização não lhe apresentar um roteiro claro e concreto para uma adesão acelerada além de garantias imediatas de segurança.
Isto, ao mesmo tempo que em Chisinau, a capital da Moldova, onde está esta quinta-feira, 01, para participar numa Cimeira política da União Europeia, Zelensky disse que a Ucrânia "está pronta para aderir à NATO e que isso só não aconteceu ainda porque parece que a NATO ainda não está pronta para aceitar a Ucrânia".
Há, contudo, alguns analistas que estão a admitir como cenário possível que os países ocidentais, especialmente no oeste europeu, com a França à frente, embora contrariando os "falcões" de Londres e de Varsóvia, além de Washington, tenham em cima da mesa a possibilidade de levar Kiev à mesa das negociações com Moscovo, aligeirando a sua posição de princípio sobre a inviolabilidade de todo o seu território, com um mapa sólido de entrada na NATO e na União Europeia, mesmo que sem data definida, bem como um programa consistente de reconstrução pós-guerra.
Só que este processo não é visto da mesma forma em toda a União Europeia nem na NATO, com vários membros a demonstrarem incómodo com os privilégios que estão a ser desenhados para Kiev, quando existem países, bem mais economicamente robustos, à espera há décadas, como é o caso da Turquia e da Sérvia, entre outros, em relação à União Europeia.
No que diz respeito à NATO, países como a Alemanha, Hungria ou mesmo a Turquia, numa lista mais longa que estes três membros, mostram desacordo num processo acelerado de adesão da Ucrânia à aliança atlântica.
Entretanto, na frente da guerra, onde se observa uma pausa operacional, depois do fim da batalha de Bakhmut, onde os russos tomaram a cidade por inteiro há cerca de uma semana e meia, as hostilidades são marcadas pelo uso intenso de misseis e drones.
Os russos alvejando locais militares estratégicos, nomeadamente de armazenamento de armas e de concentração de tropas, embora alguns, ou os seus estilhaços, depois de abatidos pelas antiaéreas ucranianas, tenham atingido edifícios habitacionais em Kiev, enquanto os ucranianos estão a conseguir fazer chegar os seus drones à capital russa, provocando um alvoroço entre a população que não se tinha visto ainda nesta guerra.
No terreno, face às grandes concentrações de brigadas ucranianas na parte sul do país, os analistas militares pontam como mais certo ser na região de Kherson e Zaporizhia que a contra-ofensiva terá lugar, co o objectivo prioritário de conquistar acesso ao mar, cortar a linha contínua de território ocupado pelos russos entre o Donbass e a Crimeia e, por fim, retomar o controlo da Península da Crimeia.
Face às posições ultra-reforçadas dos russos, com trincheiras anti-tanque, os blocos de betão e as unidades de retaguarda para uso intenso de artilharia, a tarefa das forças ucranianas é vista pelos analistas militares como de grande risco e complexa, existindo o perigo de os estrategas russos estarem à espera deste momento para avançar a norte, geografia da guerra menos fortificada pelos ucranianos neste contexto de contra-ofensiva a sul.
Jà os ucranianos voltaram, através de grupos armados, alegadamente compostos por russos que se opõem a Putin, a invadir território da Federação Russa na região de Belgorod, o que obriga Moscovo a manter forças em alerta nesta região, dispersando poder de resposta na linha da frente, onde se espera a contra-ofensiva ucraniana.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.