Nas últimas semanas, a batalha de Bakhmut tem sido comparada em várias análises de especialistas militares com a histórica Batalha de Verdun, no ano de 1916, no noroeste de França, na I Guerra Mundial, que se prolongou por largos meses, matando milhares de soldados dos dois lados, sem que fossem observados avanços palpáveis no terreno...
Mas Bakhmut, embora estendendo-se no tempo e sendo já um penoso campo de batalha com inúmeras baixas do lado ucraniano e russo, não é apenas uma questão de teimosia das chefias militares de um e do outro lado, é um ponto na geografia do Donbass essencial para a logística ucraniana.
Esta localidade é importante porque, a partir das suas colinas, se forem tomadas pelos russos, como parece estar por um fio, as forças do Kremlin ficam a controlar três rodovias fundamentais e únicas, impedindo não só a chegada de reforços para as unidades militares de Kiev, que se sacrificam actualmente para a defender, como toda a sua logística de uerra fica comprometida.
E o general João Vieira Borges, analista militar da RTP3, na sua última análise para o canal de notícias português, admitia que esta cidade, Bakhmut, para os ucranianos e Artyomovsk, para os russos, não deve manter-se sob controlo de Kiev por muito mais tempo, sendo natural que já esta quarta-feira ceda nas suas defesas, obrigando as unidades que resistem a deixar as "muralhas".
Apesar desta situação dramática para as forças ucranianas, que estão a sofrer nesta batalha milhares de baixas, como as chefias ucranianas admitem, o Presidente Volodymyr Zelensky insiste em enviar reforços para a cidade por não só a considerar estratégica militarmente mas também porque esta batalha ganhou dimensão simbólica e importância fulcral para a moral nacional nesta guerra.
Isto, apesar de já haver notícias divulgadas por sistes independentes, mas também por media franceses sem ligações estranhas à Rússia, como a TF1, canal com grande notoriedade na Europa, onde se mostra que há unidades ucranianas a recusarem-se a combater em Bakhmut por não fazer sentido o sacrifício de mais vidas por uma posição perdida...
Como têm explicado os analistas militares, como o major general Agostinho Costa, do EuroDefense Portugal, em comentário para a CNN Portugal, Bakhmut encima uma zona de domínio para as estradas que ligam a província anexada pela Rússia de Donetsk para os limites da região, as cidades de Kramatorsk e Sloviansk, o que não só impede a chegada de reforços para as tropas já cercadas, como possibilita às colunas russas avançar quase em oposição, numa extensa planície, para os limites dos territórios apontados por Moscovo como os objectivos definitivos para esta guerra.
Esta batalha é ainda importante porque está no centro de uma ofensiva russa, não tão vasta como se admitia, mas importante, especialmente nesta frente, em Donetsk, como mais a sul, nas províncias, igualmente anexadas por Moscovo em Setembro de 2022, de Kherson e Zaporijia, e se as forças ucranianas forem, como os analistas militares apontam, dizimadas, isso será um elemento desfavorável à força anímica necessária para a igualmente aguardada ofensiva da Primavera que Kiev está a preparar.
O limite da paciência americana
Com a guerra na Ucrânia a atingir o ponto de saturação no ocidente, não porque a crise económica que surgiu dos seus estilhaços, como a inflação histórica e a recessão já sentida nalguns gigantes, como a Alemanha, e a Suécia, e quase a atingir os EUA, e com a perda da maioria dos Democratas do Presidente Joe Biden na Câmara dos Representantes, nas eleições intercalares de Novembro do ano passado, está cada vez mais difícil manter o fluxo de armas e dinheiro para o regime de Kiev.
E, segundo notícias dos media ocidentais, como os norte-americanos Washington Post e New York Times, começam a ser impostos prazos-limite para que a Administração Biden resolva o imbróglio ucraniano, sob ameaça de novas remessas e financiamentos virem a ser travados pela maioria Republicana na Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso dos EUA.
Face a este delicado momento, segundo avançou esta quarta-feira a imprensa internacional, esta em cima da mesa da Casa Branca a possibilidade de, a partir do Verão, Kiev vir a ser obrigado a pagar pelo menos uma parte das armas que lhe são fornecidas pelos Estados Unidos, por imposição dos Republicanos, de Donald Trump, quando, e muito por causa disso, se aproximam as eleições Presidenciais de 2024, às quais o Presidente Joe Biden já disse que vai disputar...
Ora, perante este quadro complexo, os EUA já impuseram ao regime de Volodymyr Zelensky o final do Verão como prazo para conseguir reconquistar territórios que caíram para o lado russo neste último ano, cerca de 20% do território ucraniano, aproveitando um fluxo aumentado de armas, incluindo carros de combate pesados alemães, os Leopard-2, e novas unidades de artilharia de longo alcance norte-americanas.
Depois, segundo a imprensa norte-americana, como o Politico, especializado na cobertura política nos EUA, e europeia, com destaque para alguns media menos alinhados com a narrativa da NATO, Kiev vai ser obrigada a negociar com Moscovo os termos de um cessar-fogo e posterior acordo de paz, porque o restante tempo vai ser fundamental para que os Democratas possam reverter os maus resultados nas sondagens, que nalgumas situações, têm como justificação um aumento das opiniões antiguerra entre os eleitores. Devido à influência desta na economia nacional
Mas também na Europa ocidental as coisas começam a ficar difíceis para Kiev, porque, além de se multiplicarem as manifestações populares contra o envio de mais armas para a guerra, como na Alemanha, onde mais de 100 mil pessoas se juntaram com esse propósito em Berlim, na semana passada, mas também em França, na Polónia, especialmente nos estádios de futebol, ou na República Checa.
E a pressão sobre os dirigentes europeus é já importante, especialmente naqueles com eleições à porta, como na Bulgária, onde a crise económica fez cair o governo e as sondagens apontam para a vitória de forças mais próximas de Moscovo devido ao cansaço com este conflito que ameaça eternizar-se.
Isto, apesar da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, um "falcão" de guerra que mantém como objectivo levar a uma "derrota da Rússia no campo de batalha", o mesmo pensamento de Joseph Borrell, o chefe da diplomacia da União Europeia.
Embora estas posições radicais e por muitos consideradas insensatas, porque contrariam a postura de busca por soluções pacíficas que fez história na União Europeia desde a sua fundação, estejam a gerar já um incómodo difícil de esconder pelas lideranças nacionais, como o alemão Olaf Scholz, a quem esta guerra impediu de mostrar ao mundo que não é mais que uma figura vulgar que acedeu ao poder, ficando na sombra da aura alcançada pela sua antecessora, Angela Merkel, ou o francês Emmanuel Macron, com uma complexa situação interna, crise social e económica, que o conflito no leste europeu está a obstaculizar solucionar.
A batalha da diplomacia
Com a frente de batalha a aquecer, a diplomacia das grandes potências não parece estar menos a ferver.
Nas últimas horas, ficou em evidência uma forte ofensiva norte-americana anti-China, com o seu Secretário de Estado, Antony Blinken, a viajar para a Ásia Central, para se encontrar com os lideres de cinco antigas repúblicas soviéticas, incluindo o Cazaquistão, onde procurou encontrar uma plataforma regional anti-Rússia e anti-China, mas, ao que se percebe peos media internacionais, não correu de feição, devido, por um lado às fortes ligações a Pequim e aos seus projectos de expansão para ocidente, via o seu mega-projecto Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), e por causa das ainda viçosas interdependências com Moscovo.
Mas os EUA foram ainda mais longe e, com uma tempestade de notícias veiculadas pelos media ocidentais, claramente alinhados contra os interesses russos e chineses, ameaçando Pequim de fortes represálias se iniciar um fornecimento de armas aos russos, tendo mesmo a Casa Branca exigido à China que diga de que lado está na guerra da Ucrânia.
Isto é um passo relevante porque Washington sabe que Pequim e Moscovo têm em curso uma parceria por ambos os lados considerada "ilimitada" e crescente, embora os chineses mantenham como posição oficial a defesa das negociações, tendo mesmo avançado com uma proposta que mereceu o interesse de Kiev e a análise cuidada do Kremlin.
Por outro lado, e depois de o Presidente Xi Jinping ter anunciado, através do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, que irá visitar a Federação Russa nas próximas semanas, o mais importante aliado de Moscovo na fregião, o Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, viajou para a China, numa visita de Estado, com um já considerado histórico encontro com o líder chinês.
Estas movimentações diplomáticas ao mais alto nível, que se seguem à visita igualmente histórica do Presidente Joe Biden a Kiev, na semana passada, são a antecâmara para uma nova fase neste conflito, que, ao contrário da narrativa ocidental, não começou a 24 de Fevereiro de 2022, mas sim em 2014, com um golpe de Estado em Kiev, onde o Presidente Viktor Yanukovych, pró-russo, eleito em 2010, foi deposto por uma revolução apoiada pelos EUA, seguindo-se a autoproclamada independência das províncias do Donbass, russófilas e russófonas, e a anexação da Crimeia pela Rússia.
Já esta quarta-feira, em Nova Deli, Índia, na reunião do G20, os vinte países mais ricos do mundo, o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, tem mantido encontros bilaterais com homólogos, como o indiano, esperando-se ainda que se encontre com os ministros dos Negócios Estrangeiros da China, do Brasil e da África do Sul, Indonésia... entre outros.
Nesta nova fase, sobressai nitidamente um esforço para que seja possível dar este conflito por terminado. "
Mas alguns analistas dizem que tal será difícil, porque existem interesses inconfessos que pugnam pela sua continuidade pelo facto de isso ser do seu interesse... ou porque fragiliza a Rússia - interesse dos EUA admitido oficialmente - ou porque esta guerra está a expor fragilidades da NATO e o leste ucraniano tem sido um campo de transformação de armamento sofisticado e caro em sucata, o que beneficia o comércio de armamento, ou ainda porque, e isso seria do interesse da Rússia, um colapso das capacidades de defesa da Ucrânia levaria a que Moscovo visse a sua vida facilitada ao ter de negociar com um regime enfraquecido em Kiev e não forte, com ainda será se o conflito acabar em breve.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.