A pequena cidade de Bakhmut, na República Popular de Donetsk, para os russos, e na província com o mesmo nome, para os Ucranianos, está situada numa das posições geográficas mais estratégicas nesta guerra no leste ucraniano, porque quem a dominar tem acesso facilitado até ao Rio Dniepre através de uma malha viária sólida que permite o avanço de colunas de veículos pesados de combate e de transporte de infantaria.

É por isso, como tem sublinhado o major-general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal e da RTP3, que os russos concentram um forte contingente, reforçado pela empresa privada de combatentes profissionais Wagner, vista no ocidente como de mercenários, na ofensiva sobre Bakhmut, ao mesmo tempo que os ucranianos defendem com reforçado vigor este bastião na região de Donetsk.

Vários analistas, incluindo Agostinho Costa, apontam Bahmut como um exemplo muito aproximado do que sucedia nas batalhas mais devastadoras em vidas humanas da II Guerra Mundial, e mesmo das trincheiras da I Guerra Mundial, porque ali os ucranianos defendem posições através de um elaborado esquema de fortificações e com uma rotação acelerada de unidades para suprimir as muitas baixas e para manter a capacidade defensiva o mais cerrada possível.

Isto, enquanto os russos apostam ali nas suas mais sulfurosas ofensivas, com igualmente grandes perdas em vidas humanas, mas que as chefias de um e do outro lado consideram que vale a pena devido à geografia estratégica que está em causa, e que, se as tropas de Moscovo tiverem sucesso, pode virar a esquina da guerra.

Ora, essa é a razão mais plausível, ainda segundo os mesmos analistas, para que o Governo alemão de Olaf Scholz tenha, depois de muita insistência de Kiev, seguido os passos dos franceses e dos norte-americanos, vindo a público anunciar o envio de dezenas de carros de combate para as forças ucranianas.

No entanto, Berlin apenas admite o envio dos seus Marder, veículos blindados médios, evitando expor os seus mais pesados e preciosos Leopard 2, embora primeiro tenha admitido essa possibilidade em resposta ao anúncio de Paris de entrega dos seus AMX-10, semelhantes aos Marder alemães e aos Bradley norte-americanos, o que, no fim cde contas, resulta num upgrade gigantesco na lista do equipamento militar que os aliados de Kiev estão a enviar para a frente de batalha.

E tudo para evitar que Bakhmut tombe nas mãos dos russos, porque isso poderia levar a uma volta tremenda no curso da guerra a favor de Moscovo, comprometendo não só os esforços em vidas humanas e infra-estruturas ucranianas, como também seria uma mensagem para o mundo de que a parafernália de material milutar dos países da NATO não são sufi cientemente capazes de evitar o triunfo dos russos, o que seria uma humilhação inaceitável para Washington e Londres, os dois mais aguerridos defensores da continuação da guerra contra o Kremlin de Vladimir Putin.

Kiev em missão em nome da NATO

Este esforço de última hora dos países ocidentais para garantir capacidade de defesa e de ataque aos ucranianos, que inclui, além dos blindados, os sistemas de defesa anti-aéreos mais sofisticados, os Patriot, visando a manutenção de Bahmut, bem como de outras localidades estratégicas - mas nenhuma como aquela - no Donetsk, foi acompanhado de uma declaração de grande relevo por parte do ministro da Defesa ucraniano, que veio a público dizer que o seu país também está a combater os russos em nome da NATO.

Esta foi a primeira vez que um responsável de topo em Kiev admitiu que as suas forças miliares combatem no lugar da NATO e dos EUA para fragilizar a Rússia, o que obriga, provavelmente, a um reposicionamento do ocidente.

As palavras do ministro ucraniano da Defesa, Aleksey Reznikov, foram ainda mais desafiadoras para Washington e os seus aliados da NATO, sublinhando que nesta guerra em que a Ucrânia combate em nome do ocidente, estes países apenas entram com equipamento militar enquanto os ucranianos com o sangue derramado no campo de batalha.

Em entrevista a um canal ucraniano, o governante disse ainda que a Rússia é oficialmente apontada - foi assim dito na Cimeira de Madrid em 2022 - como a principal ameaça ao ocidente, e que, "hoje, a Ucrânia está a levar a cabo uma missão em resposta a essa ameaça em nome da NATO sem que esses países derramem o sangue dos seus povos porque a Ucrânia derrama o sangue do seu povo", o que, acrescentou, "exige que nos providenciam as suas melhores armas", onde entra a questão dos blindados pesados.

Entretanto, para fazer frente com sucesso aos russos, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas da Ucrânia, General Valery Zaluzhny, disse numa entrevista recente a The Economist, que KIev precisa de mais de 300 blindados, 600 carros de transporte de militares e 500 peças de artilharia, o que é um "menu" bem recheado para a capacidade de resposta ocidental, que, segundo alguns analistas, se aproxima rapidamente da sua saturação em vários tipos de armamento, desde logo veículos blindados e howitzers (canhões).

E a paz pode chegar no "estilo coreano"

Desde que a guerra da Coreia deixou de fazer vítimas na Península Coreana, na década de 1950, ambos os lados, Norte e Sul, mantiveram as posições, a partir de 1953, numa linha definida pelo Paralelo 38, com a assinatura de um armistício mas sem a confirmação por um acordo de paz.

Esta realidade coreana foi imposta pela incapacidade de ambos os lados, o Norte apoiado pela China e pela URSS, enquanto o Sul era apoiado pelos EUA e pelos seus aliados ocidentais, em avançar mais um milímetro no terreno ocupado pelo outro, consolidando posições com fortificações inexpugnáveis, o que é quase em tudo semelhante com o que se está a verificar no leste da Ucrânia, onde nem russos nem ucranianos parecem conseguir empurrar o opositor das suas posições actuais, mesmo que aqui e ali possam surgir avanços muito limitados e insignificantes.

É por isso que o Governo de Volodymyr Zelensky está agora a acusar Moscovo de pretender conduzir a guerra para um beco sem saída "estilo coreano", formalizando o status quo.

O chefe do Conselho Nacional de Defesa e Segurança de Kiev, Aleksey Danilov, acusa os russos que quererem impor uma situação como a que subsiste há décadas na Península Coreana, o que lhes permitiria, a Moscovo, ganhar uma substancial parte dos territórios ucranianos que conseguiram ocupar até aqui.

Esses territórios consistem basicamente na Península da Crimeia, integrada na Rússia em 2014, e numa grande parte das regiões anexadas em Setembro do ano passado, Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson, o que, a verificar-se, seria claramente uma vitória limitada de Moscovo sem que Kiev não deixasse de puder dizer que também conseguiu uma posição valorizável face à impossibilidade de a Rússia conseguir totalmente os seus intentos.

Esta possibilidade de solução ao estilo coreano é, para já, recusada por Kiev, mas, ao que disse o responsável ucraniano, as chefias russas estão a tentar impô-la como razoável à União Europeia e aos EUA.

Até agora não existe quaisquer reacções em Bruxelas ou em Washington, mas esse silêncio, em diplomacia, pode ser interpretado como um momento de reflexão sobre uma proposta com alguma, pelo menos, exequibilidade.

Ainda assim, em Moscovo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov veio já negar quaisquer movimentações russas nesse sentido.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.