Países como a Somália, a Eritreia, o Quénia, o Sudão... em África, mas também a Indonésia, o Sri Lanka... na Ásia, e outros na América Latina, estão a enfrentar dificuldades historicamente graves para alimentar as suas populações devido à escassez de cereais, especialmente trigo, milho e girassol, havendo já casos de milhares de morte relacionadas com este problema, porque a Rússia e a Ucrânia deixaram de enviar os seus grãos para o mercado mundial.

Sendo os dois maiores, de longe, produtores de cereais do mundo, mais de 30 por cento, em média, mas, nalguns casos, mesmo 40% da produção global, a interrupção das exportações, decidida unilateralmente por ambos os Governos pouco depois do início da invasão russa da Ucrânia, a 24 de Fevereiro, provocou um histórico impulso nos preços que levou a recordes de sempre, como os quase 500 dólares por tonelada de trigo na semana passada.

Todavia, com o avançar da guerra, e com o bloqueio naval russo no Mar Negro, a Ucrânia passou a acusar os russos de estarem a impedir a exportação dos seus cereais e, com isso, fomentar problemas humanitários sérios em todo o mundo, mas em particular nos países mais pobres, onde nem sequer as agências da ONU estão a conseguir fazer chegar alimentos básicos, como a farinha para produzir pão, como é o caso da Somália e do Sudão, os casos mais graves de fome severa no continente africano actualmente.

Agora, na noite de quinta-feira, em comunicado, Moscovo anunciou a abertura de um corredor humanitário através do Mar Negro para que as largas dezenas de navios cerealíferos que aguardam autorização para levantar âncora, se façam ao mar e levem os cereais de que o mundo precisa com urgência, retidos nos protos ucranianos.

Mas o Kremlin colocou uma condição, que vem no seguimento das acusações feitas já há semanas, que é a questão das minas marítimas largadas pelos ucranianos ao longo da sua costa, e que agora a Rússia diz que tem de ser Kiev a garantir que estas não vão afundar ou danificar os cargueiros que deixarem os portos.

Este corredor humanitário, ao que se sabe, segundo os media russos, contemplam os portos, entre outros, das regiões de Odessa, Kherson e Mykolaiv, no sul da Ucrânia, Mar Negro.

Isto sucede depois de, segundo a agência estatal russa, TASS, o Kremlin ter rejeitado as acusações de que estaria a bloquear a saída dos cereais pelo Mar Negro, embora tenha, pela voz do porta-voz do Governo russo, acusado o ocidente de culpa nesta situação, por causa das sanções aplicadas à Rússia devido à invasão.

Responsabilizar a Rússia pela supressão de cereais no mercado internacional e dos efeitos dramáticos nos países mais pobres de África e da Ásia, é, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, parte da estratégia do ocidente para "atacar a Rússia com todas as ferramentas ao dispor", desde o armamento entregue à Ucrânia, à propaganda nos media ocidentais.

"AS nações ocidentais estão a duplicar, triplicar os esforços para deterem a Rússia, usando uma laga panóplia de ferramentas, desde as sanções unilaterais económicas à propaganda nos media ocidentais", disse Lavrov, acrescentando que nessa caixa de ferramentas está o incentivo à russofobia "promovida pelos países ocidentais a um nível sem precedentes. É uma guerra total declarada pelo ocidente à Rússia!".

... e a guerra continua

A Rússia está a aumentar de forma inequívoca os seus ataques a infra-estruturas de interesse militar na Ucrânia com recurso a mísseis de longo alcance e de precisão, como os Iskander ou os Kalibr, disparados de sistemas móveis terrestres, os primeiros, e de navios ou submarinos estacionados no Mar Negro.

Segundo informações pelos media russos e confirmados pelo Governo de Kiev, as unidades de combate russas estão a tomar quase por completo, mais de 95% da república de Lugansk, no Dombass, estando em curso igualmente avanços importantes na república de Donetsk.

Sendo a região do Donbass a principal frente de batalha, ali as forças russas já conseguiram cercar mais de 15 mil tropas ucranianas, na área de Severodonetsk, na república independentista de Lugansk, com um previsível desfecho trágico para os defensores nacionais ucranianos.

A guerra entre a Ucrânia e a Rússia está a entrar numa "fase prolongada", com Moscovo à procura do controlo total da região do Donbass e da ocupação do sul.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.

Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Os ucranianos estão, porém, a ser fornecidos diariamente também por artilharia pesada e carros de combate que permitem às suas unidades maior resistência ao avanço russo e, por vezes, recuperar território que estava já nas mãos das forças de Moscovo.

Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana pode não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da

Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.