A Cimeira da NATO de Vilnius é, provavelmente, a mais importante desta organização desde que a URSS desabou em 1990, porque é nela que a Ucrânia vai saber, finalmente, se valeu ou não a pena manter o esforço de guerra contra a Rússia.
Isto, porque, quando, em Abril do ano passado, dias depois da invasão russa, Kiev e Moscovo tinham um acordo de paz alinhavado mas foi desfeito pelo então primeiro-ministro britânico Boris Johnson que, entre outras coisas, prometeu ao Presidente Volodymyr Zelensky um fluxo ilimitado de dinheiro e armas e uma entrada facilitada na NATO se mantivesse os combates contra Moscovo.
Zelensky assim fez e não se cansa de lembrá-lo quando exige mais e mais armas de financiamento ao ocidente, que é como quem diz, àNATO e à União Europeia, cujos lideres alinharam pelo mesmo diapasão de Johnson e Joe Biden, como faz questão de frisar repetidamente a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que "a Rússia tem de ser derrotada no campo de batalha".
E se o dinheiro e as armas do ocidente não pararam de fluir em grandes quantidades para Kiev, nestes 500 dias de guerra, porque o objectivo é desde o início vergar a Rússia, o que não só não aconteceu como o tiro está a sair pela culatra, pelo menos no que diz respeito à economia, com crises severas de inflação e recessão a atingirem a Europa ocidental e os EUA, enquanto em Moscovo a resiliência surpreendeu até os analistas ocidentais alinhados com Washington, a entrada da Ucrânia na NATO e na União Europeia parece bem mais difícil de manter como promessa para cumprir em cima da mesa.
Alias, a entrada na organização da Ucrânia e analisar o que fazer face ao já evidente insucesso da contra-ofensiva ucraniana, apesar do arsenal gigantesco entregue pelos países da NATO a Kiev, são os dois temas únicos em cima da mesa da Cimeira da NATO que vai decorrer entre 11 e 12 de Junho na capital lituana, Vilnius.
Uma coisa já se sabe: nem os EUA nem alemães e franceses consideram, para já, uma entrada da Ucrânia na NATO, embora outros membros, como Polónia e os países bálticos (Lituânia, Estónia e Letónia) pensem de forma diferente.
Esta ausência de consenso deverá ser suficiente para afastar este tema dos holofotes mediáticos, ficando guardado para esse efeito a questão da contra-ofensiva, até agora falhada, podendo os membros enveredar por um reforço do armamento, incluindo no pacote os aviões de guerra F-16 e os mísseis de longo alcance, além dos blindados pesados M1 Abrams norte-americanos, ou levar Kiev pelo braço até à mesa das negociações com Moscovo.
O mais certo, segundo diversos analistas, é manter o plano e dar por concluído o tempo útil permitido por Washington e Londres a Kiev para empurrar os russos de volta às suas fronteiras, coincidindo esse prazo com a Cimeira de Vilnius, podendo os "aliados" enveredar a partir desse momento por lidar com Moscovo de forma a encontrar uma saída o mais airosa possível para todos, sabendo-se que terá sempre de haver cedências territoriais da Ucrânia.
Mas a surpresa não está afastada como hipótese, porque em Kiev há facções radicais, especialmente as ligadas aos nacionalistas-fascistas inspirados em Stepan Bandera, um aliado de Hitler quando, durante a II Guerra Mundial, a Alemanha nazi invadiu a União Soviética/Ucrânia, que têm em Mykhailo Podolyak, o principal conselheiro de Zelensky, o rosto mais conhecido, havendo já indícios de alguma opção mais arrojada possa ser tomada.
Quem é que quer explodir a Central Nuclear de Zaporizhia?
Entre as possibilidades está, desde logo uma operação de "falsa bandeira" sobre a Central Nuclear de Zaporizhia, a maior da Europa, atribuindo depois as culpas aos russos, apesar desta unidade estar localizada em território controlado por Moscovo, os ventos regulares nesta altura do ano terem como direcção nordeste (direcção ao Donbass/Rússia) e nela estarem dezenas de técnicos da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), da ONU, que negam ter percebido quaisquer indícios de tal ameaça na infra-estrutura.
Isto tem como suporte teórico o facto de Kiev estar a insistir já há vários dias, nomeadamente pela voz do Presidente Zelensky, que os seus serviços secretos ucranianos detectaram indícios de que os russos estão a preparar a explosão de quatro reactores que têm armadilhados com explosivos prontos a libertar uma nuvem radiactiva, como distracção para a falta de resultados objectivos das suas iniciativas militares.
Por outro lado, Moscovo tem insistido na inconsistência das alegações de Kiev e nota, através do seu Ministério da Defesa, que se algo suceder nesta central nuclear, será resultado de uma acção ucraniana, como pretexto para diluir a tensão e a atenção entre os membros da NATO na Cimeira de Vilnius, cujo desfecho poderá ser desastroso para os objectivos do regime de Zelensky, contando, para isso, como tem sido constante, com a colaboração dos media ocidentais na consolidação da tese ucraniana de ataque russo.
Alguns analistas mais alinhados com Moscovo admitem que KIev pode optar por esse caminho porque isso lhe permitiria apagar do palco mediático o mau registo da contra-ofensiva iniciada a 04 de Junho, apesar do gigantesco apoio militar e financeiro dos aliados da NATO.
Se tal vai ou não suceder, ver-se-á em breve, porque falta precisamente uma semana para o arranque da Cimeira de Vilnius, onde a NATO poderá ou não desferir um "golpe" nas aspirações de Kiev, até porque as manifestações de saturação ocidental, especialmente na Europa, com a extensão da guerra além do inicialmente esperado, são já por demais evidentes, devido, essencialmente, à persistente crise económica que se manifesta na historicamente elevada inflação na União Europeia e nos EUA, e o risco da recessão se espalhar por todo o ocidente.
Mas há outros sinais de agravamento da situação global se a guerra não entrar numa etapa de fade out...
Os cereais do Mar Negro estão por um fio
É já no próximo dia 17 de Junho que termina o prazo do acordo dos cereais do Mar Negro, denominado Iniciativa do Mar Negro, e a Rússia já anunciou que quer ver todos os navios graneleiros fora das águas que controla neste braço interior do Mediterrâneo, porque muitas das condições que estavam no documento assinado por Moscovo com a Turquia e as Nações Unidas, em Julho do ano passado, apesar do esforço de turcos e Nações Unidas nesse sentido, não foram cumpridas.
Segundo o Kremlin, apenas os cereais ucranianos estão a fluir de acordo com o documento, que, recorde-se, foi assinado em duas vias, entre russos, turcos e ONU, e ucranianos, a Turquia e as Nações Unidas, faltando cumprir a parte que cabe à Rússia, como eram os casos da facilitação dos seguros sobre os navios que carregam os seus grãos e a religação dos seus bancos ao sistema internacional de pagamento SWIFT, ambos os casos impedidos pelas sanções ocidentais.
A outra questão que Moscovo impõe como essencial para manter aberto o corredor marítimo do Mar Negro, zona totalmente controlada pela sua Marinha de Guerra, é que os cereais, tanto os ucranianos como os russos, como estava acordado, sejam prioritariamente destinados aos países em desenvolvimento e pobres, da Ásia, América Latina e, em especial, da África, e não para os mais ricos, como é a realidade actual. (ver aqui uma curiosidade sobre este assunto)
Alias, os números oficiais das Nações Unidas são claros quanto aos principais destinos dos cereais ucranianos, que começaram a sair pelo Mar Negro despois de a Rússia ceder e assinar um acordo que o permitiu num contexto internacional de crise alimentar e de uma campanha mediática que pressionava Moscovo de forma intensa, usando como um dos seus principais pilares os apelos legítimos do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, para que as partes em guerra, dois dos maiores exportadores de grãos do mundo, deixassem os cereais chegar a África onde a fome estava a ameaçar milhões de pessoas, especialmente no Corno de África.
Os números da ONU são claros e os países africanos mais necessitados não estão sequer entre os mais beneficiados com as cargas que atravessaram o Mar Negro.
China, Turquia e Espanha são quem mais cereais recebeu da Ucrânia, seguindo-se a Itália e os Países Baixos, o Japão e a Coreia do Sul, sendo que apenas pouco mais de 20% % das mais de 30 milhões de toneladas (960 navios) chegaram a países de rendimento médio, como o Quénia, o Egipto ou o Sudão, sendo que os mais pobres, como a Somália, o que lhes chegou foi apenas o que as Nações Unidas conseguiram "desviar".
Um facto claro é que os animais, suínos aves e bovinos, de países como a Espanha, a Itália, os Países Baixos ou a Coreia do Sul e do Japão, receberam muito mais cereais da Ucrânia que os países mais pobres de África.
E se a Rússia, como tudo indica, não renovar o acordo do Mar Negro, os analistas já dão como certo que os preços destes nos mercados internacionais vão voltar a disparar, acrescentando dificuldades à crise severa que os países mais empobrecidos atravessam.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.