É já hoje que a Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNA) vai votar uma resolução da autoria de um conjunto de países europeus onde se pede que os 193 membros condenem a Federação Russa pela anexação, "ilegal à luz da Lei Internacional" de quatro províncias ucranianas no contexto da actual guerra na Ucrânia que já vai para o seu 8º mês sem que se veja um fim à vista, sendo, entre as muitas questões por responder, em que direcção vai votar Angola.

Quando começou a guerra, com a invasão da Ucrânia pelas forças russas, Luanda optou pela abstenção nas duas votações que chegaram à AGNA, sendo de esperar que, desta feita, seja mantida a mesma posição, embora isso não seja claro face às últimas posições conhecidas do Presidente João Lourenço, que, por exemplo, no dia da sua tomada de posse, a 15 de Setembro, mudou ligeiramente a sua orientação ao pedir de forma inequívoca a Moscovo que tome a decisão de colocar um ponto final na guerra que começou a 24 de Fevereiro.

E já esta semana, soube-se, pelos serviços da Presidência, que Lourenço esteve ao telefone com o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, com o tema da Ucrânia a dominar a conversa, embora sem que nem Kiev nem Luanda tenham anunciado qualquer resultado mais concreto ou uma eventual concertação de posições.

Não sendo algo de extraordinário uma conversa telefónica entre dois Chefes de Estado, a verdade é que até aqui só eram conhecidos, entre os dois contendores na guerra do leste europeu, contactos deste género entre João Lourenço e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, até porque Angola e a Rússia comungam de laços históricos conhecidos e a Rússia é, de longe, o maior fornecedor de material militar a Luanda, não esquecendo que é uma empresa estatal russa que construiu o Angosat-2, o satélite de telecomunicações angolano que vai para o espaço esta quarta-feira, num investimento de 300 milhões de dólares.

Mas se esta conversa com Zelensky tem outra dimensão que não seja a da lubrificação das boas relações diplomáticas, ver-se-á no futuro e nas subsequentes posições públicas de Luanda sobre esta guerra.

É, no entanto, conhecida a frente intensa de recados diplomáticos que o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmitry Kuleba, está a lançar em direcção ao continente africano nestas últimas horas pré-votação, tendo mesmo o chefe da diplomacia de Kiev desafiado os Estados africanos a usarem esta votação na AGNA para se libertarem de uma relação perversa com o Kremlin.

Kuleba pediu claramente aos 54 países africanos que apoiem Kiev nesta votação onde se pretende uma condenação da anexação das quatro regiões ucranianas - Donetsk, Lugansk, Zaporijioa e Kherson - pela Rússia, dizendo, nesta nota divulgada no site do seu ministério, que "o apoio de África é agora mais necessário que nunca" e que as Nações africanas têm de estar ao lado da lei internacional" não esperando apenas a sua condenação dos recentes ataques mas com um voto claro de condenação da Rússia.

Com esta ofensiva diplomática, Kuleba quer alterar substancialmente o resultado das votações anteriores sobre esta questão da guerra na Ucrânia, sendo que foi, em ambas as votações, o continente africano, incluindo Angola, que mais contribuiu para a elevada percentagem de abstenções nas resoluções que pediam a clara condenação de Moscovo, o que, na linguagem nem sempre óbvia da diplomacia internacional, significa um apoio tácito a um ou outro lado em função do histórico do relacionamento dos respectivos Estados-membros da AGNA com os países a serem questionados.

Nesta votação pretende-se que os 193 países que compõem a AGNA se pronunciem sobre a resolução europeia a condenar a anexação das quatro províncias do leste ucraniano.

Todavia, numa primeira votação sobre uma proposta russa para que a votação na Assembleia-Geral fosse por "voto secreto", onde Moscovo argumenta que isso defenderia a liberdade dos países face a uma pressão intolerável dos Estados Unidos, o Kremlin perdeu em toda a linha e ainda viu um "aliado" de peso, a Índia, optar por votar favoravelmente uma outra resolução, em votação que teve lugar na segunda-feira, da Albânia, onde se determina que a votação fundamental seja por voto público.

Esta votação resultou em 39 abstenções - novamente africanos em maioria mas sem que se sabia como votou Angola -, 13 contra e 107 a favor da sugestão albanesa que impede a votação por voto secreto como pretendia a Rússia.

A China, um outro "aliado" de Moscovo, não votou desta vez, tal como a própria Rússia, o que permite, embora sem certezas, entender que tanto Pequim como Moscovo não atribuem importância a este momento na ONU onde mais uma vez os russos foram punidos publicamente.

No entanto, a Rússia, segundo vários analistas, independentemente da evolução da frente de batalha na Ucrânia, está a conseguir feitos inimagináveis ainda á alguns anos, visto que está, através de organizações internacionais à margem do ocidente, como os BRICS ou a Organização para a Cooperação de Shangai, que agrega, entre outros, a Índia, China, Brasil, África do Sul, Paquistão... a conseguir criar uma frente que abrange a maior parte da humanidade em matéria de população e quase metade da economia global, contra a actual Ordem Mundial que diz ser dominada pelos EUA e pelos seus aliados ocidentais com clara subjugação dos interesses do restante planeta.

E é também esse confronto de blocos geográficos e de interesses, onde África pode ter m papel de desequilíbrio que levou ao crescente, mas recente, interesse dos EUA e União Europeia pelos africanos e pelos seus problemas, além da Ucrânia.

Para já não existe uma tendência africana para um ou outro lado, embora alguns países á tenham feito as suas escolhas, como o Egipto ou a Argélia, a Etiópia ou ainda o Sudão, que estão ao lado de Moscovo, enquanto bloco pesado, sendo que Angola e, entre outros, a África do Sul, possam vir a ter um papel geoestratégico inigualável e com capacidade para desempatar. Essa a razão para o "assédio" a que o Presidente João Lourenço parece estar a ser sujeito, incluindo a partir de Washington...

Votação e ataques, uma má combinação

Há pelo menos quatro meses que as forças russas não atacavam a capital ucraniana com misseis de longo alcance e esta segunda-feira foram cinco as explosões que se ouviram em Kiev - onde foram registados oito mortos e perto de 30 feridos -, mas também, entre outras, Lviv, a maior cidade ucraniana na parte ocidental do país, junto à fronteira com a Polónia, um país da NATO, foi atingida por vários projecteis de longo alcance e em Zaporijia, a capital provincial da região anexada pela Rússia, e uma das principais frentes de batalha por estes dias, observou o terceiro dia de ataques sucessivos a infra-estruturas militares e civis com serventia militar, como pontes e nós rodoviários.

Este recrudescer óbvio dos ataques russos - Vladimir Putin confirmou ser uma "retaliação" pelo ataque ucraniano na Crimeia, avisando que vai aumentar de intensidade se KIev mantiver a postura - a alvos em profundidade na Ucrânia é um retomar de uma estratégia que parecia estar posta de lado pela Rússia, que tem concentrado os meios disponíveis nos 1200 quilómetros de frente de guerra que vai do sul, no Mar Negro, em Kherson, ao norte de Lugansk, no Donbass, onde a Ucrânia tem anunciado vários sucessos na retoma de territórios que estavam sob controlo de Moscovo.

E é claramente uma resposta à destruição parcial da ponte que liga a Crimeia à Rússia continental, ao longo de cerca de 19 quilómetros, com vias rodoviárias e ferroviárias, num ataque planeado com recurso a um camião pesado que explodiu sobre o tabuleiro atingindo um comboio que circulava em paralelo carregado de combustíveis, envolvendo toda a infra-estrutura num mar de fogo, deixando-a fora de serviço por mais de 24 horas, tendo a Rússia, já no Domingo, anunciado que estava reposta a circulação.

A Rússia acusou os ucranianos de terrorismo depois deste ataque, tendo alguns analistas militares sublinhado que foi a primeira vez que em solo europeu foi usado um bombista suicida para um ataque entre países em conflito, que até aqui era apenas visto em missões suicidas de natureza radical religiosa islâmica.

O que conforma com o anúncio prévio da possibilidade de o Kremlin estar a preparar o anúncio de uma escalada na guerra ao terminar a sua "operação militar especial" iniciada a 24 de Fevereiro para dar lugar a uma operação anti-terrorismo na Ucrânia, o que permitiria legalmente a Vladimir Putin usar um mais vasto leque de instrumentos do seu arsenal, como, por exemplo, ataques directos aos tais centro de poder e de decisão, infra-estruturas de vários tipos, etc.

Essa é uma possibilidade como um dos temas em cima da mesa da reunião do Conselho de Segurança da Rússia que tem lugar esta segunda-feira, embora nada esteja confirmado, até porque o Presidente russo pode estar a protelar uma escalada neste conflito, incluindo aligeirar a resposta ao ataque à ponte na Crimeia, até 08 de Novembro, dia das eleições intercalares nos EUA.

Isto, porque o Presidente Joe Biden está em risco de perder as maiores tanto no Senado como na câmara dos Representantes, no Congresso, e um eventual aumento da tensão, sendo Washington o principal suporte militar e financeiro à Ucrânia, poderia levar os eleitores norte-americanos a colar o seu voto à Administração democrata.

Para já, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky ficou com um sério aviso, porque dois dos misseis disparados contra Kiev - além dos que atingiram Lviv, Dnipro, Zaporijia, etc. - caíram a uma pequena distância da Presidência ucraniana, deixando claro que Moscovo detém capacidade de furar as reforçadas defesas antimísseis na capital como precisão mais que suficiente para atingir locais onde se albergam os principais dirigentes em Kiev, com a sede dos serviços secretos a ficar a escassos metros de uma das explosões.

Face a isto, Zelensky chamou terrorista a Putin e disse que Moscovo está a tentar destruir a Ucrânia enquanto país.

Há vários meses que os cidadãos de Kiev não se viam obrigados a procurar refúgios nos tuneis do metro e isso voltou hoje a suceder, deixando, de novo, a capital sob uma densa nuvem de pânico, ao mesmo tempo que a energia de extinguia em dezenas de cidades depois de as centrais eléctricas e linhas de transporte de energia erem sido igualmente destruídas nestes ataques, além de que dezenas de linhas de abastecimento vitais, como nós rodoviários e linhas de caminhos-de-ferro, deixando o país fortemente fragilizado quando o Inverno se aproxima rapidamente com as suas temperaturas negativas que podem chegar aos 30 graus negativos.

Mas a temperatura da guerra pode estar claramente a aumentar, até porque os Estados Unidos foram o primeiro país a ordenar aos seus cidadãos a deixarem a Ucrânia o mais rapidamente possível.

Lideres alemão e norte-americano dizem que Putin cometeu "erro de cálculo"

Os líderes da Alemanha e dos Estados Unidos condenaram as recentes anexações de territórios da Ucrânia pela Rússia e consideram que se tratou de um dos vários "erros de cálculo" do presidente russo, Vladimir Putin, durante este conflito, que já vai no 8º mês.

Joe Biden e Olaf Scholz mantiveram uma conversa telefónica sobre a invasão militar russa da Ucrânia, deixando uma nota clara de condenação desta fase de escalada com as anexações de territórios ucranianos, que consideram uma violação massiva dos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas.

Segundo a Lusa, citado pela agência espanhola Efe, o porta-voz do executivo alemão, Steffen Hebestreit, afirmou que o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente norte-americano, Joe Biden, concordaram que a mobilização parcial decretada por Vladimir Putin demonstra, mais uma vez, "o preço amargo" que os cidadãos russos têm de pagar "pelos erros de cálculo" do seu presidente.

Os dois políticos lamentaram ainda as recentes ameaças nucleares "irresponsáveis" de Putin, que, a concretizarem-se, teriam "consequências extraordinariamente graves para a Rússia".

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.